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09/01/2013
Jornalismo ou Ativismo?
Do Brasil 247 - 9/1/2013
Está faltando pelo menos um verbete nos manuais de
redação da mídia tradicional; para dar transparência a práticas de
editorialização do noticiário, distorção de fatos e engavetamento de
informações que desagradam aos veículos; sem assumir o seu Ativismo, o
que as publicações mais ricas do País têm feito nos últimos meses não
passa de política disfarçada de Jornalismo
247 – A julgar pelos destaques e ausências no
noticiário recente apresentado ao público pela mídia tradicional, ao
menos um verbete está faltando nos manuais de redação de jornais como a
Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo, emissoras de
televisão como a Rede Globo e editoras de revistas como o Grupo Abril.
Começa com a letra A e não consta de nenhuma das publicações que,
inicialmente internas, ganharam as livrarias para serem consumidas pelo
público em geral: Ativismo.
Um dos significados para Ativismo encontradas no Dicionário Houaiss é
o de "propaganda a serviço de uma doutrina ideológica, partidária,
sindical etc". Outra: "Gênero de literatura com conteúdo político,
literatura engajada".
Não é difícil concordar que, nos últimos meses, a mídia tradicional,
muitos de seus colunistas e até mesmo repórteres entraram fundo na seara
do Ativismo, deixando, desta forma, por diversos momentos, a trilha bem
mais iluminada do Jornalismo. Nesta, os parâmetros da isenção e
equilíbrio tolhem derrapagens como o preconceito, o pré-julgamento e a
adjetivação. Estabelecem, ainda, a pluralidade, abrindo espaços para o
contraditório a informações, avaliações e opiniões. Naquela, sombras,
obstáculos e barreiras se apresentam na busca pela verdade.
Num caso clássico de Ativismo, que já faz parte da história proibida
da Rede Globo, a que não entra inteira nos livros de contos de fadas
escritos por jornalistas como Pedro Bial e chefões como o Boni, o Jornal
Nacional não veiculou, na véspera da eleição municipal do ano passado,
notícia com os resultados da última pesquisa Ibope antes do primeiro
turno. Corretamente, o levantamento adiantava que o petista Fernando
Haddad iria para o segundo turno com o tucano José Serra. Retornando às
trevas da década de 1980, quando a ditadura militar ainda vigia e a
Globo produziu o escândalo Pró Consult, pelo qual uma contagem paralela
aos votos oficiais tentava tirar a vitória na eleição para governador do
Rio de Janeiro de Leonel Brizola, a emissora aprontou. Depois de passar
o ano mostrando dados que davam Haddad no fundo da fila dos candidatos,
a emissora cujo jornalismo era chefiado por Ali Kamel simplesmente
"engavetou", como se diz no jargão profissional, a notícia que poderia
estimular a militância do candidato. O público perdeu, Haddad não
reclamou e Kamel, com sua postura anti-jornalística, foi promovido.
Antes, na virada dos governos Lula para Dilma, a revista Veja
produziu uma pérola do mesmo quilate. É inesquecível a capa caricata em
que o então presidente se pendurava aos ponteiros de um grande relógio
para segurar o tempo. A revista dizia que ele não queria largar o poder.
Essa tese, no entanto, tem 100% de problemas. Os dois presidentes
anteriores a Lula não apenas tentaram, mas conseguiram ampliar e
duplicar seus mandatos. José Sarney, eleito para quatro anos, ficou
cinco. Fernando Henrique Cardoso, igualmente escolhido para exercer a
Presidência da República por 48 meses, agiu de modo a extrair do
Congresso o mecanismo da reeleição. Com direito a permanecer no cargo,
ele venceu a eleição para ficar quatro anos mais no cargo. Não houve, em
Veja, nenhuma capa com Sarney ou FHC mexendo no tempo político, mas
Lula, que não alterou nenhuma das regras estabelecidas, foi pintado como
o mais apegado ao poder. Jornalismo?
Numa das edições de seu Manual de Redação, frequentemente revisado e
atualizado, como uma Constituição repleta de adendos e supressões, a
Folha de S. Paulo se define como "um jornal feito em São Paulo com
irradiação nacional, que se propõe a realizar um jornalismo crítico,
apartidário e pluralista". Em recente mudança estrutural, no entanto, a
publicação da família Frias desinvestiu na redação, cortando postos de
repórteres e editores, para colocar no lugar colunistas e comentaristas.
Não há, entre eles, no entanto, quem se disponha, ainda que vez ou
outra, a destacar fatos que fujam da tônica da crítica ao governo e à
política econômica e social. Como se diz entre o público, se você é
daqueles que acha que o mundo vai acabar, leia a Folha. As más notícias e
interpretações negativas estão ali.
Nesta semana, uma das principais articulistas da Folha cravou que o
governo faria, de emergência, uma reunião para evitar, às pressas, um
iminente apagão no setor elétrico. A versão, porém, não durou 24 horas,
derrubada pela divulgação da agenda do Ministério das Minas e Energia,
que previa uma reunião regular em torno do sistema elétrico. Na
diferença entre emergencial e normal, lá se foi mais um dia em que
desmentidos tiveram de ser feitos por autoridades e agentes do setor
privado. A projeção de apagão, dizem os técnicos, é hoje muito mais uma
expressão dos cálculos de alguns profissionais da imprensa do que um
risco verdadeiro. Quando o apagão de fato ocorreu, durante o segundo
governo de Fernando Henrique, doze anos atrás, a notícia pegou a todos
de surpresa, inclusive a jornalista Eliane Cantanhêde. Será que a
apuração avançou, retrocedeu ou a coluna foi mais um caso de Ativismo?
Nesta quarta-feira 9, o jornal O Estado de S. Paulo dá uma chamada
'barriga' difícil de ser justificada. Em manchete, a publicação da
família Mesquita informou que o ex-presidente Lula passaria a ser, a
partir daquele momento, investigado formalmente pelo Ministério Público
Federal, a pedido do procurador-geral da República Roberto Gurgel. Nesse
nível, a notícia poderia ter chegado ao jornal por uma fonte do MPF ou
por uma fonte da Procuradoria, mas acompanhada de algum tipo de prova,
como um comunicado formal pelo início do procedimento. O que aconteceu,
no entanto, foi um desmentido formal, com todas as letras, feito pelo
próprio procurador Gurgel. A pressa, que certamente ocorreu neste caso,
dentro da redação do Estadão, é, sim, um elemento do jornalismo. Ela
leva a erros, um risco atinente ao Jornalismo. Normal. No caso,
entretanto, a manchete pareceu exprimir muito mais uma vontade da
direção do jornalão do que a saudável impetuosidade de ser o primeiro a
dar um furo.
O ano de 2013 começou sob o signo do Ativismo na mídia tradicional.
Para comemorar o resultado do julgamento da Ação Penal 470, a revista
Veja publicou em sua capa uma chuva de fogos de artifícios. Sobre outro
caso que igualmente galvanizou atenções em 2012, aquele que mostrou as
perigosas e próximas ligações profissionais e pessoais entre um de seus
editores-chefes, Policarpo Jr., e o contraventor já condenado a prisão
Carlinhos Cachoeira, a publicação do Grupo Abril não escreveu uma linha
sequer. Quanto mais uma capa.
Na velha mídia, o que o público entende por Jornalismo está ganhando,
como se vê, novas feições. Assumir o Ativismo, antes de ser uma
confissão de culpa, poderia funcionar como uma ato de sinceridade. O
mundo está cheio de jornais partidários. O tablóide Gramma, por exemplo,
é o órgão oficial do Partido Comunista de Cuba. A missão declarada,
ali, é noticiar para o regime político da ilha de Fidel Castro. O New
York Times, noutro extremo, publica em toda véspera de eleições listas
de candidatos que recomenda a seus leitores. Assim como faz o Washington
Post, na grande maioria das vezes todas as recomendações são para
democratas, e não para republicanos. No final do ano passado, a
prestigiada revista Economist recomendou à presidente Dilma a demissão
de seu ministro da Fazenda. Pode ter sido uma grosseria, mas foi
transparente. Também no Brasil, é claro, os veículos de comunicação têm
todo o direito a opinar, mas o correto é fazê-lo às claras, com todas as
explicações necessárias ao eleitor, e não com subterfúgios de
editorialização e distorção de notícias. Isso não é apenas Ativismo
político disfarçado. É uma grande baixaria editorial.
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