sábado, 8 de dezembro de 2012

Contraponto 9942 - "O MP E A SEDUÇÃO DO ESPETÁCULO"


08/12/2012

O MP E A SEDUÇÃO DO ESPETÁCULO

 

Do Viomundo - publicado em 7 de dezembro de 2012 às 12:31
 

por Rafael Valim, no Le Monde Diplomatique Brasil


A Constituição Federal de 1988 confiou ao Ministério Público elevados objetivos, aos quais corresponderam indispensáveis competências e garantias  institucionais.   Edificou-se  uma instituição inteiramente vocacionada à defesa da sociedade, cuja atuação tem sido decisiva na afirmação da trôpega democracia brasileira.

A importância  e o protagonismo do Ministério Público não devem ocultar, entretanto, os desacertos em que, à semelhança de qualquer instituição, incorre. Os membros do Ministério Público não são seres superiores,  infensos  às paixões humanas, tampouco  estão acima da ordem jurídica. Cometem equívocos e devem responder por seus atos, como qualquer agente público.

Convém assinalar,  de qualquer modo, que o reconhecimento  da falibilidade do Ministério Público jamais justificará, por exemplo, propostas tendentes a suprimir  seus poderes investigatórios. Impõe- se o aprimoramento,  e não o desmantelamento da instituição.
O  tratamento conferido à informação pelo Ministério Público é justamente  um dos pontos que estão a merecer aprimoramento  e que, não raras vezes, rendem-lhe merecidas críticas.

Nos últimos tempos,  o Ministério Público converteu-se  em uma das principais fontes da imprensa nacional, dentro do contexto de transformação  do jornalismo  investigativo  em “jornalismo sobre investigações”. Tal circunstância é prenhe de consequências, as quais não podem ser negligenciadas pela sociedade brasileira, verdadeira destinatária  das atividades desempenhadas pelo Ministério Público.

Condenações midiáticas

O  Ministério Público e a imprensa, embora muitos insistam em dizer o contrário, não compartilham interesses comuns. Há muito se desvaneceu a ingênua ideia de “neutralidade objetiva” do jornalismo, cuja atuação seria presidida exclusivamente por interesses públicos.  A história  prova, à saciedade, que a imprensa é guiada por interesses específicos, inconfundíveis com os interesses assinados ao Ministério Público pela Constituição Federal.

A assimilação  dessa realidade  revela a necessidade de o Ministério Público manter uma interlocução  transparente,  veraz, cautelosa, equilibrada e responsável  com a  imprensa.   São inadmissíveis   a execração pública de investigados,  os chamados “vazamentos”  de informações à imprensa, os acordos de exclusividade com jornalistas.

Com efeito, é de rigor proscrever a lamentável prática de “condenações midiáticas  de acusados”, para as  quais concorre frequentemente o Ministério Público. As  garantias  do devido processo legal,  da presunção de inocência e da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas constituem   direitos fundamentais que o Ministério Público não deve apenas respeitar, senão que proteger de forma intransigente.

A defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e  individuais indisponíveis,  de  que está incumbido o Ministério Público nos termos do art. 127 da Carta Magna, implica,  necessariamente,  a irrestrita proteção dos direitos e garantias fundamentais de todos os indivíduos,  entre os quais,  obviamente, figuram os investigados por supostas práticas delituosas.

O Ministério Público, para servir verdadeiramente à sociedade, deve portar-se como um legítimo guardião da Constituição Federal e, nessa medida,   distanciar-se  da espetacularização que, lamentavelmente, marca a sociedade contemporânea.

Rafael Valim é advogado,  mestre e doutorando  em Direito  Administrativo pela   PUC-SP e  especialista  em  Direito   Constitucional   pela Universidad  Castilla-La  Mancha  (Espanha). É professor da PUC- SP, Universidade Nacional de Cuyo e Universidade Nacional de Comahue (Argentina).
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Veja aqui o que não aparece no PIG - Partido da Imprensa Golpista