segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Contraponto 8893 - "A razão em fase de larva e de casulo"

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06/08/2012

A razão em fase de larva e de casulo


Não pode ser pessimista quem se dá conta dos reais riscos que pesam sobre nosso destino



Jornal O Povo - 06/08/2012

Leonardo Boff*

Quem leu meus últimos textos sobre ecologia e a situação dramática da Terra colheu, talvez, a impressão de pessimismo. Não pode ser pessimista quem se dá conta dos reais riscos que pesam sobre nosso destino. Devemos honrar sempre a realidade. Mas, ao mesmo tempo, cumpre alargar a compreensão da realidade. Esta é maior do que se mostra pois o que é potencial nela é também parte do real. Há sempre uma reserva utópica, presente em todos os eventos. Se compreendermos a realidade assim enriquecida, não se justifica um pessimismo fechado, mas um realismo esperançador. Este capta a eventual irrupção do novo, escondido dentro do potencial e do utópico. Este novo faz então história, funda um outro estado de consciência e inaugura um ensaio social diferente.

Ademais, se tomarmos distância e medirmos nosso tempo histórico com o tempo cósmico, teremos mais razões ainda para a esperança. Se condensarmos num ano o tempo cósmico, os 13,7 bilhões de anos, idade presumida de nosso universo, notaríamos que como humanos existimos há apenas uma pequeníssima fracção de tempo.

Segundo cálculos do cosmólogo Brian Swimme, assim, a 31 de dezembro, às 17.horas, nasceram nossos antepassados pré-humanos. A 31 de dezembro, às 22.horas, entrou em cena o ser humano primitivo. A 31 de dezembro, às 23 horas, 58 minutos e 10 segundos surgiu o homem de hoje chamado de sapiens sapiens. A 31 de dezembro às 23.horas, 59 minutos e 56 segundos nasceu Jesus Cristo. A 31 de dezembro às 23.horas 59 minutos e 59,2 segundos Cabral chegou ao Brasil. Como se depreende, somos temporalmente quase nada.

Além disso, se tomamos em conta as 15 grandes dizimações que a Terra conheceu, especialmente, aquela do Cambriano, há 570 milhões de anos, na qual entre 75-90% do capital biótico desapareceu, verificamos que a vida sempre resistiu e sobreviveu. E se nos concentramos apenas no ser humano, sobreviveu sempre às muitas glaciações. Mais ainda, ocorreu um processo altamente acelerado de encefalização. A partir de 2,2 milhões de anos emergiram, sucessivamente, o Homo habilis, o Homo erectus, e nos últimos cem mil anos, o Homo sapiens, já plenamente humano. Seus representantes eram seres sociais, se mostravam cooperativos e manejavam a fala, característica humana.

No arco de um milhão de anos, o cérebro destes três tipos duplicou em volume. Após o aparecimento do Homo sapiens, surgido há 100 mil anos, o cérebro não mais cresceu. Não havia mais necessidade, pois surgiu o cérebro exterior, a inteligência artificial que é a capacidade de conhecer, criar instrumentos e artefatos para transformar o mundo e criar cultura,característica singular do Homo sapiens sapiens.

A partir do neolítico, cerca de dez mil anos atrás, surgiram as primeiras cidades que deram origem à cultura elaborada, ao estado, à burocracia e também à guerra. Começou também uma sistemática utilização da razão instrumental para dominar a natureza, conquistar e subjugar os outros.

Obviamente lá estavam também outros tipos de razão como a emocional, a simbólica e a cordial, mas submetidas à regência da razão instrumental que desde então assumiu a hegemonia, até a sua culminância em nosso tempo, razão, a um tempo, criativa é também destrutiva.

O processo da borboleta nos oferece uma sugestiva metáfora. A borboleta não nasce borboleta. Ela é no início um simples ovo que se transforma numa larva, devoradora insaciável de folhas. Depois ela se enrola sobre si mesma na forma de um casulo (crisálida). Dentro dele, a natureza tece seu corpo e desenha suas cores. Quando tudo está pronto, eis que se rompe o casulo e emerge esplêndida borboleta.

Nós estamos ainda no estágio de larva e casulo. Larva, porque, dia e noite, devoramos a natureza; casulo, porque fechados sobre nós mesmos, sem ver nada ao nosso redor.

Qual a nossa esperança? Que a razão rompa o casulo e emerja qual razão-borboleta. Talvez a situação atual de alto risco force o nascimento da razão-borboleta. Ela esvoaça por ai, não é destrutiva mas cooperativa, pois poliniza as flores.

Estamos ainda em gênese. Não acabamos de nascer. Nascidos, vamos respeitar e conviver com todos os seres. Teremos para sempre superado a fase de larva e de casulo. Como borboletas, seremos portadores da razão sensata que nos premia com um futuro sem ameaças.


*Leonardo Boff. Teólogo/Filósofo

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