terça-feira, 4 de setembro de 2018

Nº 24.908 - "Nunca antes na história deste país fomos tão subtraídos e golpeados"



04/09/2018


Nunca antes na história deste país fomos tão subtraídos e golpeados

Democracia brasileira está sendo mobilizada para golpear a si mesma


Do Brasil de Fato | Salvador (Bahia), 3 de Setembro de 2018

TSE analisa registros de candidaturas à Presidência da República - Créditos: Fábio Rodrigues Pozzebom | Agência Brasil

TSE analisa registros de candidaturas à Presidência da República - Créditos: Fábio Rodrigues Pozzebom | Agência Brasil


por Patrícia Valim*


No último 17 de agosto de 2018, o Comitê dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) solicitou que o Brasil garantisse ao ex-presidente Lula o direito de participar das eleições presidenciais deste ano em razão da violação ao art. 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) da ONU, por considerar que o impedimento causaria a Lula danos irreversíveis. Renomados especialistas em Direito Internacional passaram a última semana esclarecendo à população que o parecer da ONU tem peso de lei, uma vez que o Brasil é signatário do PIDCP. Segundo o ex-embaixador e ministro Celso Amorim, os países não são obrigados a assinar o referido pacto, mas se o fazem são obrigados a seguir suas determinações. Assim, cumpre destacar que o Brasil aderiu às jurisdições do Comitê dos Direitos Humanos da ONU desde 1989, ratificando sua participação durante o governo de Itamar Franco, em 1992, e durante o segundo governo de Lula, em 2009. 

Mesmo assim, na última sexta-feira, 31 de agosto, exatos dois anos depois do golpe/impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em sessão pública e nacionalmente televisionada, o ministro Luís Roberto Barroso, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), relator do processo, rejeitou o pedido de candidatura do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, afirmando que a decisão do órgão não tem “efeito vinculativo” sobre o judiciário brasileiro, pois a aprovação do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, pelo Congresso, em 2009, não foi promulgado por decreto presidencial. No entanto, o ministro Luiz Edson Fachin não questionou o crime sem substância, sem provas, que motivou a determinação da ONU e a prisão de Lula, mas discordou de seu colega relator lembrando-lhe da posição histórica do Brasil em relação à ONU e o peso das normativas internacionais na normativa constitucional interna, de sorte que aceitou a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU de conceder uma liminar para o ex-presidente disputar as eleições de 2018 por considerá-la supralegal e vinculante. O ministro Fachin foi voto vencido e com o resultado que rejeitou o direito de Lula participar da campanha para as eleições de 2018: o país foi mais uma vez subtraído e golpeado. 

Subtraído porque nunca antes na história deste país a nossa democracia foi mobilizada para golpear a si mesma. O que se assistiu na última sexta-feira do mês de agosto de 2018 foi mais um espetáculo triste de moralização jurídica e criminalização política da classe trabalhadora no qual os ritos foram cumpridos para mais uma fase da longa punição exemplar da qual o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva tem sido vítima por ter cometido o crime de lesa concentração de renda ao ter diminuído as estruturais desigualdades do país que há séculos beneficiam a classe dominante. Para tanto, o relator do TSE reduziu o Brasil ao tamanho do Paquistão governado pelo Talibã, que descumpria as determinações (recomendação é um termo do golpismo) do Comitê de Direitos Humanos da ONU. Nos termos do próprio ministro Barroso: “apenas dois dos dezoito membros do Comitê assinaram a decisão sem fundamento”. Consideradas as devidas proporções, é como se a decisão de um magistrado da nossa Suprema Corte fosse questionada e não tivesse efeito porque o STF conta com 11 magistrados. 

Obviamente que o que está subjacente a esse argumento estapafúrdio do relator do processo no TSE ao reduzir o Brasil a um pária dos tratados internacionais é a moralização da política brasileira em resposta a um anseio difuso, histriônico e arbitrário de parte da sociedade pelo fim da corrupção e criminalização do Partido dos Trabalhadores (PT) em razão do legado do lulismo. Se a questão fosse realmente o fim da corrupção, parte da população brasileira que foi às ruas pedir o “Fora Dilma. Fora PT” estaria com lesão por esforço repetitivo de tanto bater panelas para tirar Michel Temer do Planalto Central, Geraldo Alckmin do Palácio dos Bandeirantes e Aécio Neves do Senado Federal: todos acusados por crimes de corrupção ativa com provas abundantes filmadas, gravadas e transmitidas em rede nacional. A questão não é o fim da corrupção por meio da aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa, pois se assim o fosse esses políticos do MDB e do PSDB, acusados de roubar merenda escolar de crianças, já estariam presos há tempos e não teriam seus crimes prescritos. 

Infelizmente, a questão é pior: a moralização da política brasileira reduz o debate na esfera pública entre bandidos e mocinhos, por meio da mobilização do ódio de metade da população. É sabido que o pedido de impugnação da candidatura de Lula foi anunciado pela Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, duas horas depois de a candidatura ter sido protocolada, motivando outros 16 processos de impugnação por eleitores, filiados do Partido Novo, entre eles o ator Alexandre Frota, e pelo candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL), também acusado de corrupção. Nesse final de semana, em um comício no Acre, o deputado federal Jair Bolsonaro incitou os presentes a fuzilar e matar os petistas e enviar os “petralhas” para a Venezuela, empunhando algo similar a um fuzil. Foi efusivamente aplaudido. Ao fazer apologia ao crime, à violência e ao ódio contra petistas, correligionários do candidato do PSL se sentiram encorajados a fazer o mesmo em outros locais do país. Também nesse final de semana, os participantes da carreata de Jair Bolsonaro aqui em Salvador, ao passarem pelo bairro de Amaralina, xingaram alguns trabalhadores que voltavam da praia de “preto descarado, ladrão, vagabundo, escória da sociedade”.

Bastava apenas um dos exemplos acima para que a mesma Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, deixasse seu descanso dominical e a tranquilidade dos membros do judiciário brasileiro que receberam recentemente um aumento de 16,38%, para vir a público com a mesma rapidez e anunciar o pedido de impugnação da candidatura à presidência de um deputado federal que tem como programa de governo a violência, o ódio e o assassinato de parte da população brasileira.


Porque nunca antes na história deste país, a sociedade assistiu a uma cena tão horrenda e tão cheia de ódio contra aqueles que diminuíram as desigualdades sociais e econômicas do Brasil. Nunca antes na história deste país estivemos em tamanha encruzilhada entre a civilização e a barbárie desse fascismo acariciado pela mídia que apoiou o golpe de 2016 e pelo judiciário que lhe deu sustentação legal. Em diversas ocasiões, o ministro Barroso manifestou publicamente o desejo de protagonizar o que ele chama de “refundação do país”. Não é preciso ir tão longe: basta cumprir a Constituição Cidadã de 1988, sem aprovar a terceirização do trabalho ampla e irrestrita, e sem fingir que para criminalizar o Partido dos Trabalhadores esse fascismo conta com o apoio e leniência de parte do judiciário brasileiro. Nunca antes na história deste país uma eleição presidencial foi tão importante para derrotarmos esse projeto criminoso nas urnas.

*Professora de História do Brasil Colonial da Universidade Federal da Bahia. Conselheira do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Perseu Abramo. Mãe de Ana, Bento e Maria, e avó de Maria Antônia. email: patricia.valim@ufba.

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