segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Contraponto 721 - "Saúde para dar, não para vender"


16/11/2009
Saúde para dar, não para vender

Patria latina - 16/09/2009
Mesmo diante do pesado embargo econômico e da oposição boliviana, Cuba dá exemplo de solidariedade com cooperação médica no país governado por Evo Morales

Vinicius Mansur
correspondente em La Paz (Bolívia)
Brasil de Fato
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Mais de 30 milhões de atendimentos médicos. Mais de 25 mil vidas salvas. Mais de 15 mil partos realizados. Mais de 3 milhões de exames de laboratório. Mais de 45 mil operações cirúrgicas, sem contar as quase 450 mil operações oftalmológicas, feitas através da chamada Operação Milagre. Esse é o saldo, até setembro deste ano, da atuação da Brigada Médica Cubana na Bolívia.

Os números, divulgados pela Embaixada de Cuba em terras bolivianas, são resultado do trabalho médico começado em fevereiro de 2006, mas frutos da boa relação política mantida pelo presidente da Bolívia, Evo Morales, e Fidel Castro, comandante da Revolução Cubana e ex-presidente da ilha caribenha.

Em dezembro de 2005, antes mesmo de Morales tomar posse, os presidentes dos dois países selaram um amplo acordo de cooperação. Diante de uma inundação provocada por fortes chuvas nos primeiros meses de 2006, a cooperação médica teve seu início antecipado, com os primeiros profissionais cubanos chegando à Bolívia em fevereiro.

Infraestrutura avançada

De lá para cá, essa brigada cresceu, chegando hoje a mais de 1,6 mil profissionais da saúde, sendo aproximadamente 1,1 mil médicos. De acordo com o embaixador cubano na Bolívia, Rafael Dausá, 43 hospitais de segundo nível já existentes – aqueles considerados de médio porte pelos órgãos de saúde bolivianos, localizados, sobretudo, em zonas rurais – foram completamente equipados por Cuba e contam, por exemplo, com salas de cirurgia e de terapia intensiva completas, equipamentos de raios-x móveis e fixos, serviços de endoscopia e ultra-som. Toda essa infraestrutura e recursos humanos são bancados por Cuba, em uma prova de solidariedade que surpreende os próprios bolivianos.

A dona de casa Sandra González, de 39 anos, por exemplo, se diz encantada com o atendimento recebido: “Eu até agradeço o seu jornal por ser nosso porta-voz e nos permitir agradecer a esses anjos que caíram do céu. Eles nos tratam com tanto carinho que parecem ser mais bolivianos do que nós”.

González conta que conheceu os médicos cubanos em 2007, quando buscava uma alternativa para operar a vesícula, procedimento que, na medicina privada, lhe custaria 1,3 mil pesos bolivianos (cerca de R$ 350), fora remédios e consultas pós-operatórias. Chegando ao Hospital Geral Chacaltaya, na cidade de El Alto, a dona de casa descobriu que não precisava operar, e foi curada por um tratamento que durou um ano e que não lhe custou um centavo.

“Quando cheguei aqui, desconfiei da qualidade, porque quando é de graça, a gente desconfia. Mas eu não paguei uma consulta, nem os remédios e hoje estou bem melhor. Já trouxe minha filha e minha cunhada para serem atendidas aqui e já comecei outro tratamento porque quero ser mãe outra vez”, revelou.

Barreiras da oposição

De acordo com o coordenador departamental (estadual) da Brigada Médica Cubana de La Paz, Eudisel Spinoza, sua equipe encontrou muitas dificuldades para atuar na Bolívia, como a barreira linguística nos locais que falavam aimara, quéchua e outras línguas originárias, e as barreiras geográficas e climáticas.

“Em um Estado plurinacional, as dificuldades também são plurinacionais. Em nosso país é verão quase todo o ano, aqui as temperaturas chegam a 40 graus nas terras baixas e no altiplano estão abaixo de zero”, afirma. Porém, o coordenador destaca que o caso de Sandra González é emblemático para exemplificar a barreira mais cruel que encontraram: a cultura da medicina privada.

Segundo Spinoza, o atendimento médico e a distribuição de remédios de forma gratuita chocava, e ainda choca parte da população, “acostumada a não ver com bons olhos o que lhes chega de graça e desacostumada a ver a saúde como um direito”. As dificuldades encontradas pelos médicos cubanos foram agravadas porque essa cultura predominante foi utilizada pela oposição à Evo Morales e por setores conservadores da Bolívia.

Recorrendo a lógica do “o que é bom não chega de graça”, os opositores ao governo criticaram a presença dos médicos cubanos, afirmando que, na verdade, isso significava a infiltração de “enviados de Fidel Castro” para “tornar a Bolívia comunista”.

A fundadora do Movimento de Solidariedade com Cuba na Bolívia, Tereza Quiroga, recorda que esse discurso foi incorporado pela classe médica boliviana e reformulado na forma de corporativismo pelo Colégio Médico do país, que assumiu, então, o posto de principal opositor à atuação cubana.

“Eles foram à televisão e às rádios diariamente para denunciar que os cubanos não eram médicos, mas estudantes, que vieram fazer política e que tiravam trabalho dos bolivianos. Diziam que o Evo deveria pagar aos bolivianos desempregados, mas na verdade o dinheiro é todo de Cuba”, recorda.

A violência conservadora foi forte a ponto de artefatos explosivos serem detonados perto dos locais de trabalho e moradia dos médicos cubanos, além de ocorrerem agressões físicas registradas no departamento de Santa Cruz, por parte da União Juvenil Crucenhista, entidade aliada à oposição regional que costuma realizar ações violentas contra o governo Evo.

A resposta

Quiroga, que também é médica, liderou um movimento em defesa dos cubanos e, por isso, esteve à beira de ser expulsa de sua entidade representativa. “Durante uma semana buscamos quem já havia sido operado da vista, e já eram centenas, nos locais onde era feito o controle pós-operatório. Dizíamos que médicos bolivianos egoístas queriam expulsar os cubanos porque tiveram seus bolsos afetados e que não podíamos ficar calados. Assim, organizamos uma marcha com mais de 500 pessoas, que passou pelo Colégio Médico e pelo Ministério da Saúde”, lembra. Segundo ela, com a polarização do conflito, a população começou a comparar os serviços médicos, fazendo com que o Colégio Médico, claramente pior avaliado, desistisse de fomentar a polêmica.

O embaixador cubano Rafael Dausá também destacou o trabalho cubano como fator fundamental para neutralizar as críticas: “Nos vinculamos aos programas de saúde mais importantes do país, como o programa de Atendimento às Gestantes, o programa Desnutrição Zero, o combate à dengue e ao vírus AH1N1. E os bolivianos entenderam que nosso interesse era levar saúde àqueles esquecidos durante séculos, não ingerir nos assuntos internos da Bolívia”.

Spinoza, coordenador da brigada em La Paz, também ressalta a importância da ação médica cubana, que vai diretamente à casa dos bolivianos: “É um tipo de ação preventiva, que é a nossa prioridade, porque se gasta mais e se expõe mais a vida do paciente quando se espera que ele adoeça. Essa ação foi difícil, porque a cultura aqui, às vezes, não permite que um estranho entre em sua casa, mas, dividindo os problemas com a população, ganhamos terreno e pouco a pouco eles entenderam que têm o direito de ser atendidos”.
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