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30/11/2014
Enviado por
Marcus Filgueiras dom, 30/11/2014 - 12:4 Atualizado em 30/11/2014 - 12:41
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Por Marcus Filgueiras
A todos os nordestinos
João Cabral de Melo Neto descreveu a dor daquele que sai da sua terra
como um ato de sobrevivência e não como uma opção de vida. A “vida
severina” não é uma escolha.
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Ninguém escolhe nascer onde a terra é mais dura, mais seca. Ninguém
escolhe nascer em uma família pobre, em lugar onde não há escola,
hospital e onde falta comida e até água. Ninguém escolhe “morrer de
velhice antes dos trinta”.
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Quando Severino, aquele que não tem outro nome pia, vai
aproximando-se do Recife e encontra uma “terra doce para a vida e para
os pés”, pensa consigo mesmo: “para quem lutou a braço contra a piçarra
da Caatinga, será fácil amansar esta aqui, tão feminina.”
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Severino chega a perguntar-se quando avista o canavial verde: “Por
onde andará a gente que tantas canas cultivam?” E ele mesmo se responde
que “estão feriando”, pois nesta terra “tão doce, tão fácil e tão rica”
não se precisa trabalhar “todas as horas do dia”.
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Há muita diferença de infortúnio entre as pessoas. Não se pode duvidar.
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Lamento quando escuto que ajudar aos pobres é criar vagabundos. E
mais triste fico quando alguém diz que o pobre que não consegue “subir
na vida” é por preguiça, malemolência. E que, portanto, ajudá-lo
significa cultivar o ganho fácil. Não é verdade. Pobre é valente, digno e
precisa é de oportunidade. Mas há quem negue essa evidência
fundamentando-se na exceção.
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De qualquer forma, suspeito que negar tal evidência é uma forma de
esconder o seguinte: está julgando o outro a partir do critério com o
qual age, ou seja, quanto mais se tem, mais se quer ter e de modo mais
rápido e fácil. Essa lógica se pode ver em qualquer manual básico de
administração ou de empreendedores. Explico-me para não criar confusão.
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Nada contra usar a racionalidade e o conhecimento para trabalhar
melhor, mais eficiente, mais rápido. Nada contra a “optimização dos
processos produtivos”. Nada contra o aumento dos lucros das empresas.
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No entanto, o que não se pode fazer é achar que todos estejam nesta
mesma situação. Não. Os que estão buscando “melhorar processos de
produção” e incrementar os ganhos têm as necessidades básicas
satisfeitas. A diferença é brutal para quem não tem. A diferença vai da
dignidade à força.
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Os números do programa Bolsa-Família (BF) demonstraram que o pobre
não agiu como aquele que quer ganhar sem fazer nada; que quer deixar o
emprego para viver exclusivamente do auxílio, como muitos profetizaram.
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O lamentável é que uma organização internacional teve que fazer uma
pesquisa independente no Brasil para que o mundo pudesse conhecer,
estudar e, em notáveis casos, adotar o programa.
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Antes disso, os grandes jornais, que tinham por obrigação
constitucional informar, preferiram reduzir o programa aos casos de
fraudes que não o traduzem, simplesmente porque são as exceções.
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“Defender pobre?” Tem gente que apenas diz que está cansado dessa
conversa de gente “politicamente correta” ou de “defensores de direitos
humanos”. E ironizam: “então, levem um pobre para casa!” Mas há quem vá
mais longe para tentar dar um ar messiânico e divino: “a Bíblia diz que
sempre haverá pobres e ricos”.
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Pois bem, para os primeiros, é melhor não responder, pois o que apresentam não é sequer argumento. Para a ironia, o silêncio.
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Para os que usam a Bíblia, rogo que façam uma leitura coerente: se
existem pobres e ricos – e é verdade – estendam a mão, portanto. Ajudem
ao seu irmão. Toda ajuda será bem recebida. Pode-se doar desde carinho,
atenção, tempo, oportunidade e até o pão concretamente.
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Talvez ainda alguém possa me perguntar: leitura coerente da Biblia?
Coerente com o que, meu amigo? Sim, coerente com o amor do personagem
principal deste livro tão especial: “(...) eu estava com fome, e me
destes de comer; estava com sede e me destes de beber (...).” (Mateus,
25, 35-36).
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O Estado, como uma forma de manifestação organizada da sociedade, tem
papel fundamental para criar condições para que todos tenham a mesma
oportunidade. Quem nasceu na terra seca e mais dura deve ter
preferência, porque o seu infortúnio foi maior.
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E, por favor, não venha com essa história chata de que isso é
comunismo. A Declaração Liberal de Oxford, de 1967, é expressa ao
defender que “o aumento da riqueza deveria destinar-se a promoção da
igualdade de oportunidades (...)” (El liberalismo en el mundo de hoy,
Fundación Friedrich Naumann, Bogotá, p. 12). Não se pode ser liberal
somente na liberdade da acumulação, mas se deve sê-lo também para
garantir as oportunidades iguais.
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Mas alguns ainda podem dizer: não se pode dar o peixe, tem que
ensinar a pescar. O BF não ensina a pescar, porque “dá de mão beijada”.
Então, pergunto: como ensinar a pescar àquele que sequer conta com uma
vara para pescar, uma isca e forças para chegar até o rio? Ensinar a
pescar pressupõe também abrir a maleta de primeiros socorros para
resgatar o brasileiro da vida severina.
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