terça-feira, 29 de março de 2011

Contraponto 5072 - "A homenagem a Lula em Lisboa"

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29/03/2011
A homenagem a Lula em Lisboa

Por Webster Franklin

Brasil: Presidente e ex-chefe de Estado no nosso País

Lula homenageado em Lisboa e Coimbra

Na cerimónia de doutoramento honoris causa, o ex-presidente brasileiro receberá um anel de ouro, símbolo do seu compromisso com a Universidade de Coimbra

Lula homenageado em Lisboa e Coimbra

O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva vai receber hoje na Assembleia da República, em Lisboa, o Prémio Norte-Sul, atribuído pelo Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. A homenagem, que Lula receberá ao lado de Louise Arbour, presidente do International Crisis Group, a outra galardoada, antecederá outra importante distinção, a de doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra.

Por: Domingos G. Serrinha, Correspondente Brasil

O Prémio Norte-Sul distingue anualmente personalidades que, pela sua acção e exemplo, contribuem para a promoção da solidariedade e interdependência mundiais. Lula foi escolhido este ano, segundo o Centro Norte-Sul, pelo dinamismo que imprimiu às relações Sul-Sul e por ter conduzido uma política externa apostada em promover à escala mundial a luta contra a pobreza, o desenvolvimento económico e a igualdade social.

Amanhã, Lula receberá em Coimbra o doutoramento honoris causa pela Faculdade de Direito, uma honra que, há anos, seria inimaginável para um operário pobre e pouco instruído. Um dos símbolos dessa ligação definitiva que Lula passará a ter com uma das mais antigas universidades europeias é um anel de ouro português. Criado pelo joalheiro António Cruz, o anel, maior do que o usual para estes casos, tem 13 gramas de ouro e um rubi cor de sangue de pombo, remetendo para as insígnias vermelhas do Direito.

A seu lado, amanhã, Lula terá outra mulher que faz história no mundo, a actual presidente do Brasil. Dilma Rousseff efectua uma visita de três dias a Portugal, a convite do homólogo Cavaco Silva. A presidente visita hoje, a título particular, a Universidade Coimbra, estando também presente amanhã na cerimónia de doutoramento do seu antecessor. De regresso a Lisboa, Dilma encontra-se com o presidente da República e com o primeiro-ministro José Sócrates.

http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/internacional/mundo/lula-homenageado-em-lisboa-e-coimbra

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Contraponto 5071 - "Cercando a Rússia e a China com a mão de gato"


29/03/2011


Cercando a Rússia e a China com a mão de gato

Do Viomundo - 29/03/201129 de março de 2011 às 0:44

Cercar a Rússia, visar a China: O verdadeiro papel da NATO na grande estratégia dos EUA

Diana Johnstone*, em 02.12.10, no Diario.info, sugestão do pessoal da Vila Vudu, ajustado para o brasileiro

Embora escrito antes da Cúpula da OTAN em Lisboa, este texto de Diana Johnstone mantém toda a atualidade. Depois de desmascarar os objetivos da OTAN, a autora conclui: “Os governos euro-atlânticos proclamam a sua «democracia» como prova do seu direito absoluto de intervir nos assuntos do resto do mundo. Com base na falácia de que os «direitos humanos são necessários para a paz», proclamam o seu direito de fazer a guerra. Uma questão crucial é se a «democracia ocidental» ainda tem força para desmantelar esta máquina de guerra antes que seja tarde demais:

Nos dias 19 e 20 de Novembro, reúnem-se em Lisboa dirigentes da OTAN numa cúpula chamada de “Conceito Estratégico da OTAN”. Entre os tópicos para discussão encontra-se uma série de “ameaças” assustadoras, desde a guerra cibernética até à alteração climática, assim como belas coisas protetoras como armas nucleares e uma inútil Linha Maginot de alta tecnologia destinada a fazer parar os mísseis inimigos em pleno vôo. Os dirigentes da OTAN não conseguirão evitar falar da guerra no Afeganistão, essa cruzada interminável que une o mundo civilizado contra o esquivo Velho da Montanha, Hassan i Sabah, chefe dos Assassinos do século onze na sua mais recente encarnação como Osama bin Laden. Sem dúvida vai haver muita conversa sobre os “nossos valores comuns”.

A maior parte do que vai ser discutido é ficção com uma etiqueta de preço.

A única coisa que falta na agenda da cúpula Conceito Estratégico é uma discussão a sério sobre estratégia.

Isto, em parte, resulta de a OTAN, enquanto tal, não ter qualquer estratégia, e não poder ter a sua própria estratégia. A OTAN é na verdade um instrumento da estratégia dos Estados Unidos. O seu único Conceito Estratégico operacional é o que é posto em prática pelos Estados Unidos. Mas até esse é um fantasma esquivo. Segundo parece, os dirigentes americanos preferem posições impressionantes, “soluções espetaculares”, em vez de definirem estratégias.

Um dos que pretendem definir uma estratégia é Zbigniew Brzezinski, padrinho dos mujahidin afegãos quando estes podiam ser utilizados para destruir a União Soviética. Brzezinski não evitou declarar abertamente o objetivo estratégico da política dos Estados Unidos no seu livro de 1993, O Grande Tabuleiro de Xadrez: “A supremacia americana”.

Quanto à OTAN, descreveu-a como uma das instituições que servem para perpetuar a hegemonia americana, “fazendo dos Estados Unidos um participante-chave até nos assuntos intra-europeus”. Na sua “rede global de instituições especializadas”, que obviamente incluem a NATO, os Estados Unidos exercem o seu poder através de uma “permanente negociação, diálogo, difusão e procura de um consenso formal, apesar de o poder ser sempre proveniente duma única fonte, nomeadamente, Washington, D.C.”

Esta descrição cai como uma luva na conferência “Conceito Estratégico” de Lisboa. Na semana passada, o secretário-geral dinamarquês da NATO, Anders Fogh Rasmussen, anunciou que “estamos muito perto de um consenso”. E este consenso, de acordo com o New York Times, “seguirá provavelmente a formulação do presidente Barack Obama: trabalhar para um mundo não nuclear mantendo, apesar disso, um dissuasor nuclear”.

Esperem aí, será que isto faz sentido? Não, mas é o tipo de consenso da OTAN. A paz através da guerra, o desarmamento nuclear através do armamento nuclear, e acima de tudo, a defesa dos estados membros enviando forças expedicionárias para enfurecer os nativos de países distantes.

Uma estratégia não é um consenso escrito por comissões.

O método americano de “permanente negociação, diálogo, difusão e procura de um consenso formal” neutraliza qualquer resistência que possa aparecer ocasionalmente. Assim, a Alemanha e a França resistiram inicialmente à entrada da Geórgia na OTAN, assim como ao célebre “escudo anti-míssil”, considerados ambos como provocações abertas capazes de provocar uma nova corrida às armas com a Rússia e de prejudicar as frutuosas relações da Alemanha e da França com Moscou, sem qualquer resultado útil. Mas os Estados Unidos não aceitam um não como resposta, e continuam a repetir os seus imperativos até esmorecer a resistência. A única exceção recente foi a recusa da França em aderir à invasão do Iraque, mas a reação irritada dos Estados Unidos assustou a classe política conservadora francesa, o que levou ao apoio de Nicolas Sarkozy, pró-americano.

À procura de “ameaças” e “desafios”

O verdadeiro conteúdo do que passa por um “conceito estratégico” foi declarado pela primeira vez e posto em ação na primavera de 1999, quando a OTAN desafiou a lei internacional, as Nações Unidas e a sua própria carta inicial entrando numa guerra agressiva, fora do seu perímetro de defesa, contra a Iugoslávia. Esse passo transformou a OTAN de uma aliança defensiva para uma aliança ofensiva. Dez anos depois, a madrinha dessa guerra, Madeleine Albright, foi escolhida para presidir o “grupo de especialistas” que passou vários meses realizando seminários, consultas e reuniões para preparação da agenda de Lisboa.

Entre os mais importantes nesses encontros estavam Lord Peter Levene, presidente do Lloyd’s de Londres, a gigantesca seguradora, e o antigo diretor executivo da Royal Dutch Shell, Jeroen van der Veer. Estas figuras da classe dirigente não são propriamente estrategistas militares, mas a sua participação serve para garantir à comunidade internacional de negócios que vão ser levados em consideração os seus interesses a nível mundial.

É bem verdade que o rol de ameaças enumeradas por Rasmussen num discurso do ano passado dava a entender que a OTAN trabalhava para a indústria dos seguros. Disse ser necessário que a OTAN tratasse do combate à pirataria, da segurança cibernética, da alteração climática, de incidentes radicais do clima tais como tempestades e inundações catastróficas, da elevação dos níveis do mar, da movimentação em grande escala de populações para áreas desabitadas, por vezes atravessando fronteiras, da escassez de água, secas, da diminuição da produção de alimentos, do aquecimento global, das emissões de CO2, do recuo dos gelos do Ártico, que revelam recursos até agora inacessíveis, da eficiência de combustíveis, da dependência de recursos externos, etc.

A maior parte das ameaças apresentadas nem mesmo de longe podem ser interpretadas como exigindo soluções militares. Obviamente, não são os “estados vilões” nem os “bastiões de tirania” nem os “terroristas internacionais” que são responsáveis pela alteração climática, no entanto Rasmussen apresenta-os como desafios para a OTAN.

Por outro lado, alguns dos resultados destes cenários, como os movimentos de populações provocados pela elevação dos níveis do mar ou pela seca, podem de fato ser considerados como potenciais causas de crises. O aspecto sinistro desta enumeração é precisamente que esses problemas são avidamente agarrados pela OTAN como exigindo soluções militares.

A maior ameaça para a OTAN é ficar obsoleta. E a procura de um “conceito estratégico” é a procura de pretextos para se manter em ação.

A ameaça da OTAN para o mundo

Embora ande à procura de ameaças, é a própria OTAN que constitui uma ameaça crescente para o mundo. A ameaça básica é a sua contribuição para o reforço da tendência liderada pelos Estados Unidos para abandonar a diplomacia e as negociações em favor da força militar. Isto percebe-se claramente quando Rasmussen inclui os fenômenos climáticos na sua lista de ameaças para a OTAN, quando eles deviam ser, pelo contrário, problemas para a diplomacia e negociações internacionais. O perigo crescente é que a diplomacia ocidental está moribunda. Os Estados Unidos deram o tom: nós somos virtuosos, nós temos o poder, o resto do mundo tem que obedecer, senão…

A diplomacia é desprezada como sendo uma fraqueza. O Departamento de Estado há muito que deixou de estar no centro da política externa dos Estados Unidos. Com a sua ampla rede de bases militares em todo o mundo, assim como adidos militares em embaixadas e inúmeras missões em países clientes, o Pentágono é incomparavelmente mais poderoso e influente no mundo que o Departamento de Estado.

Os últimos secretários de Estado, longe de procurarem alternativas diplomáticas à guerra, desempenharam de fato um papel preponderante na defesa da guerra em vez da diplomacia, desde Madeleine Albright nos Balcãs ou Colin Powell acenando com falsos tubos de ensaio no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A política é definida pelo Conselheiro de Segurança Nacional, por diversos grupos de opinião financiados por privados e pelo Pentágono, com a intervenção de um Congresso que, por sua vez, é formado por políticos ansiosos em obter contratos militares para as suas clientelas.

A OTAN está arrastando os aliados europeus de Washington pelo mesmo caminho. Tal como o Pentágono substituiu o Departamento de Estado, a OTAN está a ser utilizada pelos Estados Unidos como um potencial substituto para as Nações Unidas. A “guerra do Kosovo” de 1999 foi um primeiro passo importante nessa direção. A França de Sarkozy, depois de ter entrado no comando conjunto da OTAN, está destruindo os serviços de diplomacia franceses, tradicionalmente competentes, reduzindo a sua representação civil em todo o mundo. Os serviços de relações externas da União Europeia que estão sendo criados por Lady Ashton não vão ter nem política nem autoridade próprias.

Inércia burocrática

Por detrás dos seus apelos aos “valores comuns”, a OTAN é impulsionada sobretudo pela sua inércia burocrática. A própria aliança é uma excrescência do complexo militar-industrial dos Estados Unidos. Há sessenta anos que as aquisições militares e os contratos do Pentágono têm sido uma fonte essencial da investigação industrial, dos seus lucros, de empregos, de carreiras no Congresso e até mesmo de financiamentos universitários. A interação destes diversos interesses converge para determinar uma estratégia implícita dos Estados Unidos de conquista do mundo.

Uma rede global sempre em expansão, de 800 a mil bases militares em solo estrangeiro.

Acordos militares bilaterais com estados-clientes que oferecem formação em troca da compra obrigatória de armas fabricadas nos Estados Unidos e da reestruturação das suas forças armadas, trocando a defesa nacional pela segurança interna (ou seja, repressão) e a possível integração nas guerras de agressão lideradas pelos Estados Unidos.

Utilização dessas relações estreitas com as forças armadas locais para influenciar a política interna de estados mais fracos.

Exercícios militares permanentes com estados clientes, que fornecem ao Pentágono um conhecimento perfeito sobre o potencial militar dos estados clientes, os integram na máquina militar dos Estados Unidos e alimentam uma mentalidade de “prontos para a guerra”.

Posicionamento estratégico da sua rede de bases, exercícios com “aliados” e militares de forma a cercar, isolar, intimidar e acabar por provocar importantes nações consideradas potenciais rivais, nomeadamente a Rússia e a China.

A estratégia implícita dos Estados Unidos, tal como as suas ações dão a entender, é uma conquista militar gradual para garantir o domínio do mundo. Uma característica original deste projeto de conquista do mundo é que, embora extremamente ativo, dia após dia, é praticamente ignorado pela grande maioria da população da nação conquistadora, assim como pelos seus aliados mais estreitamente dominados, ou seja, pelos estados da OTAN.

A propaganda infindável acerca das “ameaças terroristas” (as pulgas do elefante) e outras diversões mantêm a maioria dos americanos totalmente inconscientes quanto ao que está acontecendo, tanto mais facilmente quanto os americanos praticamente desconhecem o o resto do mundo e portanto não se interessam minimamente. Os Estados Unidos podem varrer do mapa um país antes que a grande maioria dos americanos saiba onde é que ele se encontra.

A tarefa principal dos estrategistas dos Estados Unidos, cujas carreiras passam pelos grupos de opinião, conselhos de diretores, firmas de consultoria e governo, é muito mais justificar este gigantesco mecanismo do que tentar dirigí-lo. Em grande medida, ele dirige-se a si mesmo.

Desde o colapso da “ameaça soviética”, que os políticos andam à procura de ameaças invisíveis ou potenciais. A doutrina militar dos Estados Unidos tem como objetivo atuar preventivamente contra qualquer rival potencial para a hegemonia mundial dos Estados Unidos. Desde o colapso da União Soviética, é a Rússia que mantém o maior arsenal bélico para além dos Estados Unidos e a China está crescendo rapidamente em poder económico. Nenhum deles ameaça os Estados Unidos ou a Europa ocidental. Pelo contrário, ambos estão dispostos e desejosos de se concentrarem em negócios pacíficos.

Mas encontram-se cada vez mais alarmados com o cerco militar e com os exercícios militares provocatórios realizados pelos Estados Unidos mesmo à sua porta. A implícita estratégia agressiva pode ser obscura para a maioria dos americanos, mas é certeza absoluta que os dirigentes dos países visados percebem o que está acontecendo.

O Triângulo Rússia-Irã-Israel

Actualmente, o principal “inimigo” explícito é o Irã.

Washington afirma que o “escudo anti-míssil”, que tenta impor aos seus aliados europeus, se destina a defender o ocidente do Irã. Mas os russos vêem muito claramente que o escudo anti-míssil está virado contra eles. Primeiro de tudo, sabem perfeitamente bem que o Irã não tem mísseis desses nem nenhum motivo para os usar contra o ocidente. É perfeitamente óbvio para todos os analistas bem informados que, mesmo que o Irã desenvolvesse armas nucleares e mísseis, seriam destinados a funcionar como dissuasor contra Israel, a superpotência nuclear regional que tem mãos livres para atacar os países vizinhos. Israel não quer perder essa liberdade de atacar, e naturalmente opõe-se ao dissuasor iraniano.

Os propagandistas israelenses clamam em voz alta contra a ameaça do Irã, e têm trabalhado incansavelmente para infectar a OTAN com a sua paranóia.

Israel até já foi descrita como o “29º membro da OTAN global”. Os funcionários israelenses têm trabalhado assiduamente junto de uma Madeleine Albright receptiva para se assegurarem de que os interesses israelenses são incluídos no “Conceito Estratégico”. Nos últimos cinco anos, Israel e a OTAN tomaram parte em exercícios navais conjuntos no Mar Vermelho e no Mediterrâneo, assim como em exercícios terrestres conjuntos desde Bruxelas até à Ucrânia. Em 16 de outubro de 2006, Israel tornou-se no primeiro país não europeu a fazer um acordo chamado “Programa de Cooperação Individual” com a OTAN para cooperação em 27 áreas diferentes.

Vale a pena notar que Israel é o único país fora da Europa que os Estados Unidos incluem na área da responsabilidade de seu Comando Europeu (em vez do Comando Central que cobre o resto do Médio Oriente).

Num seminário de Relações OTAN-Israel em Herzliya em 24 de Outubro de 2006, a ministra de relações exteriores israelense de então, Tzipi Livni, declarou que “a aliança entre a OTAN e Israel é uma coisa natural… Israel e a OTAN partilham uma visão estratégica comum. Sob muitos aspectos, Israel é a linha da frente que defende o nosso estilo de vida comum”.

Nem toda a gente nos países europeus considera que os colonatos israelenses na Palestina ocupada refletem “o nosso estilo de vida comum”.

Esta é sem dúvida uma das razões pelas quais o aprofundamento da união entre a OTAN e Israel não assumiu a forma aberta de dar a Israel uma vaga na OTAN. Principalmente depois do selvagem ataque a Gaza, uma decisão dessas iria levantar objeções nos países europeus. No entanto, Israel continua a fazer-se convidado da OTAN, apoiado ardentemente, claro, pelos seus fieis seguidores no Congresso dos Estados Unidos.

A causa principal desta crescente simbiose Israel-OTAN foi identificada por Mearsheimer e Walt: é o vigoroso e poderoso lobby pró-Israel nos Estados Unidos. [1]

Os lobbies israelenses também são fortes na França, na Grã-Bretanha e no Reino Unido. Têm desenvolvido com entusiasmo o tema de Israel como a “linha da frente” na defesa dos “valores ocidentais” contra o islã militante. O facto de o islã militante ser principalmente um produto dessa “linha da frente” cria um círculo vicioso perfeito.

A atitude agressiva de Israel para com os seus vizinhos regionais seria uma responsabilidade grave para a OTAN, capaz de ser arrastada para guerras do interesse de Israel que não interessam mesmo nada à Europa.

Mas há uma sutil vantagem estratégica na conexão israelense que, segundo parece, está sendo usado pelos Estados Unidos… contra a Rússia.

Subscrevendo a histérica teoria da “ameaça iraniana”, os Estados Unidos podem continuar a afirmar, sem corar, que o planjado escudo anti-míssil é dirigido contra o Irã, e não contra a Rússia. Não é que esperem convencer os russos. Mas pode ser utilizado para fazer com que os protestos deles pareçam “paranóicos” – pelo menos aos ouvidos dos ingênuos ocidentais. Meu caro, de que é que eles se queixam, se nós “restabelecemos” as nossas relações com Moscou e convidamos o presidente russo para a nossa alegre assembleia de “Conceito Estratégico?

No entanto, os russos sabem muito bem que:

O escudo anti-míssil vai ser construído em volta da Rússia, que tem mísseis, que mantem como dissuasores.

Neutralizando os mísseis russos, os Estados Unidos ficam de mãos livres para atacar a Rússia, sabendo que a Rússia não pode retaliar.

Portanto, digam o que disserem, o escudo anti-míssil, se funcionar, servirá para facilitar uma eventual agressão contra a Rússia.

O cerco em volta da Rússia

O cerco em volta da Rússia continua no Mar Vermelho, no Báltico e no círculo Ártico.

Funcionários dos Estados Unidos continuam a afirmar que a Ucrânia deve integrar a OTAN.

Ainda esta semana, numa coluna do New York Times, Ian J. Brzezinski, filho de Zbigniew, avisou Obama quanto ao perigo do abandono da “visão” de uma Europa “unida, livre e segura” incluindo “a inclusão da Geórgia e da Ucrânia na OTAN e na União Europeia”. O fato de a grande maioria da população da Ucrânia ser contra a entrada na OTAN não foi levada em consideração.

Para o atual rebento da nobre dinastia Brzezinski é a minoria que conta. Abandonar a visão “isola os que, na Geórgia e na Ucrânia, vêem o seu futuro na Europa. Reforça as aspirações do Kremlin a uma esfera de influência…”

A noção de que “o Kremlin” aspira a uma “esfera de influência” na Ucrânia é absurda, considerando os laços históricos extremamente fortes entre a Rússia e a Ucrânia, cuja capital Kiev foi o berço do estado russo. Mas a família Brzezinski é proveniente da Galícia, a parte da Ucrânia ocidental que pertenceu outrora à Polônia, e que é o centro da minoria anti-russa. A política externa dos Estados Unidos é frequentemente influenciada por essas rivalidades estrangeiras que a grande maioria dos americanos ignora completamente.

Os Estados Unidos continuam com a sua insistência incansável em absorver a Ucrânia, apesar de isso implicar a expulsão da frota russa do Mar Negro da sua base na península da Crimeia, onde a população local é esmagadoramente de língua russa e pró-russa. Isto é a receita para uma guerra com a Rússia, se alguma vez ocorrer.

E entretanto os funcionários americanos continuam a declarar o seu apoio à Geórgia, cujo presidente treinado pelos americanos espera abertamente levar a OTAN a apoiar a sua próxima guerra contra a Rússia.

Para além das manobras navais provocatórias no Mar Negro, os Estados Unidos, a OTAN e a Suécia e a Finlândia que não são (ainda) membros da OTAN, realizam regularmente importantes exercícios militares no Mar Báltico, praticamente à vista das cidades russas de São Petersburgo e Kaliningrado. Estes exercícios envolvem milhares de efetivos terrestres, centenas de aeronaves, incluindo os caças a jato F-15, aviões AWACS, assim como forças navais que incluem o U.S. Carrier Strike Group 12, barcos de desembarque e navios de guerra de uma dúzia de países.

Talvez o mais sinistro disto tudo, os Estados Unidos têm envolvido persistentemente, na região do Ártico, o Canadá e os estados escandinavos (incluindo a Dinamarca através da Gronelândia) num posicionamento estratégico militar abertamente dirigido contra a Rússia. O objetivo deste posicionamento no Ártico foi afirmado por Fogh Rasmussen quando referiu, entre as “ameaças” que a OTAN tem que enfrentar, o fato de que o “gelo do Ártico está recuando, libertando recursos que até agora têm estado cobertos pelos gelos”.

Ora bem, podíamos pensar que esta descoberta de recursos seria uma oportunidade para a cooperação na sua exploração. Mas não é essa a disposição oficial dos Estados Unidos.

Em outubro passado, o almirante americano James G. Stavridis, comandante supremo da OTAN na Europa, disse que o aquecimento global e a corrida aos recursos podia levar a um conflito no Ártico. O almirante Christopher C. Colvin, da Guarda Costeira, responsável pela linha costeira do Alasca, disse que a atividade mercante marítima russa no Oceano Ártico constituía uma “preocupação especial” para os Estados Unidos e pediu mais recursos militares na região.

O Serviço Geológico dos EUA crê que o Ártico contém um quarto dos depósitos mundiais inexplorados de petróleo e de gás. Sob a Convenção da Lei dos Mares das Nações Unidas, de 1982, um estado costeiro tem direito a uma EEZ [Zona Económica Exclusiva] de 200 milhas náuticas e pode reclamar mais 150 milhas se provar que o fundo do mar é a continuação da sua plataforma continental.

A Rússia está requerendo isso.

Depois de pressionar o resto do mundo a adoptar a Convenção, o Senado dos Estados Unidos ainda não ratificou o Tratado.

Em janeiro de 2009, a OTAN declarou que o “Alto Norte” era de “interesse estratégico para a Aliança” e, desde então, a OTAN tem realizado vários importantes jogos de guerra nitidamente em preparação de um eventual conflito com a Rússia sobre os recursos do Ártico.

A Rússia desmantelou fortemente as suas defesas no Ártico depois do colapso da União Soviética e tem apelado para a negociação de compromissos quanto ao controle de recursos.

Em setembro passado, o primeiro-ministro Vladimir Putin apelou por esforços conjuntos para proteger o frágil ecossistema, atrair o investimento estrangeiro, promover tecnologias amigáveis ao ambiente e tentar solucionar as disputas através da lei internacional.

Mas os Estados Unidos, como de costume, preferem resolver as questões pela força. Isso pode levar a uma nova corrida armamentista no Ártico e até mesmo a confrontos armados.

Apesar de todas estas movimentações provocatórias, é muito pouco provável que os Estados Unidos procurem uma guerra com a Rússia, embora não se possam excluir confrontos e incidentes aqui e além.

Segundo parece, a política dos Estados Unidos é cercar e intimidar a Rússia de tal modo que ela aceite um estatuto de semi-satélite que a neutralize no futuro conflito previsível com a China.

O alvo China

A única razão para ter a China na mira é a mesma da razão proverbial para escalar a montanha: ela está ali. É grande. E os Estados Unidos têm que estar no topo de tudo.

A estratégia para dominar a China é a mesma seguida para com a Rússia. É a guerra clássica: cerco, assédio, apoio mais ou menos clandestino a questões internas.

Como exemplos desta estratégia:

Os Estados Unidos estão reforçando de forma provocativa a sua presença militar ao longo das costas chinesas do Pacífico, oferecendo “proteção contra a China” a países asiáticos do leste.

Durante a guerra fria, quando a Índia recebia o seu armamento da União Soviética e assumia uma postura não alinhada, os Estados Unidos armaram o Paquistão como seu principal aliado regional. Agora os Estados Unidos estão desviando os seus favores para a Índia, a fim de manter a Índia fora da órbita da Organização de Cooperação Xangai e de a utilizar como um contrapeso à China.

Os Estados Unidos e seus aliados apoiam qualquer dissidência interna que possa enfraquecer a China, seja o Dalai Lama, os Uighurs, ou Liu Xiaobo, o dissidente preso.

O Prêmio Nobel da Paz foi atribuído a Liu Xiaobo por uma comissão de legisladores noruegueses chefiados por Thorbjorn Jagland, o eco de Tony Blair na Noruega, que foi primeiro-ministro e ministro das relações exteriores da Noruega, e tem sido um dos principais defensores da OTAN em seu país.

Numa conferência patrocinada pela OTAN de parlamentares europeus no ano passado, Jagland declarou: “Quando somos incapazes de impedir a tirania, começa a guerra. É por isso que a OTAN é indispensável. A OTAN é a única organização militar multilateral com raízes na lei internacional. É uma organização que a ONU pode usar quando necessário – para impedir a tirania, tal como fizemos nos Balcãs”. Isto é uma espantosa adulteração dos fatos, considerando que a OTAN desafiou abertamente a lei internacional e as Nações Unidas quando declarou guerra nos Balcãs – onde na realidade havia conflitos étnicos mas não havia “tirania” alguma.

Ao anunciar a escolha de Liu, a comissão norueguesa do Nobel, chefiada por Jagland, declarou que “há muito que considerava que há uma estreita ligação entre os direitos humanos e a paz”. A “estreita ligação”, para seguir a lógica das próprias afirmações de Jagland, é que, se um estado estrangeiro não respeita os direitos humanos segundo as interpretações ocidentais, pode ser bombardeado, tal como a OTAN bombardeou a Iugoslávia. De fato, os mesmos poderes que mais barulho fizeram sobre os “direitos humanos”, nomeadamente os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, são os que mais guerras fazem em todo o mundo. As afirmações do norueguês tornam claro que a atribuição do Prêmio Nobel da Paz a Liu (que passou algum tempo na Noruega quando jovem) correspondia na realidade a uma confirmação da OTAN.

“Democracias” para substituir as Nações Unidas

Os membros europeus da OTAN pouco acrescentam ao poder militar dos Estados Unidos. A sua contribuição é acima de tudo política. A sua presença mantém a ilusão duma “Comunidade Internacional”. A conquista do mundo que está sendo tentada pela inércia burocrática do Pentágono pode ser apresentada como a cruzada das “democracias” do mundo para espalhar a sua ordem política esclarecida pelo resto de um mundo recalcitrante.

Os governos euro-atlânticos proclamam a sua “democracia” como prova do seu direito absoluto de intervir nos assuntos do resto do mundo. Com base na falácia de que os “direitos humanos são necessários para a paz”, proclamam o seu direito a fazer a guerra.

Uma questão crucial é se a “democracia ocidental” ainda tem força para desmantelar esta máquina de guerra antes que seja tarde demais.

* Diana Johnstone é analista de política internacional especializada em assuntos militares

[1] No seu livro “The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy” (2007), descrevem este lobby como uma “coligação informal de indivíduos e organizações que trabalham ativamente para guiar a política externa dos Estados Unidos numa direcção pró-Israel”. O livro “concentra-se principalmente na influência do lobby sobre a política externa dos Estados Unidos e nos seus efeitos negativos para os interesses americanos” (N.T.)

Tradução de Margarida Ferreira

PS do Viomundo: Brilhantes analistas descobriram virtudes no texto do voto brasileiro que aprovou o envio de um investigador dos Direitos Humanos ao Irã. Teria sido um tapa com luva de pelica nos Estados Unidos. [Pausa para a gargalhada]. Podem esperar sentados por uma articulação internacional que resulte numa investigação de Guantánamo. [Pausa para nova gargalhada]. O que interessa a Washington é isolar o Irã politicamente para facilitar a troca de regime. O resto é delírio tropical.

Leia sobre o novo passo dado pela OTAN, na Líbia.

Contraponto 5070 - Charge do Bessinha

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29/03/2011

Charge do Bessinha (337)



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segunda-feira, 28 de março de 2011

Contraponto 5069 - "Discurso histórico Lula no Uruguai: ‘Norte pode estar no Sul’"

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28/03/2011

Discurso histórico
Lula no Uruguai: ‘Norte pode estar no Sul’


Do Escrivinhador - publicada segunda-feira, 28/03/2011 às 19:28 e atualizada segunda-feira, 28/03/2011 às 19:59

Rodrigo Vianna

Recebo de uma pesoa muito próxima, que é funcionária de carreira do Itamaraty e ajuda a construir na prática a integração latino-americana, o histórico discurso de Lula no aniversário de 40 anos da Frente Ampla.

Vale a pena ser lido na íntegra. É um aperitivo do que Lula pode fazer nos próximos anos. Enquanto Dilma ocupa o centro, Lula entra de cabeça nas articulações da esquerda sul-americana. Lula é um líder maior do que o Brasil. E tem consciência do papel que pode exercer.

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Queridos companheiros e companheiras

Estou profundamente honrado por ter sido convidado para dirigir-lhes a palavra neste ato de comemoração dos 40 anos da Frente Ampla.
Quero iniciar recordando um dezembro de 1993, quando vim pela primeira vez ao Uruguai. Estava me preparando para ser, pela segunda vez, candidato a Presidente da República. Precisei concorrer mais duas vezes para ser eleito!

Naquele dezembro de 1993, quando tive a oportunidade de sentir de perto a afetuosa hospitalidade deste país, conheci muitos companheiros frenteamplistas, que hoje aqui estão, como os fraternos amigos Tabaré Vázques e Pepe Mujica. Mas conheci, igualmente, um grande companheiro, que não mais está entre nós. Refiro-me ao inesquecível Líber Seregni, a quem presto hoje minha homenagem, como um dos maiores valores da Frente Ampla, da história do Uruguai e de toda a América Latina.

Dirigentes e militantes da Frente Ampla, nestas últimas décadas, a Frente Ampla mudou o panorama da política uruguaia, até então dominado por um sistema bi-partidário que não mais correspondia à evolução da sociedade. Sua presença na cena nacional deu à política deste país uma nova qualidade. Sei que seus militantes pagaram muitas vezes um alto preço por sua coerência e determinação durante o regime ditatorial, que infelicitou este país nos anos setenta e oitenta. Mas sei, também, que a Frente foi fator decisivo no processo de democratização política do Uruguai, já muito antes de conquistar a Presidência da República. Suas mobilizações foram fundamentais para impedir que a onda neo-liberal, que se abateu sobre todo nosso continente, prevalecesse no Uruguai.

Não fosse a luta da Frente Ampla, não fosse a resistência do movimento sindical e dos movimentos sociais, o Estado uruguaio teria sido desmontado pelos insensatos adoradores do mercado. Aqueles senhores que, em grande parte da América Latina, conseguiram privatizar o patrimônio público, desorganizar nossas economias, aumentar a pobreza e comprometer a soberania nacional. Aqui, felizmente, eles não tiveram o êxito que esperavam. Em muitos de nossos países, eles deixaram um rastro de estagnação econômica e exclusão social. Pior do que isso, agravaram a inflação que pretendiam combater e aprofundaram nossa vulnerabilidade externa.

O povo uruguaio, com a intervenção crucial da Frente Ampla, não permitiu que isso acontecesse. Que fosse entregue às gerações futuras deste país um Estado raquítico, incapaz de regular democraticamente a economia e de promover o desenvolvimento. Mas nossa região mudou.

Hoje, há uma nova América do Sul. Um continente que ergueu a cabeça, libertou-se das tutelas internacionais e resgatou a sua soberania. Um continente que recuperou a autoestima e voltou a acreditar em si mesmo, em sua capacidade de tornar-se cada vez mais próspero e justo.

Nossos países estão demonstrando na prática que é possível crescer de modo vigoroso e continuado mantendo a inflação baixa. Que é perfeitamente viável crescer distribuindo os frutos da expansão econômica para toda a sociedade. Crescer combatendo a pobreza e a desigualdade. Que esta é, aliás, a forma mais consistente e duradoura de desenvolver-se. A única justa e sustentável.

Vocês uruguaios, e nós brasileiros, que tanto nos opusemos às políticas recessivas e excludentes do passado, temos muito o que comemorar. Hoje, vivemos uma nova realidade. Podemos, sem nenhum triunfalismo, festejar o êxito das nossas economias, os extraordinários avanços sociais, a vitalidade de nossas democracias. Não celebramos apenas valores éticos e morais – que constituem obviamente um patrimônio irrenunciável – mas também o acerto de nossa estratégia de desenvolvimento e de nossas políticas públicas emancipadoras, que estão mudando para melhor a vida das classes populares.

Ainda falta muito por fazer. Mas as conquistas históricas dos anos recentes justificam plenamente a nossa confiança no futuro.

Companheiros e Companheiras, como ex-Presidente da República, militante e dirigente do Partido dos Trabalhadores sempre tive uma enorme afinidade com a Frente Ampla. As políticas que Tabaré e Mujica implementaram no Uruguai são muito próximas daquelas que implementei no Brasil e que Dilma Rousseff está desenvolvendo agora. Mas o PT e a Frente Ampla têm muito mais em comum. Alguns já disseram que o PT é, em realidade, uma frente e que a Frente Ampla é um partido. As duas afirmações têm um fundo de verdade. Por uma razão muito simples: tanto a Frente, como o PT, são organizações plurais, profundamente democráticas. Somos capazes de combinar uma indispensável unidade de ação, com a valorização da diversidade e da democracia interna.

Abrigamos distintas correntes de pensamento progressista. Respeitamos nossas diferenças ideológicas, mas não abrimos mão, em hipótese alguma, do compromisso com os trabalhadores e o povo pobre. Sabemos que, nas últimas décadas, as grandes correntes de esquerda entraram em crise no mundo. Muitos ficaram órfãos de referências político-ideológicas. Nenhuma força progressista esteve imune à crise. Mas nem por isso cruzamos os braços, mergulhando na perplexidade ou na passividade política.

Conosco, foi diferente: não abandonamos nossas convicções de base. Para nós, as doutrinas têm a sua importância, mas o principal é o compromisso de vida com o destino dos oprimidos. A esquerda autêntica supera seus desafios participando cada vez mais nas lutas concretas do povo. Nossa bússola são as aspirações populares por uma vida digna. Por isso, fomos capazes de promover, em plena crise das ideologias, reformas sociais tão importantes em nossos países.

As esquerdas no Uruguai e no Brasil souberam mudar, mas sem mudar de lado. Também por essa razão, nossas experiências de Governo e nossos partidos são hoje referências, tanto para a América Latina como para outras regiões do mundo. Tudo isso nos impõe responsabilidades redobradas. Precisamos continuar e aprofundar as transformações em nossos países, tendo claro que esse é trabalho para mais de uma geração.
Mas precisamos também reconstruir o pensamento de esquerda, enfatizando, sobretudo, nosso compromisso inegociável com a democracia.

Não queremos dar lições a ninguém. Não buscamos construir paradigmas ou elaborar “modelos”. Mas temos a obrigação política e moral de explicitar para o mundo o cerne de nossa experiência histórica. E essa experiência mostra claramente duas coisas.
Que não haverá socialismo se ele não for profunda e radicalmente democrático. Tampouco haverá uma autêntica democracia política se não houver uma democracia econômica e social.

Essa combinação de democracia política com democracia econômica e social nos dá a chave para formularmos o projeto histórico que queremos construir. É nossa missão dar consistência teórica e política a esse renovado ideal libertário. Tal consistência não virá somente dos livros. Ela surgirá sobretudo da luta dos trabalhadores e de nossa capacidade de refletir sobre os rumos da história. Não poderá ser uma reflexão solitária, menos ainda confinada a um espaço nacional. Mais do que uma constatação, cabe-nos fazer um convite, uma convocatória.

Nossos partidos – a Frente Ampla, o PT e outras organizações amigas da América Latina – têm de aprofundar sua relação, seu diálogo, para transmitir a outros movimentos o sentido de nossas experiências, com seus méritos, mas também com seus limites. Eu ousaria dizer que há uma grande expectativa nesse sentido, inclusive por parte das esquerdas dos países desenvolvidos, que hoje enfrentam impasses profundos.

Aqueles que, sobretudo na Europa, observam o que está ocorrendo em nossa América, começam a dar-se conta, cada vez mais, de que seu Norte pode estar no Sul.

Companheiros e companheiras, não poderia deixar de destacar um aspecto fundamental da trajetória da Frente Ampla nestes quarenta anos de sua existência – seu compromisso com a integração sul-americana e latino-americana. José Artigas, máximo líder da independência Oriental, foi um combatente pela liberdade muito além das fronteiras deste país. Seguramente seu exemplo inspirou e continuará inspirando todos os que lutam pela pátria grande latino-americana.

A Frente Ampla sempre deu contribuições importantes a todas as iniciativas de integração regional, por meio das quais queremos garantir que a América do Sul tenha peso decisivo neste mundo multipolar que se está desenhando. E os resultados desse processo de integração são cada vez mais positivos.

No terreno econômico, vivemos um momento muito promissor. Nunca houve tanto comércio entre os países da América do Sul. E o Mercosul, que amanhã completa 20 anos, é a locomotiva dessa expansão, o que só foi possível depois que conseguimos sepultar a proposta da ALCA, que não era de integração soberana, mas de anexação subalterna. De 2003 a 2010, o comércio do Mercosul mais do que triplicou. Os investimentos produtivos conjuntos crescem de modo exponencial. E o que é mais importante: a balança comercial e as relações entre os nossos países estão cada vez mais equilibradas. A integração está beneficiando a todos.

Nós, brasileiros, percebemos que só vale a pena o Brasil crescer e se tornar um país mais rico se os países vizinhos, os povos irmãos também crescerem e se tornarem mais ricos. Temos consciência de que o caminho da integração não está isento de contradições e eventuais conflitos.

Mas estou certo de que saberemos construir instituições aptas a resolvê-los, porque aquilo que nos une é infinitamente mais importante do que aquilo que nos separa.

A verdadeira integração não pode ser apenas comercial. A parceria econômica é imprescindível, mas está longe de ser suficiente. A unidade do continente só será efetiva quando as nossas populações se conhecerem melhor, quando os sindicatos se articularem em escala regional, quando as nossas universidades tiverem um intercâmbio cotidiano, quando nossos cientistas estiverem pesquisando juntos, quando as nossas riquíssimas tradições culturais forem de fato compartilhadas. Quando a integração não for apenas dos produtos, ou dos Estados – mas dos povos.

Queridos amigos e amigas, permitam-me concluir dirigindo uma palavra à militância da Frente Ampla. Vocês sabem melhor do que eu que a esquerda uruguaia conta com dirigentes de grande estatura moral e política. Líderes de extraordinária dignidade e maturidade, de inquebrantável amor ao seu país e ao seu povo. Líderes ouvidos e respeitados em toda a América Latina. Mas conta também com uma admirável militância de base, espalhada por todo o país, sem a qual a trajetória da Frente, com certeza, não seria tão vitoriosa.

Feliz do povo que pode dispor de lutadores sociais e políticos tão generosos e tão dedicados ao bem comum. Essa esplêndida militância é a prova de que o sonho igualitário não acabou. De que valeu a pena o sacrifício das gerações que nos precederam. A força da Frente Ampla e de outras alianças populares da região mostra que chegou a vez do nosso continente. O século XXI tem tudo para ser o século da afirmação definitiva da América do Sul. Daquela América do Sul com que sonharam nossos próceres e pela qual deram suas vidas. Uma comunidade de países soberanos, justos e desenvolvidos.

Viva a Frente Ampla!

Viva a querida República Oriental do Uruguai!

Viva a Pátria Grande Latino-Americana!
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Contraponto 5068 - "Entre tapas e beijos"

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28/03/2011

Entre tapas e beijos

Da Carta Capital - 28 de março de 2011 às 17:05h

Wálter Maierovitch*

O filósofo tomás de Aquino escreveu ser legítimo, a qualquer um do povo, cometer um tiranicídio. Matar um tirano no poder seria, à luz da doutrina tomista, como agir sob o manto da legítima defesa social. Sobre isso, os rebeldes líbios avisaram às forças da coalizão da ONU competir apenas a eles a tarefa de matar Muammar Kaddafi.

A propósito, a pena de morte está prevista na legislação da Líbia desde 1969, quando o então capitão Kaddafi promoveu o golpe que derrubou o soberano Idris, responsável pela proclamação da independência em 1951.]

O premier britânico, David Cameron, pensa diferente dos rebeldes e deu canhestra interpretação à Resolução 1.973 das Nações Unidas, aquela que autorizou a intervenção humanitária e que contou, no início, com o aval da Liga Árabe, com exceção de dois Estados dela membros, Argélia e Síria. Assim, um ataque britânico destruiu, em Trípoli, toda parte residencial do complexo de Bab el-Aziziya. A meta era, efetivamente, matar Kaddafi. Nos primeiros três dias de intervenção, atuaram três comandos (EUA, França e Reino Unido), cada um a agir por si e a livremente interpretar a resolução das Nações Unidas.

Como sabem todos os grãos de areia do deserto líbio, o conflito a produzir um mar de sangue estava localizado na antiga região da Cirenaica, onde fica Bengazi, o berço da revolta e das reservas de petróleo e gás. Na velha região da Tripolitânia, sob domínio de Kaddafi, não existe conflito. Portanto, o ataque britânico a Bab el-Aziziya nada teve de humanitário. Só que Kaddafi, escaldado, lá não estava.

Em 5 de abril de 1986, um ataque terrorista financiado e ordenado por Kaddafi matou 229 frequentadores da discoteca La Belle, em Berlim Ocidental. Dentre os mortos estavam 50 militares norte-americanos que lá se divertiam. Como represália, o presidente norte-americano Ronald Reagan determinou o bombardeamento da residência de Bab-elAziziya. Avisado pelo ex-premier italiano Bettino Craxi, Kaddafi conseguiu deixar a residência, mas sem tempo de tirar sua filha adotiva de 16 anos. Sem Kaddafi, não haveria garantia de abastecimento de gás e petróleo para a Itália.

A Resolução 1.973 foi concebida num momento em que havia uma guerra civil e as forças militares de Kaddafi, próximas a Bengazi, tinham matado mais de 180 civis num único dia. A resolução “autoriza o emprego de todas as medidas necessárias a proteger as populações civis e as zonas habitadas por civis.”

No campo do direito internacional, pode-se discutir a sua pertinência em face de uma revolta interna, da violação ao princípio do Estado soberano e da autoderminação dos povos. No entanto, o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos permite a intervenção para a defesa da pessoa. Como frisou Massimo D’Alema, ex-premier e ex-ministro de Relações Exteriores da Itália, “a intervenção era justa. Vidas humanas foram poupadas e a ofensiva de Kaddafi levaria a um massacre de civis inocentes”. O problema, ressalta D’Alema, está na falta de definição de objetivos e no protagonismo e precipitação de Sarkozy, que se gaba de ter evitado o massacre em Bengazi.

Nesta quadra, convém registrar que França, Itália e Reino Unido sempre tiveram interesse na região. Em 1911, ela foi tomada pelos italianos do Império Otomano por 30 anos. De 1943 a 1951, ficou sob desfrute de um consórcio formado por França e Inglaterra. Por outro lado, impor uma no-fly zone para cumprir a resolução da ONU não implicava partir de pronto para um bombardeamento, voltado à destruição dos meios e das forças militares de Kaddafi. Medidas de persuasão deveriam anteceder os ataques. Mas nem o controle de fronteira com o Chade, onde são arregimentados os mercenários por Kaddafi, foi realizado. E nem se cogitou em abater apenas os caças que decolavam.

Com o fim da Guerra Fria, Kaddafi mudou de lado. Logrou levantar embargos e despejar pelo planeta dinheiro de cinco fundos soberanos da Líbia. Apenas na Europa, o país mandou investir 340 bilhões de dólares e chegou a evitar a falência da Fiat. Hoje, o Reino Unido é o maior dependente financeiro dos fundos líbios.

Uma pequena amostra dos receptores de dinheiro líbio: nos EUA, Xerox, Pfizer, Halliburton, Mobil e Chevron; na França, Electricité de France (EDF) e Alcatel-Lucent; na Alemanha, Siemens; no Reino Unido, Shell-Royal Dutch, Vodafone, Glaxo SmithKline, Person, Standard Chartered e BP; na Itália, ENI (energia), Unicred (segundo maior banco) e Finmeccanica.

De repente, fala-se em derrubar Kaddafi para implantar democracia e permitir liberdades individuais e públicas. Antes, Kad-dafi era incensado e plantava barracas em Paris e Roma. E o amigo dos ditadores, Sarkozy, agora assume o papel de protagonista de uma farsa para encobrir interesses econômicos e eleitorais. No Bahrein, na Jordânia e na Arábia Saudita, os ditadores convêm e o povo não adianta esperar por uma Resolução 1.973. A secretária Clinton queria o diálogo e não a queda de Mubarak.


*Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP

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Contraponto 5067 - "Líbia: Dividir, governar e arrancar de lá o petróleo"

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28/03/2011
Líbia: Dividir, governar e arrancar de lá o petróleo

Do Viomundo - 24/3/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online

Sem romper o nevoeiro da guerra, é impossível entender o que realmente se passa na Líbia.

A Operação Alvorada da Odisséia só está acontecendo porque os 22 membros da Liga Árabe, em votação, aprovaram a imposição de uma zona aérea de exclusão sobre a Líbia. A Liga Árabe – sempre apresentada rotineiramente nas capitais ocidentais como irrelevante, antes dessa decisão – não passa de instrumento da política externa da Casa de Saud.

A “decisão” da Liga Árabe foi incentivada pela promessa de Washington de proteger os reis/xeiques/oligarcas do Conselho de Cooperação do Golfo, contra a ação das aspirações democráticas dos respectivos cidadãos – que só aspiram a alcançar os mesmos direitos democráticos pelos quais lutam seus ‘primos’ do leste da Líbia.

Trata-se de exatamente o mesmo Conselho de Cooperação do Golfo que aprovou que a Arábia Saudita invadisse o Bahrain para ajudar a dinastia do sunita al-Khalifa a esmagar o movimento pró-democracia. A gangue do Conselho de Cooperação do Golfo é considerado pelo ocidente como “os nossos filhos-da-puta”, enquanto o coronel Muammar Gaddafi – segundo a narrativa ocidental – é terrorista que passou por curso intensivo e agora já é bandido-assassino.

O Conselho de Cooperação do Golfo inclui conhecidos campeões da luta pela igualdade: Arábia Saudita, Bahrain, Kuwait, Qatar, Omã e os Emirados Árabes Unidos. Quem primeiro votou a favor da zona aérea de exclusão foi o CCG; depois, a Arábia Saudita, cachorro grande, mediante chaves-de-braço & propinas prometidas, arrancou a aprovação pela Liga Árabe (Síria e Argélia, por exemplo, eram seriamente contra).

Para o oportunista secretário-geral da Liga Árabe Amr Moussa, que já está concorrendo à presidência do Egito, foi ótimo negócio. Recebeu ordem de Riad, ao mesmo tempo em que dava uma polida no próprio currículo, para mostrar em Washington.

Para a Arábia Saudita foi também ótimo negócio: chance perfeita para que o rei Abdullah livre-se de Gaddafi (há rixa insanável, legendária, entre os dois, desde 2002), e chance perfeita para que a Casa de Saud dê uma mão a Washington.

A Operação Aurora da Odisseia não tem meta clara. O presidente Barack Obama disse várias vezes que a coisa só acabará com a partida de Gaddafi (“Gaddafi tem de sair”). A isso se chama “mudança de regime”. Ou nos termos da nova doutrina de duas garras, de Obama, é “o braço dos EUA” (que se estende em socorro dos que se oponham aos “governos do mal”); governos que não sejam muito do mal, casos do Bahrain ou do Iêmen, são estimulados a fazer simples “alteração de regime”.

O problema é que “mudança de regime” não é coisa que a Resolução n. 1973 tenha autorizado.

A Operação Alvorada da Odisseia é a primeira guerra africana do mais novo comando militar do Pentágono do outro lado do mundo – o AFRICOM. Em pouco tempo, virará a primeira guerra africana do Tratado da Organização do Atlântico Norte (OTAN). Embora vendida como “missão limitada”, a Alvorada da Odisseia – só para impor e manter uma zona aérea de exclusão – custará, no mínimo, 15 bilhões de dólares/ano. Os membros da Liga Árabe deverão pagar parte substancial da conta – porque o único estado que enviará forças militares é o Qatar (dois jatos Mirage).

O circo que se vê armado hoje só tem a ver com a “transição” da guerra, do comando do Pentágono na África – cuja base está em Stuttgart, Alemanha, porque nenhum dos 53 países africanos dispôs-se a recebê-la –, para o comando do Pentágono na Europa, também conhecido como OTAN.

A OTAN já interveio na Somália em 2010 – para onde levou, por avião, milhares de soldados de Uganda. Agora está conduzindo a Operação “Escudo do Oceano” ao largo do chifre da África. E antes da Alvorada da Odisseia já pusera a Líbia sob vigilância 24 horas/dia, no foco de seus aviões equipados com Sistema Aéreo de Alerta e Controle [ing. Airborne Warning and Control System, AWACS] – ativos há quase dez anos na já velha Operação Active Endeavor.

No grande quadro, o papel combinado dos tentáculos globais do Pentágono são parte da Doutrina da Total Dominação [ing. Full Spectrum Dominance], que visa a impedir que qualquer nação em desenvolvimento, ou bloco de nações, estabeleçam alianças de relações preferenciais com China e Rússia.

China e Rússia estão entre os quatro principais países BRICSs, com Brasil e Índia. Esses quatro países abstiveram-se na votação do CSONU. Só 48 antes da correria para obter essa resolução, Muammar Gaddafi havia ameaçado que, se fosse atacado pelo ocidente, transferiria os sumarentos contratos de fornecimento de petróleo para companhias da Rússia, Índia e China.

Guerra por comissão

A oposição líbia é uma colcha de retalhos de tribos inamistosas entre elas, o bem-intencionado movimento de jovens, desertores civis e militares do regime de Gaddafi, ativos patrocinados pela CIA (como o sinistro ex-ministro da Justiça Mustafa Abdel-Jalil), islamistas relacionados (e não relacionados) com a Fraternidade Muçulmana e monarquistas tribais senussi. A tribo senussi é a principal na área de Benghazi; a maioria dos “rebeldes” de keffiah & Kalashnikovs são senussi, como era o rei Idris, derrubado pela revolução de Gaddafi em 1969.

O conselho transicional da Líbia chama-se agora “governo interino” – embora ainda comprometido, segundo palavras dele, com uma Líbia não dividida. Mas não se pode excluir a divisão do país – porque a Cyrenaica, historicamente, sempre viveu às turras com a Tripolitania. Se Gaddafi conseguir organizar uma maioria tribal que o apóie, seu regime não cai.

Todos os olhos estarão postos numa “marcha verde” anunciada pela poderosa tribo al-Warfalla, a maior da Líbia, de um milhão de almas; desertaram da oposição e, agora, farão praticamente qualquer coisa para convencer Gaddafi de sua lealdade.

Nada assegura que o Movimento 17 de fevereiro, força política que esteve à frente da revolta na Líbia, com plataforma democrática de respeito aos direitos humanos, estado de direito e garantia de eleições limpas, terá o controle político em ambiente de pós-era Gaddafi.

O ocidente dará preferência a liderança que fale inglês e conheça bem as capitais europeias, além de Washington. Se possível, um fantoche maleável. O petróleo pode corromper qualquer nova liderança até o âmago. Acrescente-se a isso as apimentadas notícias sobre a al-Qaeda no Maghreb Islâmico [ing. al-Qaeda in the Islamic Maghreb (AQIM)] – mais um front de combate da CIA – com um máximo de 800 jihadis, que já estaria apoiando os “rebeldes”. Que ninguém se surpreenda com virada à Armageddon nesse cenário. – A queda de Gaddafi tem potencial para produzir mais um Afeganistão ou outro Iraque.

O acordo ao qual chegaram Obama, o primeiro-ministro britânico David Cameron e o francês Nicolas Sarkozy é que a OTAN desempenhará “papel protagonista” na Alvorada da Odisseia. Tradução: para todos os efeitos, é guerra da OTAN. A liderança política ficará com um “comitê de controle” de ministros de Relações Exteriores – um clube anglo-francês-norte-americano com borrifos de Liga Árabe. Espera-se que se encontrem em breve, em Bruxelas, Londres ou Paris.

Obama telefonou ao primeiro-ministro da Turquia Recep Tayyip Erdogan e aparentemente convenceu-o sobre o arranjo – embora, em discurso ao seu partido governante, Partido Justiça e Desenvolvimento, Erdogan tenha dito que a Turquia “jamais apontará uma arma contra o povo líbio”.

O ministro francês Alain Juppe disse que, dado que nem todos os membros da coalizão militar são membros da OTAN, “essa, portanto, não é operação da OTAN”. Que ninguém se engane: é.

Essa guerra “é da OTAN, não é da OTAN” não é exatamente o que Sarkozy mais queria – uma plataforma “heroica” que salve sua reeleição em 2012. Mas a motivação ocidental, acima de tudo, tem sabor de petróleo. Se não se conta a Arábia Saudita, a Líbia é o mais espetacular pedaço de mundo com que podem sonhar os dependentes de petróleo de todo o ocidente: um posto de gasolina gigante no meio do deserto, sem ninguém por perto, que fiscalize.

A parte das reservas realmente já conhecidas e exploradas de petróleo e gás, da Líbia, estão na Cyrenaica “rebelde”. Petróleo e gás respondem por 25% da economia, 97% das exportações e 90% da renda do governo. Sarkozy – além de todo o ocidente – teme guerra muito longa. A França quer que termine logo. Diferente de Alemanha, Grã-Bretanha e Itália – que já estão lá –, a França saliva à espera de um gordo pedaço da carniça-petróleo.

Nada há, absolutamente nada, de humanitário, no atual cassino em que se converteram a União Europeia e a OTAN. A única coisa que conta é garantir posição certa na era pós-Gaddafi – bonança de energia, primazia geoestratégica no Mediterrâneo e no espaço do Sahara-Sahel, gordos, sumarentos contratos no negócios da “reconstrução”.

Mudança de regime ou balkanização?

E a correção moral do ocidente somar-se-á a isso. Se você vende petróleo, compra armas e dedica-se a esmagar a al-Qaeda, moralmente, no ocidente, está tudo bem. Se matar seu próprio povo, não aos milhares, só às dúzias, também, tudo bem.

Assim a Arábia Saudita se safará, praticamente sem escoriações, no clima de contrarrevolução atual: a Casa de Saud está movendo todos os cordões para esmagar todas as medidas de aspiração democrática em todo o Golfo Persa.

Quanto aos regimes que matam talvez milhares de seu próprio povo – e têm petróleo, e ameaçam vender seu petróleo aos russos ou aos chineses –, seu destino é guerrear contra uma resolução-Tomahawk da ONU.

As forças da contrarrevolução estão unidas ao ocidente, como gêmeos xifópagos ligados pelo quadril. Os militares da Arábia Saudita continuarão dentro do Bahrain. O Conselho de Cooperação do Golfo legitima a guerra do ocidente contra a Líbia. Na Líbia, o ocidente dividirá para governar e escapará carregando o petróleo. A grande revolta árabe de 2011 estará acabando, em grande crash, derrubada nas areias do deserto?
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Contraponto 5066 - "Não renunciarei ao compromisso de tornar o SUS um sistema de alta qualidade"

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28/03/2011

“Não renunciarei ao compromisso de tornar o SUS um sistema
de alta qualidade”

Do Blog do Planalto - Segunda-feira, 28 de março de 2011 às 14:00 (Última atualização: 28/03/2011 às 15:04:56)
.Presidenta Dilma Rousseff discursa durante cerimônia de lançamento do
Programa Rede Cegonha, em Belo Horizonte (MG). Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

O desafio de transformar o SUS em um sistema de alta qualidade e que atenda a toda população brasileira foi lembrado nesta segunda-feira (28/3) pela presidenta Dilma Rousseff, durante a cerimônia de lançamento do Programa Rede Cegonha, em Belo Horizonte (MG). A presidenta afirmou que “esse grande desafio” não será negligenciado e que ela honrará o voto de todos os brasileiros.

“Temos que fazer nesses quatro anos um enorme esforço. É um desafio [transformar o SUS em um sistema de alta qualidade], mas nós estamos aqui para enfrentar desafios… Por isso hoje estou muito feliz e desafiada”, disse.

A respeito do programa Rede Cegonha, a presidenta explicou que ele é um dos mais importantes na área da saúde e primordial para o programa de combate à miséria. A presidenta frisou que enquanto houver desigualdade na área da saúde, “uma das mais severas”, o país não alcançará o objetivo de ser desenvolvido. Segundo ela, não é mais possível que as mulheres e bebês das classes média e as mais populares tenham um tratamento tão diferente. “Sei que nem todas as mulheres têm o que eu tive, mas eu tenho o sonho de garantir acesso à saúde de qualidade às mães, gestantes e bebês deste país”, completou.

“Nós não vamos pactuar com a miséria e com a pobreza e não tem lugar onde a desigualdade é mais severa que na área da saúde. Garanto a vocês que não vai haver um dia em que o governo federal e o Ministério da Saúde não tentem melhorar o SUS”, afirmou.

Nesse sentido, Dilma Rousseff garantiu que – com apoio dos estados e municípios – o governo lançará “um olhar cuidadoso” sobre as 44 mil unidades básicas de saúde e os 6 mil hospitais para que a qualidade e o acesso sejam assegurados à população.

ProInfância – Em seu discurso, a presidenta citou o programa ProInfância – que tem o objetivo de construir 6 mil creches no país por meio do PAC – como o segundo passo para amparar a primeira infância no Brasil. Após o nascimento e o acompanhamento até os dois anos de idade, garantidos pela Rede Cegonha, o Estado tem que dar condições para que as crianças se desenvolvam, disse a presidenta.

“A creche não está na área da assistência, está na área da educação. De zero a 6 anos, o que se trata é educar; é uma socialização, é o despertar, com estímulo, de toda a capacidade da criança quando ela olha o mundo pela primeira vez”, frisou.


Hoje mais cedo, durante o programa de rádio “Café com a Presidenta”, Dilma Rousseff afirmou que o governo federal destinará R$ 9 bilhões até 2014 para o Rede Cegonha, cujo objetivo é dar atendimento gratuito à mulher do início da gravidez até o segundo ano de vida do bebê. O programa vai garantir ainda recursos para o transporte da gestante a consultas e exames recomendados.

“Ao final do pré-natal, se ela tiver cumprido todas as consultas recomendadas, irá receber um vale-táxi para ir para a maternidade”, concluiu.

Contraponto 5065 - Guerra da OTAN na Líbia?

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28/03/2011
Tem gato na tuba: Guerra da OTAN na Líbia?

Do Maria Fro - março 27th, 2011 by mariafro


Guerra da OTAN na Líbia?

MK Bhadrakumar, Indian Punchline, Tradução: Vila Vudu
28/3/2011

72 horas depois de a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ter sido incumbida pelas potências ocidentais da tarefa de fazer valer uma zona aérea de exclusão e um embargo de armas na Líbia, a aliança deu grande salto adiante. O próprio corpo que toma decisões da própria OTAN decidiu que a própria OTAN ficará encarregada de implantar também todas as demais decisões da Resolução n. 1.973 do Conselho de Segurança da ONU sobre a Líbia [R-1973].

Declaração da OTAN, feita em Bruxelas no final desse domingo, mal disfarçava o tom triunfalista: “É passo muito significativo, que prova a capacidade da OTAN para empreender ação decisiva” .

Mas tem gato na tuba.

A declaração da OTAN nada diz sobre quem estaria esperando que a OTAN “provasse” alguma coisa, ou que “ação decisiva” a OTAN agora por-se-á a “empreender”. A questão, de fato, é que a OTAN afinal recebeu a chance de provar-se ela mesma – de provar que é a única organização militar em escala global que pode intervir militarmente e “empreender ação decisiva” contra qualquer país (fora do mundo ocidental, sempre, é claro).

Não há dúvida que se trata de “passo muito significativo” no que tenha a ver com a segurança internacional. O Conceito Estratégico adotado na cúpula da OTAN em Lisboa[1], novembro passado, definiu que o objetivo da aliança seria constituir-se como organização de segurança global. Mas ninguém do mundo externo, naquele momento, jamais supôs que o objetivo seria alcançado nesse prazo recorde.

A realidade política é que a R-1.073 não atribuiu nenhum papel específico à OTAN. A própria OTAN se autoatribuiu um papel e esse específico papel.

As potências ocidentais interpretaram unilateralmente a R-1.973 e incluíram nela os raids aéreos contra forças do governo líbio para, militarmente, alterar o equilíbrio militar na Líbia a favor dos ‘rebeldes’. Agora, também a OTAN por-se-á a atacar militarmente a Líbia.

Em termos mais simples, a OTAN acaba de entrar no sangrento negócio de derrubar governos, “mudança de regimes”, em países fora da Europa nos quais interesses ocidentais sejam ameaçados.

A declaração da OTAN dizia que a aliança está preparada para “iniciar imediatamente a operação efetiva”. Significa que a OTAN já sabia que seria encarregada dessa ação e manteve-se em estado de prontidão, enquanto todos os analistas ocidentais, pela imprensa, sugeriam que a aliança estaria sendo empurrada para um dilema. Muito evidentemente tudo acontece segundo plano bem preparado – armar os ‘rebeldes’ líbios; instigar o conflito até situação extrema; e, então, interferir diretamente, com poder bélico gigantesco, para derrubar um governo, digo, para “mudar um regime”.

É a primeira vez que a OTAN inicia operação militar na África/Oriente Médio. As operações “fora de área”, da OTAN começaram, no mundo, nos Bálcãs, quando se tratou de dividir a antiga Iugoslávia; e a guerra do Afeganistão forneceu o cenário para que a OTAN chegasse à Ásia sul e central.

Ninguém precisa esperar o resultado da conferência das potências ocidentais que acontecerá em Londres na 3ª-feira, para entender as dimensões políticas da missão da OTAN na Líbia.

As potências ocidentais estão passando a perna na ONU, depois de obter uma “legitimidade”, de fato, uma folha de parreira, mediante a R-1.073. Os dois membros que têm poder de veto no Conselho de Segurança – Rússia e China – já acionaram as respectivas máquinas de propaganda, mas é altamente improvável que algum dos dois considere, mesmo que remotamente, a possibilidade de convocar sessão do Conselho de Segurança para enfrentar, de fato as novas dimensões do problema da Líbia. Assim sendo, EUA, França e Inglaterra estão totalmente livres para desenhar como bem entendam a missão da OTAN. Se os ataques aéreos não conseguirem arrancar de lá o governo Gaddafi, a OTAN será convocada para mandar suas tropas de ocupação por terra.

É possível até que Rússia e China estejam estimando que não será de todo mau para seus interesses, se o ocidente envolver-se em guerra na Líbia. Ocupados na Líbia, diminuem os riscos de que a OTAN e o ocidente se metam pelos quintais russos ou chineses, pelo menos por algum tempo.

Assim sendo, só resta a União Africana para protestar contra operações militares decididas unilateralmente contra o governo líbio. O problema é que, como dizem que Stalin teria perguntado sobre o papa: “Quantas divisões tem a União Africana?”. A resposta é óbvia: ‘Zilch’, necas.

Feliz, só o presidente Barack Obama, dos EUA. Afinal, é a OTAN, não os EUA, que inauguram um novo, grande espaço, para longas guerras.


[1] Ver, interessantíssimo, “Cercar a Rússia, visar a China: O verdadeiro papel da OTAN na grande estratégia dos EUA”, 2/12/2010, Diana Johnstone, Counterpunch, traduzido por Margarida Ferreira, para O Diarioinfo, reproduzido aqui.
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Contraponto 5064 - Frases da Carta Maior


28/03/2011


Frases da Carta Maior


44 BILHÕES DE MOTIVOS PARA ATACAR A LÍBIA


"...A Líbia, com as buscas dos últimos anos demonstrou possuir um capital incalculável de petróleo e de gás. Com as novas tecnologias, as estimativas sobre as reservas podem se duplicar. Falamos de 44 bilhões de barris de petróleo. É um petróleo de muito boa qualidade, que custa pouco para refinar e que não se encontra facilmente em outros lugares (...) depois das destruições da guerra civil e da "humanitária", os contratos petrolíferas, se forem respeitados, poderão ser até mais favoráveis. Porque, naturalmente, teremos um "vendedor", a Líbia, mais pobre e dividido e, portanto, mais chantageável. E essa é a situação ideal à qual provavelmente se queria chegar..." (Margherita Paolini, Il Manifesto/IHU)

(Carta Maior; 2º feira, 28/03/2011)
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Contraponto 5063 - "Querem acabar com a reeleição"


28/03/2011


Dirceu: querem acabar com a reeleição porque o PT pode reeleger

Do Vermelho - 27 de Março de 2011 - 15h31

O ex-ministro da Casa Civil do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, afirmou no final da tarde de sábado (26), em São Paulo, que apesar de adversidades, o PT será o maior beneficiado pela reforma política.
Ele disse que o fim da reeleição, aprovada na Comissão de Reforma Política do Senado, além da discussão por extinguir o voto obrigatório, são ameaças ao partido, mas ao final a legenda usará sua força para fazer a reforma de acordo com seus interesses. "Querem acabar com a reeleição porque é nosso ciclo histórico, porque nós é que temos condição de reeleger", afirmou.

Acusado como líder do suposto mensalão petista no governo Lula e réu no Supremo Tribunal Federal (STF), Dirceu palestrou no seminário de conjuntura política do PT no último sábado. Foi recebido com aplausos e de pé pela militância.

O ex-ministro afirmou que o oposicionista PSDB e o aliado no governo PMDB se aliarão pela extinção do coeficiente eleitoral e a adoção do voto majoritário nas eleições proporcionais - o chamado "distritão".

"Não se enganem, o PSDB e o PMDB caminharão juntos na reforma política", disse. Falando sobre classe política, Dirceu disse que o maior problema do setor é o que chamou de "poder econômico" e a "mídia".

"A desmoralização da classe política permite que o poder econômico e o poder da mídia possa se confrontar ao poder político. Temos que defender os mandatos, defender o Parlamento. Um Congresso forte faz a regulação da mídia, um Congresso fraco não faz", afirmou.

Contra essas ameaças, José Dirceu prega a mobilização. "Temos que estar preparados para o embate da reforma política, inclusive com acúmulo de forças para as disputas que virão", disse.

Com agências

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Contraponto 5062 - Dilma vai à China

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28/03/2011


Dilma vai abordar direitos humanos com Hu Jintao na China


Da Agência Brasil 27/03/2011 - 10h32


Renata Giraldi
Repórter da Agência Brasil

Brasília – A presidenta Dilma Rousseff deve abordar o tema dos direitos humanos com o presidente chinês, Hu Jintao, um tema delicado para o principal parcerio econômico do Brasil. Dilma deve listar as semelhanças que há entre China e Brasil e necessidade de concentrar nos interesses comuns. Assessores, que preparam a visita, negam que haverá contrangimento, pois situação semelhante ocorreu entre Hu Jintao e o presidente norte-americano, Barack Obama.

Para Dilma, a defesa de direitos humanos deve ser um discurso constante, segundo assessores. Na semana passada, o Brasil apoiou investigações por meio do Conselho de Direitos Humanos nas Nações Unidas sobre casos de violações no Irã.

Constantemente, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, repete que a defesa dos direitos humanos é um princípio e que não se trata de uma questão sobre um ou outro país.

Em janeiro, na Casa Branca, Obama recebeu Hu Jintao. Na conversa, Obama disse ter cobrado do presidente chinês ações na área de direitos humanos. Em resposta, Hu Jintao optou pelo tradicional discurso de que outros países não devem interferir nos assuntos domésticos da China.

Porém, o chinês admitiu que há ainda “muito a ser feito” e afirmou que houve avanços que devem ser reconhecidos. Segundo ele, o governo da China se dispõe a manter as discussões sobre direitos humanos desde que respeitadas as garantias de não interferência em assuntos internos.

Organizações não governamentais acusam a China de vetar a liberdade de expressão e individual, impedir as ações de grupos que não tenham vínculos diretos com o governo e proibir ativismo político contrário ao governo.

Edição: Rivadavia Severo
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Contraponto 5061 - "Chávez e a ação militar na Líbia, pelo próprio Chávez"


28/03/2011


Chávez e a ação militar na Líbia, pelo próprio Chávez



Posto aí em cima uma fala do presidente da Venezuela,
Hugo Chávez, sobre a ação militar na Líbia.



Do Tijolaço - 27/03/2011

Clara, precisa, inquestionável.

Embora seja apresentado quase como um louco, um “periférico”, Chávez se expressa de uma maneira simples, lúcida, didática e direta.

Hoje mesmo a mídia tenta ridicularizá-lo porque, num programa de televisão, pediu que homens e mulheres de seu país evitem a obesidade – considerada pela Organização Mundial de Saúde um dos dez principais problemas, e que atinge meio bilhão de pessoas no mundo. Um presidente falar disso, claro, é “folclórico”.

Escute essa palestra que ele faz a uma pequena platéia, antes da inauguração de uma fábrica de asfalto em seu pais.

E chegue às suas conclusões por seu próprio pensamento, não pelo que diz a mídia.
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Contraponto 5060 - Charges do Bessinha (335 e 336)

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28/03/2011
Charges do Bessinha (335 e 336)

335 e 336

domingo, 27 de março de 2011

Contraponto 5059 - Rogério Ceni

Contraponto 5058 - "Los hermanos, 20 anos depois"

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27/03/2011


"Los hermanos", 20 anos depois

Da Carta Maior- 27/03/2011

No momento atual, o Mercosul reúne mais razões de otimismo que os demais blocos. A União Europeia, sob crise aguda, vive um de seus piores momentos. O Nafta acentou os problemas da economia mexicana (o comércio que mais cresce com seu vizinho, do outro lado do Rio Grande, é o de drogas), e os Estados Unidos patinam para superar a recessão.

Antonio Lassance*

Vinte anos depois daquilo que se considera a certidão de nascimento do Mercosul (o Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991), a integração regional promovida pelo bloco mostrou-se benéfica. O principal saldo não é apenas econômico, mas político, social e cultural.

Mesmo sujeito a idas e vindas, o Mercosul atravessou turbulências e manteve-se como um caso de sucesso. Resistiu a crises internacionais graves, como as de 1999 a 2002 (quando o comércio entre os países do bloco reduziu-se à metade, em relação a seus valores de 1997) e a mais recente e maior delas, de 2008. Foi abalado por situações de profunda instabilidade. A principal atingiu o governo de Fernando de la Rúa, na Argentina, como efeito retardado do desmonte do Estado, privatização e desindustrialização provocados pelo governo de Carlos Ménem, combinados à atrapalhada saída brasileira do regime de paridade do dólar e câmbio fixo, no governo FHC.

Surgido na esteira de um processo de aproximação entre Brasil e Argentina, seus dois maiores países, o Mercosul era também uma resposta à União Europeia, ao Nafta (bloco que reúne Estados Unidos, Canadá e México) e à APEC (“Asia-Pacific Economic Cooperation” ou Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico).

A arquitetura da amizade impulsionada com o Mercosul é tratada como um caso exemplar pelo especialista em relações internacionais, Charles Kupchan (da Universidade de Georgetown), em seu recente livro “Como inimigos se tornam amigos” (1). Ele dedica parte do quarto capítulo de seu livro (págs. 122 a 130) a mostrar como se deu a reaproximação entre Brasil e Argentina, nos anos 1980, e que atraiu, nos anos 1990, Paraguai e Uruguai .

Kupchan enquadra o exemplo sulamericano em algumas lições essenciais. Por exemplo, a de que o mundo hobbesiano da competição interestatal, onde impera o dedo no olho e os golpes abaixo da linha de cintura, pode até ser um ponto de partida para a análise das relações internacionais, mas não precisa ser necessariamente seu ponto de chegada. A competição pode ser superada por arranjos sustentáveis cooperativos, em que antigos inimigos passam a se tratar como atores confiáveis.

A segunda lição é a de que a mão invisível do liberalismo é incapaz de produzir tal arquitetura por geração espontânea. Ela deve ser induzida por projetos nacionais e tudo deve começar com um dos atores, em geral o de maior peso, dispondo-se a fazer concessões. É a diplomacia que impulsiona a economia, e não o contrário. Ela constrói o ambiente que produz saldos comerciais e financeiros positivos no longo prazo, facilita a inserção de empresas e enraíza a interdependência econômica.

Uma terceira lição é a de que as ordens sociais entre os países devem se tornar cada vez mais compatíveis, harmônicas. Ordens instáveis e incompatíveis entre si são um fator inibidor do entendimento.

Kupchan destaca ainda, no caso sulamericano e em outros, que o fundamental nos processos de integração é o surgimento de uma identidade entre os países que supere as rivalidades reinantes. O trânsito de pessoas, o entrosamento cultural, a familiaridade com a paisagem dos vizinhos são um ingrediente dos avanços.

Neste sentido, os sinais do Mercosul são muito promissores. O volume do comércio entre os países do bloco (hoje em torno de US$ 30 bilhões por ano) tem crescido , embora percentualmente ao PIB tenha ocorrido uma estagnação momentânea. A situação se explica, estruturalmente, pela assimetria entre os países e, conjunturalmente, pela estratégia de seus países no sentido de diversificarem seus parceiros e não se atrelarem exclusivamente a alguns poucos (2).

Certos números são surpreendentes. Em quatro anos (2006 a 2009), o número de brasileiros que estudam a língua espanhola saltou de um para mais de cinco milhões (dados do Instituto Cervantes). A razão foi a lei sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005, que obrigou a oferta do Espanhol no ensino médio.

Praticamente um em cada cinco turistas que visitam o Brasil é argentino. Em contrapartida, em 2010 quase dobrou a quantidade de brasileiros que visitaram a capital portenha.

Os turistas vindos do Mercosul representam 70% do fluxo receptivo do Uruguai, 30% do fluxo receptivo da Argentina, mesmo patamar do Brasil, sendo baixo apenas no Paraguai (pouco mais de 10%) (3).

O projeto de integração é um desafio de grande envergadura e tem obstáculos consideráveis. Grande parte deles é resultante de seus pecados originais. A vertente comercial tornou-se hipertrofiada ao longo de 20 anos, enquanto persiste um déficit de participação democrática e representação política, com um Parlasul que ainda está por se estruturar plenamente. O Brasil, infelizmente, tem negligenciado e protelado esse passo.

Por outro lado, a entrada da Venezuela, que significaria a expansão do mercado comum, tem sido sistematicamente adiada pelo Paraguai, com argumentos que não convencem sequer os opositores venezuelanos do presidente Hugo Chávez, que defendem a entrada de seu país no bloco.

Nos últimos anos, uma agenda intensa de políticas públicas tem se construído setorialmente, nas áreas da agricultura familiar, desenvolvimento social, educação, saúde, infraestrutura, turismo, segurança e defesa, dentre outras. Isso permite vislumbrar ações que contribuam para eliminar a pobreza, reduzir as assimetrias existentes, construir uma infraestrutura que permita ampliar o comércio na região e aprofundar a democracia, desafios destacados recentemente pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alto Representante-Geral do Mercosul (Agência Senado, 24/3/2011).

No momento atual, o Mercosul reúne mais razões de otimismo que os demais blocos. A União Europeia, sob crise aguda, vive um de seus piores momentos. O Nafta acentou os problemas da economia mexicana (o comércio que mais cresce com seu vizinho, do outro lado do Rio Grande, é o de drogas), e os Estados Unidos patinam para superar a recessão. A APEC, além de muito heterogênea e pouco institucionalizada, pouco avançou diante da competição entre seus países, que disputam muitas vezes o mesmo espaço. A China, por exemplo, tem crescido, além de seus méritos próprios, sobre um declínio relativo do Japão.

Há 20 anos, quem seria capaz de dizer que se chegaria tão longe?

Referências:
(1) ”KUPCHAN, Charles A. How Enemies Become Friends. Princeton: Princeton University, march 2010)

(2) SOUZA, André de Mello e Souza, OLIVEIRA, Ivan Tiago Machado e GONÇALVES, Samo Sérgio. Integrando desiguais: assimetrias estruturais e políticas de integração no Mercosul. Rio de Janeiro: IPEA, março de 2010. Texto de Discussão no. 1477.

(3) TOMAZONI, Edegar Luis. Turismo como Desafio do Desenvolvimento Econômico do Mercosul na Era da Globalização. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 2008.


*Antonio Lassance
é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política. As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.
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