Foto: Guilherme Santos/Sul21
“O doutor [Rodrigo] Janot, procurador-geral da República,
está de posse de mil contas na Suíça, com US$ 800 milhões já
identificados e bloqueados, com a fina flor dos políticos e dos
empresários com eles conexos. Por isso que eles precisam aceleradamente
[do impeachment]”, disse o ex-ministro
Por Luís Eduardo Gomes, no Sul21
Em Porto Alegre para participar do Seminário Dívida Pública,
Desenvolvimento e Soberania Nacional, promovido pelo Sindicato dos
Engenheiros (Senge), na PUCRS, o ex-ministro e ex-governador do Ceará
Ciro Gomes (PDT) afirmou que o processo de impeachment da presidenta
Dilma Rousseff (PT) está sendo movido por uma “coalizão de ladrões” que
deseja implementar uma “agenda entreguista”, submetida a interesses
internacionais.
Em entrevista concedida ao
Sul21 e ao Jornal Já, Ciro Gomes afirmou que a saída do PMDB do governo federal,
sacramentada em votação
que durou três minutos na tarde de terça-feira (29), em Brasília, tem o
objetivo de acelerar o processo de impeachment para tentar impedir que
as investigações da Operação Lava Jato atinjam mais nomes da classe
política brasileira.
“O doutor [Rodrigo] Janot, procurador-geral da República, está de
posse de mil contas na Suíça, com US$ 800 milhões já identificados e
bloqueados, com a fina flor dos políticos e dos empresários com eles
conexos. Por isso que eles precisam aceleradamente [do impeachment]. Faz
cinco meses que o processo de cassação do Eduardo Cunha não anda um
passo sequer na Câmara e uma presidência da República da oitava economia
mundial, em menos de 15 dias, pelo que nós estamos contando hoje, pode
cair”, afirma Ciro.
Para o ex-governador, provável candidato a presidência da República
pelo PDT em 2018, o impeachment da presidenta ainda não é inevitável,
mas será preciso que o “povão acorde” e que haja uma mudança no contexto
nacional para que ele seja barrado. Ciro ainda prevê que, caso se
concretize a queda de Dilma, o vice-presidente Michel Temer terá muitas
dificuldades para governar diante da crise econômica e política vivida
pelo país.
Confira a seguir a íntegra da entrevista.
Como você avalia a saída do PMDB do governo?
Ciro Gomes: Isso é a crônica de uma morte anunciada.
Se não fosse uma tragédia para o país, eu seria um dos brasileiros que
poderia estar dizendo, com muita moral e coerência, que eu avisei.
Quantas vezes eu falei com o Lula, eu falei com a Dilma, lá na
ancestralidade desse projeto, o quanto estúpido e equivocado era colocar
esse lado quadrilha da política brasileira na linha de sucessão do
País. Prevaleceu o pragmatismo que acabou entregando organicamente ao
PMDB a resultante do poder no Brasil, sem voto. E agora eles estão
percebendo que podem consumar o fato, eliminar os intermediários e
assumir diretamente. São componentes absolutamente escandalosos e
enojantes. Eu não estou exagerando em nenhuma palavra, porque assistir o
País ir para o risco que está correndo, para o Michel Temer,
organicamente vinculado a tudo que está errado sob o ponto de vista
institucional e de corrupção no Brasil – eu sei muito bem o que estou
falando, é só pesquisar meu mandato de deputado federal, com ele na
presidência da Câmara – e parceiro íntimo do Eduardo Cunha, que vira
vice-presidente da República.
Com isso eles vão, apoiados pelo PSDB nesse instante, cumprir a
segunda tarefa depois de assaltar o poder, que é matar a Lava Jato, que
agora, sob o ponto de vista dos politiqueiros de Brasília, parece ter
saído do controle. Só para eu lhe dar alguns dados que não saem na
grande mídia porque não interessa.
O doutor [Rodrigo] Janot,
procurador-geral da República, está de posse de mil contas na Suíça, com
US$ 800 milhões já identificados e bloqueados, com a fina flor dos
políticos e dos empresários com eles conexos. Por isso que eles precisam
aceleradamente [do impeachment]. Faz cinco meses que o processo de
cassação do Eduardo Cunha não anda um passo sequer na Câmara e uma
presidência da República da oitava economia mundial em menos de 15 dias,
pelo que nós estamos contando hoje, pode cair.
O que acontece nos dias seguintes à chegada do Temer à presidência?
Ciro: O que acontece é que um governo ilegítimo se
constitui. Esse governo não é gravemente negativo para o país só porque é
ilegítimo e viola a democracia. Esse governo vem com uma agenda
basicamente entreguista, dos últimos interesses nacionais que essa
gentalha não conseguiu entregar para o estrangeiro. Anote o que eu estou
lhe dizendo: petróleo e gás. Mas também para arrebentar com o rudimento
de avanço social que o país experimentou, porque eles têm uma
convicção, está nos textos do Armínio Fraga, de que o salário mínimo,
que é base para toda massa salarial brasileira, passou do limite, que
tem que ser reduzido.
Nos textos deles está lá que a política social não
deve mais ser universal, e sim focada em pequenos grupos como defende o
neoliberalismo mais tacanho, que inclusive está superado
internacionalmente. Enfim, é uma tragédia completa para o Brasil. O que
significa dizer que, dado que esses politiqueiros não conhecem o Brasil
que existe hoje, que nós dissolveremos muito rapidamente esse quase
consenso que está sendo construído que é pela negação, porque a
sociedade brasileira está machucada pela crise econômica e indignada com
a novelização do escândalo. Mas, na hora que esse consenso negativo
provocar uma ruptura imprudente da nossa tradição democrática, no dia
seguinte essa energia não vai para casa. E eu estarei junto com eles
tocando fogo, porque não toleraremos que o Brasil seja vendido.
O senhor já disse que será o primeiro a entrar com um pedido de impeachment do Temer se ele assumir a presidência..
Ciro : É todo um contexto. Eu não sou ninguém e há
muita manipulação nesse Facebook, com perfis falsos. O que eu disse, e
vou repetir, é que o impeachment é um procedimento jurídico-político.
Ele não pode ser nem só político e nem só jurídico, e está escrito na
Constituição que essa interrupção de um mandato de um presidente da
República só se dará na condição de cometimento de crime de
responsabilidade. A Dilma não foi acusada de nenhum cometimento, de
nenhuma dessas figuras penais da lei de responsabilidade. O pretexto do
pedido que está tramitando e pode derivar numa ruptura democrática do
país é o que eles chamam de pedalada fiscal, que é um crime contábil,
completamente errado, não defendo, mas que todos os governos vêm fazendo
e nunca, em circunstância alguma, é crime. Entre o elenco formal da lei
não é crime. Portanto você tem um golpe.
E eu disse na entrevista e vou repetir pro senhor, se foi esse o
pretexto que vai levar à ruptura do Brasil e há esse risco de ninguém
mais governar o nosso país pelos próximos 20 anos, eu estou
comovidamente convencido disso, eu entrarei imediatamente com um pedido
de impeachment baseado no fato, que eu já tenho todos os documentos, de
que o Michel Temer, como vice-presidente ocupando a presidência da
República, assinou dezenas de decretos de pedaladas fiscais, igualzinho a
Dilma. Portanto, se valer para ela juridicamente – evidentemente que
isso é só pretexto -, vai ficar a sociedade brasileira muito esclarecida
de que isto também foi uma molecagem de golpe. Mas vou entrar na hora.
A partir do impeachment da Dilma e de um possível impeachment também do Temer, qual seria a solução? Novas eleições?
Ciro: Um impeachment só acontece quando há uma
construção consensual. Hoje, esse consenso não existe ainda. Ele se
acelerou muito por conta de você ter feito encontrar interesses
internacionais poderosos, que têm uma influência importante na formação
da mega mídia, especialmente de São Paulo, que se autodenomina imprensa
nacional, e do Rio de Janeiro, com uma sociedade muito angustiada com a
crise econômica e com a loucura da denúncia moral, que foi extremamente
passionalizada com aquilo que pareceu ao povo uma jogadinha miúda,
metendo o centro da República nela, que é trazer o Lula para dentro do
Palácio. Eu espero que ainda dê tempo e que essa marcha da insensatez se
interrompa. Não acontecendo, o próximo passo de um impeachment do
Michel Temer é muito improvável, porque imediatamente ele passa a ser o
representante no poder dos interesses internacionais, que hoje estão na
clandestinidade, balançando as bases da democracia brasileira.
É só vocês fazerem uma pesquisa rapidinha:
quais são os lugares da
Geografia do mundo onde há petróleo com algum excedente e você
imediatamente vai ver a mesma instabilidade que há no Brasil, até
agravada. Agravada, por exemplo, como é o caso do Iraque. Agravada pelas
tensões no Irã, agravada pelas tensões no Egito, pelas tensões na
Líbia. É uma coisa que não é coincidência. Arábia Saudita está
balançando. A Venezuela, na nossa América Latina, está completamente em
frangalhos, a sua institucionalidade. Isso é um jogo bruto, não é um
jogo para criança. Agora, esse interesse passa a vencer. Imediatamente a
mídia correlata já está fazendo o que para qualquer brasileiro é uma
coisa enojante. Um partido que está há 10 anos mamando, roubando,
escandalosamente e fisiologicamente entranhado no governo, que,
portanto, se tem alguma coisa boa no governo, ele pode reclamar para si
também e, se tem alguma coisa completamente errada, o PMDB também é
responsável por isso. Sai (do governo) e a Rede Globo faz uma novela
dignificando, nobilitando o gesto do PMDB. É a novilíngua. George
Orwell, no livro “1984”, escreveu sobre isso.
Ciro, você fala de engreguismo do PMDB...
Ciro: Está escrito. Leia o que eles estão chamando ridiculamente de Ponte para o Futuro.
O senhor acha que o PMDB tem condições políticas de implementá-lo?
Ciro: Nenhuma chance. É uma grande fraude. É uma
grande e imensa fraude porque o Brasil hoje tá pinçado por três crises,
e uma alimenta a outra, e “trocar Chico por Manel” não resolve nada.
Pelo contrário, quando você excita expectativas simplórias, grosseiras,
como está acontecendo hoje, em que todo o problema brasileiro seria essa
novela moral, que nós vamos trocar uma pessoa que não tá acusada de
nada por uma linha de sucessão que é Michel Temer, Eduardo Cunha, Renan
Calheiros – os três estão citados na Lava Jato e ela é a única que não
foi citada nem é investigada em coisa nenhuma -, o que acontece no dia
seguinte? Eles vão trabalhar para desarmar a Lava Jato, mas as três
crises vão estar do mesmo tamanho.
Vamos lá, crise número 1
: internacional. Um constrangimento, eu diria
para você, paradigmático. O Brasil encerrou um ciclo, nós perdemos
qualquer veleidade de ter um projeto de desenvolvimento, nisso o PT
comete talvez seu maior erro. Fez um avanço, mas não institucionalizou
nada, não mexeu em estrutura nenhuma do País. O resultado prático é que,
quando terminar o ano de 2016, entre produtos industrializados que nós
vendemos para o estrangeiro e produtos industrializados que nós
compramos do estrangeiro, o buraco já está em US$ 110 bilhões. A gente
vinha, até 2014, pagando este buraco com um ciclo de commodities muito
caras. Então, eu estou trabalhando na CSN (Companhia Siderúrgica
Nacional), nós vendíamos, em 2014, uma tonelada de minério de ferro por
US$ 180. Chegamos a vender por US$ 40.
O petróleo, quando nós
comemoramos a maravilhosa descoberta do pré-sal, eu estava lá ajudando a
fazer a lei de partilha, aquilo tinha e tem ainda o condão no futuro de
mudar radicalmente a estrutura brasileira social, econômica e de
infraestrutura, o que acontecia, o petróleo custava US$ 110. Então, a
gente gasta US$ 41 para tirar um barril de petróleo, com este nível de
escala hoje, e vendíamos a US$ 110. É uma fortuna. Pois bem, o petróleo
custa US$ 41 para tirar e nós estamos vendendo a US$ 30. “Micou” o
pré-sal. Você tem a soja, o milho, etc., que não caíram tanto, mas
caíram 15%, 20% todos. Ou seja, a gente artificializou de fora para
dentro uma conta macroscópica do Brasil com o estrangeiro e esse ciclo
morreu e morreu para sempre – pelo menos pelas duas próximas décadas. O
país está desafiado a recelebrar toda a sua matriz de desenvolvimento
agora, catando outro lugar aonde assentar essa imprudência de não termos
uma política industrial de comércio exterior. Então, segura a primeira
crise que eu quero ver como esses golpistas vão tratar.
Segunda crise, quando você tem um desequilíbrio nas suas contas
externas, você transfere para dentro do país uma variável que é a
desvalorização da moeda. Eu não tenho tempo aqui, mas, basicamente, se
eu tenho um buraco nas contas com o estrangeiro, a consequência prática
dentro do país, a primeira, é que a moeda se desvaloriza. O real se
desvaloriza perante o dólar. Isto imediatamente se irradia para os
preços, todos os preços que são imediatamente sensíveis ao câmbio. Por
exemplo, você compra pão, pão é trigo, o Brasil não produz trigo com
suficiência, importa, é dólar. Então, se você tem uma desvalorização do
real frente ao dólar, o pão fica mais caro, a pizza fica mais cara.
Remédio, 75% da química fina brasileira é importada. Se você
desvalorizada a moeda, o remédio fica mais caro. Passagem de ônibus, a
principal variável é o diesel, diesel é petróleo, petróleo é câmbio.
Então, você tem uma pressão de preços relativos que dá uma miragem de
inflação. Tentaram botar desde o senhor Fernando Henrique, e o PT
manteve a mesma equação, a economia num tal piloto-automático do
inflation target, que aqui tomou o nome de meta da inflação. Aí você
atira com taxas de juros. Você tem a maior recessão, que não é mais, é
depressão econômica, da história do Brasil, e a taxa de juros do Brasil é
a maior do mundo. Eu quero ver o que essa calhordice aí, desses
golpistas salafrários, vai fazer no dia seguinte que tomar posse.
E, terceiro, a crise política. Ou você acha que PT, MST, CUT, Ubes,
eu e todos nós que estamos convencidos de que há um golpe em marcha no
Brasil vamos deixar esse governo governar para vender o País para o
estrangeiro. Nenhuma chance. Nós vamos para o pau contra eles. Eu não
reconheço legitimidade nesse governo que está querendo se construir em
cima do golpe. Eu não reconheço e vou lutar, no meu limite, com as
ferramentas que estiveram a meu alcance, para que essa tragédia não se
abata sobre o Brasil.
O impeachment é inevitável?
Ciro: Não é inevitável. Eu estou lhe falando e é
preciso que a gente date as coisas, porque as coisas estão muito
frenéticas no Brasil, mas o que a sociedade precisa saber é que o
processo de cassação do Eduardo Cunha,
pilhado com milhões de dólares no
estrangeiro roubados da Petrobras, flagrantemente, tudo demonstrado com
interações internacionais constrangedoras, faz cinco meses não deu o
primeiro passo ainda na comissão, e essa coalizão de ladrões, esta
cleptocracia que está se organizando ao redor do senhor Michel Temer,
está querendo derrubar uma presidente em 20 dias. Tá marcado para o dia
17 de abril e, no momento em que eu estou lhe falando, só um milagre nos
salva. Esse milagre é possível de ser praticado se o nosso povo
acordar, não só nós que já estamos na luta, mas o povão, que ainda está
vendo as coisas, com muita razão, com um pé atrás, mas eu ainda tenho
esperança que Deus toque o coração e a cabeça da sociedade brasileira. E
isso pode mudar as coisas.
.