Em linguagem mais
apurada que a do senador Aloysio Nunes Ferreira (“não tem impeachment,
quero ver Dilma sangrar”), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
resumiu a tática tucana: “impeachment é como bomba atômica, é para
dissuadir, não para usar”. Este é o jogo mas os que irão às ruas no
domingo pedir o afastamento de Dilma não sabem disso. Em outros tempos,
seriam chamados de “massa de manobra”.
São duas as razões tucanas para
descartar o impeachment, pelo menos por ora. A primeira, e fundamental, é
que não existem elementos jurídicos para um pedido de abertura de
processo contra Dilma. A outra vem do cálculo de que afastar Dilma não é
o melhor caminho para o retorno do PSDB ao poder central. Em 2018, ao
final de um imprevisível mandato complementar de Michel Temer, o partido
disputaria a presidência sob acusações de ter fomentado o golpismo para
tirar o PT do governo. E ainda que ganhasse, seria carregando este
estigma no peito. Mais seguro e honroso, devem pensar, será deixar Dilma
sangrar, chegar a 2018 com um governo tão desmoralizado que não
permitiria nem a candidatura de Lula, criando as condições para a
alternância na presidência.
A experiência ensina que a arte de
sangrar presidentes não é simples. Depende da capacidade de defesa e
reação do animal condenado. Pode dar certo mas o PSDB perdeu quando
fez esta aposta em 2005. A mesma frase – “vamos deixar Lula sangrar” –
foi utilizada por tucanos e pefelistas (hoje demistas) em agosto daquele
ano. Muitos a pronunciaram e estão registradas. O ex-senador Jorge
Bornhausen foi o porta-voz do resultado de uma reunião ocorrida na
liderança do PSDB no Senado, depois do depoimento de Duda Mendonça à CPI
dos Correios, admitindo que recebeu pagamentos de dívidas do PT através
de Marcos Valério. Nessa reunião desistiram de patrocinar o impeachment
de Lula. Ainda que conseguissem formular a condição jurídica a partir
das confissões de Duda, faltavam as condições políticas. Dois atos pelo
afastamento do presidente haviam sido chamados, um no Rio e outro em
Brasília, reunindo meros 20 gatos pingados. Do outro lado da rua, Lula
também reagia. Havia avisado que não se mataria como Getúlio, não
renunciaria como Jânio e nem seria deposto como Jango. Não falou no
impeachment de Collor, evitando cutucar o Congresso. Chamou líderes
sindicais para uma reunião e pediu que estivessem prontos para ir para
as ruas travar a resistência, “indo de casa em casa” se fosse preciso.
Não foi.
A CPI acabou, detonou o PT, veio a
denúncia do procurador-geral Antônio Fernando. A popularidade de Lula
chegou a menos de 50% no final do ano, quando as pesquisas diziam que
ele seria batido pelo tucano José Serra. Ele recompôs sua base e seu
governo, nele incluindo o PMDB, agora parceiro oficial. Em janeiro ele
começou a se recuperar. A economia deu sinais de crescimento e o governo
acelerou suas políticas sociais. Foi reeleito em segundo turno.
Há mais diferenças do que semelhança com entre o quadro de 2005 e o de agora, afora o fato de que,
latu sensu,
Dilma não é Lula e as condições jurídicas inexistem. A situação
econômica interna e o cenário externo são bem piores. A popularidade de
Dilma caiu bem mais. E ao invés de gatos pingados, o ato de domingo pode
reunir muita gente, em vários pontos do país. O prenúncio foi dado
pelos protestos durante a fala de Dilma no domingo.
Se a tática é sangrar Dilma, tudo
vai depender da capacidade de coagulação/reação dela, tanto na frente
política como na econômica.
Mas o zum-zum do impeachment vai
continuar, para dissuadir, como disse FH. O problema é que a massa na
rua confunde impeachment com revogabilidade de mandatos, figura que
existe em alguns sistemas políticos mas não no nosso. Não basta querer
tirar alguém do governo. É necessário que existam os pressupostos
constitucionais. Mesmo assim, se o movimento crescer nas ruas e na hora
H a oposição disser “não é por aí”, vamos para uma incógnita.
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