quarta-feira, 29 de junho de 2016

Nº 19.748 - "Michel é (refém de) Cunha"

29/06/2016

Michel é (refém de) Cunha

 

Vice-presidente Michel Temer se reúne com presidente da Câmara, Eduardo Cunha (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
(Michel Temer e Eduardo Cunha. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho

Eduardo Cunha vem travando uma disputa acirrada com Aécio Neves pelo posto de mais citado por delatores na Lava Jato. A mais nova citação de Cunha partiu de Fábio Cleto, ex-vice da Caixa Econômica Federal, indicado pelo próprio Cunha. Ambos teriam recebido propina de uma empresa de Eike Batista para obter recursos do fundo de investimentos do FGTS. Cunha é réu no STF em duas ações relacionadas à Lava Jato, onde responde pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e falsidade ideológica para fins eleitorais. Foi afastado pelo STF do mandato de deputado federal e, por consequência, da presidência da Câmara, por usar o cargo para ocultar possíveis crimes e interferir nas investigações. Deu andamento ao pedido de impeachment de Dilma Roussef por retaliação ao voto dos deputados petistas no Conselho de Ética da Câmara.

Com uma ficha corrida dessas, espera-se que os políticos, sempre preocupados com a imagem, guardem uma distância segura de alguém tão enrolado, correto? A foto de Cunha sentado sozinho em uma mesa vazia, na sua última entrevista coletiva, é símbolo disso. Se a companhia de Eduardo Cunha é indesejável para qualquer político, imagine para o presidente de um governo golpista, que busca desesperadamente angariar alguma legitimidade na sociedade, já que não possui a única legitimidade possível numa democracia, a oriunda do voto.

Pois Michel Temer reuniu-se no domingo, dia 26, com ninguém menos que Eduardo Cunha. A equipe de Temer inicialmente negou o encontro, que não estava na agenda, mas depois admitiu e informou que os dois discutiram o atual cenário político. Cunha continuou exercitando um dos seus esportes preferidos, mentir, ao dizer que "não confirma" o encontro. Segundo reportagem da Rede Brasil Atual, um ministro do governo provisório disse a jornalistas que foi uma decisão "estratégica" o encontro ter sido realizado no próprio Palácio do Jaburu, onde reside o presidente em exercício, para mostrar que "não tinha sido um encontro secreto". Claro, não há problema algum em encontrar-se com Eduardo Cunha desde que não seja secretamente, não é mesmo? Com estrategistas dessa envergadura não é surpresa que o governo interino seja um completo desastre.

É lógico que Temer sabe que o ideal seria nunca mais precisar ver Cunha na vida. Se o recebe em casa num domingo à noite é porque não tem outra opção. O governo tem noção de que caso decida abandonar Cunha haverá retaliação com potencial para implodir o governo golpista. Ciro Gomes explicitava ainda em 2015 as relações fraternais entre o presidente interino e o ex-presidente da Câmara. Segundo Ciro, quando Michel era presidente da Câmara dava a relatoria de alguns projetos a Eduardo Cunha, que por sua vez embutia emendas que beneficiavam grupos econômicos financiadores de ambos. Ainda Ciro: "Em outro episódio, chamei Cunha de ladrão. Ele me processou e arrolou Temer como testemunha. Na verdade, Temer é o homem do Cunha, e não o inverso". Romero Jucá veio confirmar essa relação íntima com a já imortal sentença "Michel é Cunha".

Temos então um presidente golpista e refém de Eduardo Cunha. A tentativa do Planalto de salvar a pele de Cunha seria escândalo para estar na capa de todos os sites e jornais não estivesse a velha imprensa comprometida até a medula com o golpe. Merece apenas notícias meio escondidas e repercussão quase nula. De qualquer forma, Michel Temer terá que provar que sabe mesmo lidar com bandidos caso queira evitar a desintegração do seu governo.

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Nº 19.747 - "MP manda avisar que “não quer” delação de Cunha. “Seriam peixinhos”…E os tubarões?"

 

29/06/2016

 

MP manda avisar que “não quer” delação de Cunha. “Seriam peixinhos”…E os tubarões?

pesca

Por

“Fontes” do Ministério Público mandam dizer, pela coluna do Lauro Jardim  em O Globo que não está interessado numa eventual delação premiada de Eduardo Cunha.

“De que adianta ele delatar 80 deputados do baixo clero?”, teriam dito.

Estranha lógica a dos “fiscais da lei”: “só” oitenta cidadãos que têm o direito de decidir, com seu voto, como serão as leis do país, os direitos do povo e o destino dos dinheiros públicos?

Ou será que suas excelências se preocupam que Cunha, delatando, fale dos peixes grandes com os quais conversava como chefe do cardume?

Porque naquele pantanal, só ele tinha tamanho para negociar com os tubarões e até com as aves de bico grande, tucanos  ou até um jaburu. Poder-se-ia pensar numa ave assim, pois não?
A outra explicação é igualmente pífia.

“A Lava-Jato precisaria de um troféu. Livrar todo mundo da prisão, via delação, não seria didático. E Cunha não podia ser um troféu mais reluzente”.

Quer dizer que, confessadamente,  a delação livra da prisão quem interessa e convém? Cadê a história de que ela se justifica pelo alcance das informações que pode trazer?

Ainda que fossem “só oitenta deputados” – e portanto, outros tantos corruptores e não se sabe mais quantos cúmplices, como era o agora delator Fábio Cleto – será que “não vem ao caso”?

Desde quando a delação precisa implicar na liberdade de Cunha? O MP já provou, com casos como o de Paulo Roberto Costa, que não tem vergonha em colocar o perdão dos membros da família envolvidos nas falcatruas e Cunha está numa evidente situação assim.

Por mais odioso e nojento que tenha sido o gasto com luxos do dinheiro pela família  Cunha, é obvio que as “usufrutárias” daquelas despesas, sem a gazua do deputado, não oferecem periculosidade.

O nosso MP resolveu ter crise de consciência logo com Cunha?

Ou está interessado em mandar recados a quem interessar possa que o silêncio de Cunha está garantido?

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Nº 19.746 - "Quando até Elio Gaspari admite que é golpe, é porque não há mais como defender qualquer outra coisa. Por Paulo Nogueira

 

29/06/2016

 

Quando até Elio Gaspari admite que é golpe, é porque não há mais como defender qualquer outra coisa. Por Paulo Nogueira


Gaspari: é golpe
Gaspari: é golpe

por Paulo Nogueira 

Paulo NogueiraQuando até Elio Gaspari admite que é golpe, é porque não há mais como defender qualquer outra coisa.

Elio é colunista da Folha e do Globo, e dos mais influentes. É também cioso em cuidar de seus empregos. Nas suas colunas sobre a crise, jamais falou do papel da imprensa no trabalho crucial de desestabilização de Dilma, ao contrário, para ficar num caso, de Jânio de Freitas.

Em seus vários livros sobre a ditadura, da mesma forma, Roberto Marinho virtualmente não aparece. É como se a voz da ditadura — Marinho e sua Globo — fosse coadjuvante e não, como foi, protagonista da trama.
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Mas agora, na coluna de hoje nos dois principais jornais brasileiros, Elio Gaspari enfim se rende.

O que levou Elio a admitir o óbvio foi a confissão da senadora Rose de Freitas. Líder do governo, vinculada ao golpe, Rose reconheceu dias atrás que não houve pedalada — o alegado crime que justificaria a deposição de Dilma.

Ainda acrescentou que conhece a fundo o assunto, por lidar com questões de orçamento em sua rotina de senadora.

Se não houve o crime, é golpe.

Elio nota, outra vez com atraso, que não é um julgamento, mas uma simulação de julgamento. Jogo de cartas marcadas. Isso acontece quando você já define o resultado antes que a defesa do réu possa expor seus argumentos.

Como contei outro dia, foi o aconteceu nos célebres julgamentos de Moscou dos anos 1930, quando Stálin liquidou seus adversários no Partido Bolchevique com julgamentos que eram uma farsa.

Exatamente por ser tão cuidadoso ao tratar de temas ligados aos interesses das grandes corporações de jornalismo e seus donos, o artigo de Elio Gaspari é especialmente relevante. (Lembro, numa reunião da direção da Globo, como Roberto Irineu Marinho contou com satisfação o guia do Metropolitan que Elio montara para ele. Era uma visita para dummies, coisa de vinte ou trinta minutos, e Elio a elaborara com base em sua experiência como correspondente da Veja em Nova York.)

Fora dos círculos estritamente golpistas, incluídos aí os barões da imprensa e seus fâmulos mais servis entre os comentaristas, já não dá para dizer que o golpe não é golpe.

Em termos de mídia, depois da confissão de Elio Gaspari, o próximo passo seria um editorial da Folha nos mesmos termos.

Mas aí já seria esperar demais da família Frias.

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Sobre o Autor
 
Paulo Nogueira. Jornalista, fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
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Nº 19.745 - "Julgamento de Dilma ocorrerá depois das Olimpíadas"

Está marcado para o dia 9 de agosto a votação da pronuncia, uma das últimas fases do processo no plenário da Corte. As duas partes, acusação e defesa terão, respectivamente 48 horas para se manifestarem. Na sequência, será necessário aguardar pelo menos dez dias para o início do julgamento final.

A presidente Dilma Rousseff se reuniu ontem com a Executiva do PT e acertou com as bancadas da Câmara e do Senado uma oposição à agenda econômica do governo interino de Michel Temer. Ela também quer escrever uma nova carta aos brasileiros, a exemplo do que fez o ex-presidente Lula em 2002. No documento, Dilma desqualificaria ações de Temer, consideradas retrocesso como a extinção dos ministérios da Mulher e da Igualdade Racial, e assumiria compromissos para o caso de voltar à Presidência, segundo reportagem de Carolina Brígido.
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Nº 19.744 - "A prova da propina a Temer"

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29/06/2016

A prova da propina a Temer

O "padrinho" é guloso: fica com a parte do leão


 
Do Conversa Afiada - publicado 28/06/2016
 
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O destemido Ciro Gomes denunciou em recente entrevista ao DCM: num processo de dissolução de união estável que correu na Vara de Familia do Foro Central de São Paulo, Erika Santos pediu, em 1999, uma pensão mensal de R$ 10.000,00 e 50% do patrimônio do ex-marido, Marcelo de Azeredo, presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo, CODESP, por indicação do “padrinho”, o deputado federal Michel Temer, então presidente da Câmara.


Como se vê, Ciro tem o documento, mas pensa que sumiu.

O Conversa Afiada achou.

Para justificar a pretensão de ficar com 50% do patrimônio do apadrinhado, Erika descreve operações que testemunhou.

As “caixinhas” ou “propinas” negociadas com os vencedores das licitações ou concessionárias, e repartidas entre o requerido, seu “padrinho” polí
tico, e um “tal de Lima”.

Só pela concessão de dois terminais no porto de Santos à notória empresa LIBRA, o “padrinho“ ficou com a bagatela, em 1999, de R$ 640.000,00.

De novo, aparece o tal de Lima, e o requerente.

Quem é o Lima ?

Da empresa Rodrimar, Michel Temer, de novo, recebe mais do que o requerente, o ex-marido.

(Erika saiu de casa porque, alegou, o marido batia nela.)

O Conversa Afiada oferece o documento ao Procurador Geral da República, Dr. Rodrigo Janot, antes que o Ciro Gomes suba a rampa do Palácio do Planalto e expulse todo mundo de lá.

Sim, porque se for esperar alguma reação do PT ou do “Advogado” da Presidenta – será que ele advoga para o outro lado?, pergunta a TV Afiada - o Michelzinho serve ao Exército e o pai não saiu de lá.

Em tempo: por onde anda o requerido?








Paulo Henrique Amorim



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PITACO DO ContrapontoPIG

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Temos um corrupto na presidência do país por força de um golpe em andamento e uma presidente legitimamente eleita sabidamente honesta, afastada do cargo.

Presenciamos atualmente um verdadeiro assalto ao Brasil:

- conquistas trazidas pela Constituição de 1988  em vias de serem perdidas;
- direitos dos trabalhadores, educação e saúde  ameaçados; 
- riquezas materiais como o pré-sal em vias de passar a mãos estrangeiras;
- avanços e conquistas no plano internacional sendo minados por um entreguismo escancarado.

Não podemos assistir a tudo isto passivamente. 

Manifestações e protestos são importantes mas a situação exige ações mais contundentes para evitar um retrocesso de décadas.

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terça-feira, 28 de junho de 2016

Nº 19.743 - "O que Cunha foi falar com Temer no Jaburu? Por Paulo Nogueira"

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28/06/2016 

 

O que Cunha foi falar com Temer no Jaburu? Por Paulo Nogueira


Temer é Cunha

 
O que Cunha foi falar com Temer no Jaburu?
Está claro o poder do primeiro sobre o segundo, ou este não teria recebido um visitante tão comprometido com roubalheiras num momento de tamanha dramaticidade.

Vem à lembrança, imediatamente, a frase já antológica do delator Sérgio Machado: “Temer é Cunha”.

Repare na ordem. A precedência é de Cunha. Não é “Cunha é Temer”. É “Temer é Cunha”. Há uma subordinação explícita aí.

É péssimo para Temer receber Cunha, ainda mais na clandestinidade. É um encontro que não estava na agenda, e que vazou. É um embaraço tão grande que Cunha negou, mas o Planalto foi forçado a admitir, ou seria apanhado em flagrante mentira.

Jogar baralho é que eles não fizeram. Tampouco devem ter conversado sobre o Brexit ou quaisquer outras questões internacionais. É difícil imaginar que tenham trocado confidências sobre seus casamentos, Temer com Marcela, Cunha com Claudia.

Fatalmente o tema foi a perspectiva de Cunha de ser preso. Podemos todos imaginar o que Cunha conhece de Temer.

Eles têm histórias juntos. O grupo Libra, que opera a logística no Porto de Santos, é um dos elos comuns. O Libra doou recursos para a campanha de Temer. E colocou 591 mil reais na conta de Claudia Cruz.

O Libra não poderia atuar em Santos, dada sua dívida com a União. Mas atua. Mexa nesta história e você encontrará as mãos dadas de Temer e Cunha, como se fossem namorados.

O prontuário de Cunha sugere que ele foi a Temer fazer o mesmo que os senadores comprados com cargos e vantagens estão fazendo: cobrar a fatura.

É simplesmente impossível imaginar que Cunha vá aceitar apodrecer na cadeia depois de ter minado Dilma no Congresso ao bloquear suas medidas e depois comandar seu impeachment.

Temer vai ter que se mexer para socorrer o amigo em apuros, ou histórias horripilantes virão a público.

Pense o que passa pela cabeça de Cunha: fomos parceiros, bróders, camaradas, e agora você está no Planalto e eu à beira da gaiola. É justo?

A questão é se Temer tem força para salvar de alguma forma Cunha.

Se não tiver, o que é o mais provável, é bom se preparar para uma tornozeleira, na melhor das hipóteses.
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Sobre o Autor
Paulo Nogueira. Jornalista, fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
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Nº 19.742 - "Os encontros suspeitos de Michel Temer"


28/06/2016



Os encontros suspeitos de Michel Temer


Brasil 247 - 28/06/2016

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Jeferson Miola

O presidente usurpador Michel Temer tem a estranha prática de reunir nas noites de sábados e domingos com os personagens mais controvertidos – para não dizer de outra forma – da política nacional.

No 28 de maio de 2016, um sábado, Temer antecipou o regresso a Brasília para se reunir às pressas com o ex-Advogado-Geral da União do FHC e atual presidente do TSE, o tucano Gilmar Mendes.

Oficialmente, disseram ter tratado sobre verbas para as eleições municipais. É difícil aceitar esta versão, porque naqueles dias haviam sido divulgadas as conversas gravadas de um dos principais operadores de corrupção do PMDB, Sérgio Machado, com os mais notáveis figurões do Partido que ele presidiu nos últimos 14 anos.

O surpreendente, naquela ocasião, não foi a publicidade das conversas de Machado com Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney, mas o ocultamento de outras conversas também havidas – e sobram razões para se suspeitar que as gravações de Temer, que tratou de propina com Sérgio Machado na Base Aérea de Brasília, foram [e continuam sendo até hoje] bem guardadas. O encontro do Temer com Gilmar pode ser a chave para se entender esta circunstância, que foi decisiva para a continuidade do golpe de Estado.

Hoje se ficou conhecendo o encontro secreto do presidente usurpador com seu sócio no golpe, Eduardo Cunha, ocorrido na noite do domingo passado, 26 de junho.

Michel Temer diz que "fala com regularidade" com Cunha, o que é, em si mesmo, um tremendo absurdo e evidência de uma convivência duvidosa com um réu-criminoso que um presidente legítimo jamais poderia manter e que, todavia, é assimilável para um presidente usurpador.

Temer alega que na noite do domingo passado conversou sobre a conjuntura política [sic] com este notável réu-criminoso que está com o mandato parlamentar suspenso.

Foi noticiado que eles conversaram sobre a sucessão na Câmara dos Deputados [sic]. É útil recordar que Cunha, além do mandato suspenso, está proibido inclusive de freqüentar a Casa, quanto mais tratar de assuntos da gestão institucional.

O significado dessa proibição é análogo à proibição ao marido agressor se aproximar da ex-esposa: evitar que o criminoso continue perpetrando o crime. A despeito disso, Temer recebeu o réu-criminoso no Palácio do Jaburu para tratar de assunto que aquele "bandido", como chama a imprensa internacional, está judicialmente proibido de tratar.

Fossem tempos diferentes, com uma imprensa honesta, um sistema político sério e respeitável, um sistema jurídico justo e isento, o golpe de Estado perpetrado através do impeachment fraudulento da Presidente Dilma jamais teria prosperado.

Como os tempos são outros, encontros suspeitos do presidente usurpador são apenas registros assépticos em espaços acanhados do noticiário feitos com atraso de dois dias.

E, assim, o golpe segue.


Jeferson Miola .Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial
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Nº 19.741 - "Cunha e Temer: a dupla mais rejeitada do Brasil "

247 - Levantamento realizado pelo Instituto Ipsos entre os dias 2 e 13 de junho mostra um cenário mais do que ilustrativo sobre os dois principais responsáveis pela ruptura democrática vivenciada no Brasil atualmente.

A dupla formada por Michel Temer e Eduardo Cunha, presidente interino e presidente afastado da Câmara, é a mais rejeitada do Brasil na política. Segundo o Ipsos, a rejeição a Temer chega a 70% dos brasileiros, enquanto Cunha é rejeitado por 79% da população.

O levantamento também revela que a classe política foi dizimada pelos escândalos de corrupção decorrentes da Operação Lava Jato, pois todos os presidenciáveis tradicionais têm rejeição superior a 50%. É o caso de Marina Silva (56%), Aécio Neves (63%), Lula (68%), Geraldo Alckmin (55%) e José Serra (55%).
Clique aqui e leia na íntegra o levantamento do Ipsos.

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Nº 19.740 - "Sergio Moro tenta intimar esposa de Cunha mas fracassa duas vezes"

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28/06/2016 

 

Sergio Moro tenta intimar esposa de Cunha mas fracassa duas vezes

 

Sergio Moro fracassa duas vezes ao tentar intimar Cláudia Cruz, esposa do presidente afastado da Câmara dos Deputados, denunciada na Lava-Jato por lavagem de dinheiro e evasão de divisas

 

Pragmatimo Politico - 23/06/2016

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Cláudia Cruz Eduardo Cunha
Cláudia Cruz, esposa de Eduardo Cunha
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O juiz Sérgio Moro já tentou por duas vezes, sem sucesso, intimar Cláudia Cruz, mulher do presidente afastado da Câmara dos Deputados, denunciada na Lava-Jato por lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

O mandado de citação foi expedido pela Justiça Federal do Rio e o oficial de Justiça foi duas vezes ao endereço do casal, na Barra da Tijuca, nos dias 14 e 16 passados. Numa das vezes, foi informado pelo caseiro que Cláudia está morando em Brasília, no imóvel funcional da presidência da Câmara dos Deputados.

A Justiça do Paraná teve de expedir outra carta precatória, agora para Brasília, para que Cláudia Cruz seja intimada e apresente resposta aos autos. A denúncia contra a mulher de Cunha foi apresentada à Justiça Federal de Curitiba pelo Ministério Público Federal, depois que as investigações foram desmembradas das investigações contra o deputado, que tem foro privilegiado.

O advogado de Cláudia Cruz, Pierpaolo Bottini, disse que informou ao oficial de Justiça que sua cliente pode ser encontrada nos fim de semana no Rio de Janeiro e, de segunda a sexta, no endereço de Brasília.

Cláudia segue com Moro

Nesta quarta-feira, durante o julgamento da denúncia contra o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) pelo recebimento de propina em contas secretas na Suíça, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que sejam mantidos sob a responsabilidade do juiz federal Sérgio Moro a ação contra Cláudia Cruz, e o inquérito que investiga a filha do deputado, Danielle Dytz da Cunha Doctorovich.

Apenas os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes votaram para que os processos da mulher e da filha de Cunha também tramitassem no STF. Os outros 9 ministros seguiram o relator, Teori Zavascki.

Na denúncia contra a mulher do peemedebista, os procuradores da Lava Jato apontam que o dinheiro recebido por Cunha em contas na Suíça transitou por duas contas secretas do deputado até chegar a uma conta em nome de sua mulher.

Já a filha de Cunha é alvo de um inquérito, mas não chegou a ser denunciada por nenhum crime pelo Ministério Público. Um cartão de crédito que teria utilizado recursos das contas na Suíça estava em nome de Danielle.

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PITACO DO ContrapontoPIG
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Moro falando mais fino ainda. Medo de quê, Sr. juiz? 

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Nº 19.739 - "A destituição de uma Constituição"

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28/06/2016 

A destituição de uma Constituição

 

Capitalismo, democracia, política nacional e conjuntura internacional são alguns dos temas abordados nesta conversa com Luiz Gonzaga Belluzzo. 

 

Carta Maior - 27/06/2016


Região e Redes

Reprodução

 
Enquanto na Europa discutem-se políticas de aumento de salário mínimo e nos Estados Unidos o presidente Barak Obama ensaia uma ampliação do acesso aos serviços de saúde, no Brasil, apesar de todas as suas desigualdades, colocam-se propostas de privatização e fragmentação do SUS. A crítica do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor das Faculdades de Campinas (Facamp), está nesta entrevista exclusiva que concedeu à pesquisa Região e Redes. “O que precisa é reforçar o SUS, ou as pessoas vão morrer sem atendimento”, exclamou. Capitalismo, democracia, política nacional e conjuntura internacional também são alguns dos temas abordados na conversa.


Região e Redes – Depois da segunda guerra (pós 1945) o mundo viveu durante décadas uma possibilidade de conciliação das questões econômicas e sociais. A partir dos anos 1980 e, com mais força, após a crise iniciada em 2007 (que se intensificou no Brasil a partir de 2014), parece haver um choque entre a economia e as questões sociais. Isso é conjuntural ou algo definitivo?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Estamos nos referindo, eufemisticamente, ao capitalismo e à democracia. O que se conseguiu articular no pós-guerra foi a domesticação do capitalismo e a ampliação da democracia. Esses dois movimentos caminharam de mãos dadas. Depois de 1945 surgiram as primeiras experiências de direitos universais, como o National Health Service (NHS), na Inglaterra. Na Itália, que vivia situação de penúria, os salários tiveram aumentos contínuos, como bem mostra o filme “A classe operária vai ao paraíso”. As pessoas começaram a se apresentar como consumidores. Houve uma sucessão de “milagres”, o italiano, o alemão. Na Alemanha criaram a economia social de mercado, que conseguiu recuperar rapidamente o país. Conseguiu-se naquele momento colocar o conflito social embutido no pós-guerra dentro da democracia. E as democracias funcionaram muito bem, com os partidos defendendo a Constituição. Foi um período de mútua fertilização dos arranjos capitalistas, mas conseguiu-se estruturar um capitalismo mais controlado e menos danoso para as pessoas.


RR – E o Brasil?

LGB – O Brasil foi o país que mais se beneficiou da expansão capitalista do século 20 porque foi receptor de investimentos internacionais, por conta das políticas nacionais, desde Getúlio [Vargas], mas, sobretudo, por Juscelino Kubitschek. O Brasil era uma espécie de China daquele momento econômico, mas no avanço da universalização das políticas ficamos muito atrás. Só conseguimos e fizemos isso com a Constituição Federal de 1988, que agora querem desmontar. É isso que estão dizendo: a democracia não cabe no orçamento. Como se orçamento não fosse uma peça importante do debate democrático. O orçamento é fundamental! Aliás, o debate democrático deve se concentrar, em boa medida, no orçamento. Como é que se usa o orçamento como instrumento de universalização dos direitos?


RR – A democracia como mediadora de conflitos…

LGB – O que está em discussão hoje é de outra ordem. Querem colocar o orçamento a serviço dos mercados. Esta é a questão central. Quando se debate a composição do gasto público, jamais se introduz o quanto se tem despendido com os juros da dívida. Esta questão não entra, porque os juros não fazem parte do debate. Esse tema fica ali escondido, apesar de o maior gasto do orçamento ser com juros. Temos aí um conflito que não é técnico, mas sim social.

Essa proposta do governo “Uma ponte para o futuro” é um atentado aos direitos sociais escassamente conquistados recentemente. Qualquer pessoa com um mínimo de noção está preocupadíssima, porque se percebeu que houve melhoras. Mas as pessoas querem mais.

Aí vem uma questão importante que é a mediação da democracia. Não é a mais perfeita, mas é a melhor forma que encontraram para a mediação de uma sociedade que está afundada em conflitos de interesses. Isso é importante afirmar porque os interesses não convergem naturalmente e é a democracia que tem de fazer essa recomposição. Mas o que nós estamos assistindo hoje, mais que a política econômica, é a ideia de que você pode propor um programa sem atentar para a natureza conflitiva que temos nessa sociedade hoje. É um conflito que está expresso nas manifestações pelas ruas. Os jovens não concordam em sua maioria. Colocou-se 10 milhões de jovens no ensino superior e eles sabem o que receberam. Não adianta vir com uma proposta tecnocrática, porque isso não vai passar assim fácil. É esse momento que nós vivemos, de ressurgimento claro da luta entre a democracia e o capitalismo que estão querendo impor no Brasil. A “ponte para o futuro” não vai levar a lugar algum. Eles estão pensando num mundo que não vai existir mais daqui a 10 anos.


RR – Por quê?

LGB - Por várias razões. Uma delas, porque isso tudo está maltratando uma parte importante da população, que está indo para o trabalho precário. É impressionante como as ocupações de baixa produtividade nos serviços cresceram. E digo que o Brasil está atrasado também porque nós não chegamos a alcançar um patamar de mais estabilidade e já partimos para uma tentativa de atender às vontades dos mercados, mas isso não vai dar certo. Não tem nenhum fundamento social. A menos que se queira repetir de forma tosca o que já foi feito, como controlar sindicatos, dos salários e dos movimentos sociais. Senão não vão segurar essa peteca. Nós, que por tantas vezes soubemos caminhar na mão da história, estamos caminhando na contramão, por mais de 30 anos.


RR – Algumas das propostas colocadas como alternativas à crise vão no sentido de destituir uma Constituição que está em processo de implementação. O SUS é um exemplo cristalino. Os 26 anos do sistema não foram suficientes para colocá-lo como um direito pleno como descrito na carta de 1988…

LGB - Exatamente! É a destituição de uma Constituição. Com propostas contrárias a que vários países do mundo têm feito. Na Europa se discute políticas de aumento de salário mínimo, nos Estados Unido o presidente Obama ensaiando uma ampliação do acesso aos serviços de saúde. As propostas colocadas para o Brasil são inviáveis, sobretudo num país com as desigualdades do Brasil. O SUS é fundamental para o Brasil, porque apesar de todas as deficiências que conhecemos, é um dos programas mais universais que se tem em matéria de saúde dentro de um país em desenvolvimento. Ele precisa de aperfeiçoamentos, mas se você perguntar para as pessoas que usam o sistema, elas falam da diferença de antes. Fazer essa privatização e fragmentação no SUS é um desatino, é um crime. As pessoas vão morrer sem atendimento. O que precisa é reforçar o SUS. Agora estão propondo a desvinculação das receitas para a saúde e educação. Por que acham que se vinculou? Porque se não tiver obrigação legal os políticos preferem fazer uma ponte sobre um rio seco do que investir em saúde.

Para a educação é a mesma coisa. Eles falam em educação fiado. Eles não sabem nem o que é e nem como fazer. Não têm a menor noção. Eu falo da minha experiência pessoal de 50 anos nessa área, no público e no privado, e sei como isso funciona. Eles não sabem. A educação é a formação integral de cidadãos. Não é só formar especialistas como estamos formando. Esse é um debate que está no mundo. As duas questões, saúde e educação, são alguns dos temas mais republicanos que se tem. São questões centrais que deviam mobilizar todos os cidadãos.

RR – As propostas para esses dois sistemas que a Constituição consagrou como universais não são adequadas para combater as profundas desigualdades que assolam o Brasil. Como seria uma política correta nessas duas áreas de modo a contribuir com a construção de um país mais igualitário e equânime?

LGB - Vamos voltar à discussão inicial do orçamento e seu financiamento. Há uma convergência no mundo inteiro entre o sistema tributário progressivo e a redução da desigualdade. Em todos os países se observa isso. No Brasil, tivemos um avanço das políticas sociais via gastos do orçamento, mas o orçamento continua a ser financiado pelos mesmos: os mais pobres. Quem ganha até cinco salários mínimos no Brasil paga pelo menos 56% de sua renda em impostos, em grande parte impostos indiretos.

Quando se discute a questão fiscal, deixa-se de discutir o modelo tributário brasileiro do ponto de vista da equidade fiscal. Além do que, existem inúmeras maneiras de escapar das obrigações fiscais no espaço jurídico e político brasileiro. Segundo, a receita tem hoje cerca de 500 bilhões de dólares no exterior.

A discussão que importa precisa tratar de quem paga e quem recebe. É uma discussão democrática. Estamos todos na mesma sociedade, ou eles pensam que são Robinson Crusoé? Eles vivem do nosso trabalho, da nossa atividade. Essa é uma discussão fundamental neste momento.


RR – Como se resolve isso com um Congresso de senhores ricos, conservadores, representantes dos interesses financeiros mais diversos, portanto, diretamente interessado em manter uma carga tributária como a atual, regressiva?

LGB - Tem o estudo chamado Progressividade tributária: a agenda esquecida, de Rodrigo Octávio Orair e Sergio Wulff Gobetti, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que não tem espaço no debate público, mas é fundamental compreender, porque hoje em dia os que parecem que mais recebem são os que verdadeiramente mais pagam.

Agora, a saída dessa situação, se o Parlamento não consegue, é transferir o debate para as ruas e todas as partes interessadas. É uma obrigação cidadã fazer esse debate crucial. É verdade que o Congresso brasileiro é a expressão das oligarquias regionais. Que representa o povo brasileiro é uma conversa mole. E o povo não tem escolhas, afinal, os candidatos são selecionados pelas burocracias partidárias e essas burocracias são esses que querem controlar o Brasil a qualquer custo. Quem acha que eles vão fazer reforma politica? Não vão! Eles são fruto disso. Isso é uma ilusão.


RR – Como as elites políticas veem a democracia brasileira?

LGB – Com um olhar primitivo do que é, de fato, democracia. Sempre queremos resolver tudo na mão grande, sem considerar os diferentes olhares que nos cercam e que precisam ser mediados para que a sociedade possa superar os seus problemas a partir da discussão de pontos de vista distintos. A democracia é muito complicada e tem custo. O Estado democrático tem o dever de decidir a favor do que é o interesse da maioria. Mas aqui não, estamos vendo o Estado sendo capturado pelos interesses da minoria. É o que estamos assistindo.


RR – O linguista e filósofo Noam Chomsky disse recentemente em entrevista ao jornal espanhol El Mundo que “está diminuindo o apoio às democracias formais, porque não são verdadeiras democracias. Não é de se estranhar que as pessoas não estejam entusiasmadas com esse tipo de democracia”. Você concorda com essa colocação?

LGB - O Chomsky está apontando para um fenômeno que hoje é universal, porque está se manifestando de forma muito mais clara na Europa e agora nos Estados Unidos e a eleição americana é uma prova disso. Se fosse possível juntar os eleitores do [Donald] Trump e do [Bernie] Sanders, eles ganhariam com uma maioria esmagadora. De forma diferente, eles exprimem a mesma coisa. É preciso entender esse fenômeno Sanders-Trump. Uma pesquisa da CNN diz que 57% dos americanos trabalhadores votam no Trump porque não estão felizes com a situação que estão vivenciando.

Voltando um pouco, a democracia nunca foi tão forte na Europa e nos EUA como quando foi possível conciliar a difusão dos direitos com o funcionamento da economia. Quando se conseguiu juntar isso, se deu o Estado de Bem Estar, aquele período chamado de 30 anos gloriosos. Acontece que nos últimos 30 anos, tem-se passado por um processo de dissolução que está no seu ápice hoje e que afeta a democracia formal, porque isso vai solapando a adesão das pessoas ao processo democrático porque faz as pessoas rejeitarem e procurarem outras soluções. Afinal, vai se concentrando o poder de decisões nas burocracias, cada vez mais controladas pelo dinheiro e pelas grandes corporações e assim vai-se encurtando o espaço para a decisão democrática e acantonando os indivíduos em espaços onde as pessoas não têm poder de deliberação.

No Brasil isso também tem acontecido. Só que por aqui é pior porque estamos fazendo de maneira atrasada e obsoleta. Isso não vai dar certo. Não tem nada a ver com o que foi criado nos últimos anos no imaginário social de que é preciso não apenas preservar os direitos conquistados, mas também ampliá-los. Esse golpe não é contra o PT, mas contra o que eles imaginam que o PT representa. É um golpe conservador, de direita, pobre de ideias, inviável do ponto de vista econômico. O que eles estão fazendo não vai prosperar, não tem a mínima chance de prosperar. Temos observado no Brasil uma degradação do debate cultural. As pessoas repetem coisas que já estão obsoletas e não valem mais nada. Todos sabem que as medidas conservadoras, ditas de austeridade, não encontram nenhum apoio das populações.

RR – Essas políticas fortalecem a ideia de que o indivíduo é o único responsável pelo seu sucesso ou fracasso…

LGB - Sim. Essa narrativa da austeridade afetou muito a subjetividade, porque é algo ambíguo. É claro que nos últimos anos houve um reforço da ideia de que o indivíduo tem o seu próprio capital humano e tem de valorizá-lo e se ele fracassar a responsabilidade é só dele. Mas é importante entender que se construiu essa subjetividade neoliberal, mas que agora essa linguagem começa a desmoronar junto com todos os componentes do edifício neoliberal.

Veja a questão do Brexit [abreviação das palavras em inglês Britain (Grã-Bretanha) e exit (saída) para designar a saída do Reino Unido da União Europeia] na Inglaterra. A questão não é se eles saem ou ficam na União Europeia, mas sim é uma discussão de uma Inglaterra vista como espaço democrático, onde as questões são decidas no Parlamento, e a Europa vista como espaço tecnocrático onde as decisões são tomadas em Bruxelas. Os ingleses contrários a manutenção do país na UE não querem ficar a mercê de uma burocracia irresponsável. O ator MIchael Caine acabou de dizer que “não quer ser controlado por uma burocracia sem rosto”. Então, eu diria que estamos diante de um momento de transição, que pode durar muito tempo, mas é irreversível porque essa visão de mundo neoliberal é insustentável. No caso dos EUA prometem que o indivíduo trabalhando duro será bem sucedido e não entregam essa promessa. Esse que é o problema.


RR – A agenda que está posta como alternativa à crise ataca alguns dos pilares da democracia e do que restou dos Estados de Bem-Estar Social: a previdência social, a educação e a saúde universais. Como você vê esses constantes ataques ao ideal de solidariedade que foi fundamental na construção das sociedades mais justas e civilizadas que o mundo conhece?

LGB – Vejo que isso tem umas cores, umas marcas bem brasileiras, que têm a ver com a história social do Brasil. Se tomarmos vários momentos ao longo da história do desenvolvimento, da industrialização e da transformação da sociedade brasileira nós temos de tempos em tempos uma reação conservadora, retrógrada que se exprime em tentativas autoritárias de impedir o avanço da sociedade. Somos uma sociedade profundamente antidemocrática, preconceituosa e mais que isso, culturalmente deformada. Estamos assistindo hoje uma degeneração do que já é degenerado. Aqui não prosperaram os ideais de democracia e Estado de Direito. Tudo é feito com truculência, com arbitrariedade, mesmo aquilo que pretensamente é feito em nome da lei. Sempre com a ideia de que nós sabemos mais do que vocês, por isso você tem que ficar no seu lugar. No Brasil, o que está em curso não é a diminuição da intervenção do Estado na economia, mas sim a apropriação do Estado.


RR – Quanto disso tem a ver com a educação? Por quê?

LGB – Mais que a educação formal é a cultura. É a vida cultural. Nós tivemos uma vida cultural muito rica durante a ditadura pelo lado dos artistas, dos intelectuais, que está se empobrecendo neste momento. E isso reflete mudanças de outra natureza que chegaram aqui e foram incorporadas a essa pobreza em que as classes médias brasileiras vivem. Isso tem a ver sim com o sistema educacional e não acho que seja um fenômeno brasileiro, mas aqui ele pega mais duro. Tenho lido muito sobre a educação na Europa e nos Estados Unidos e esse fenômeno está ocorrendo.

Temos visto aqui no Brasil um movimento por “escolas sem ideologias”. Se o filósofo espanhol José Ortega y Gasset, conservador, ouvisse isso ele morreria, porque ele dizia que temos que permitir que os estudantes tenham acesso a todas as tendências, todas as visões de seu tempo. Esse é o sistema educacional que presta. Não é uma questão de doutrinar, mas de discutir o que chamam de ideologias. Nós todos somos portadores de visões do mundo.
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Nº 19.738 - "Braxit: o Golpe Contra o Mercosul e o Brasil"


28/06/2016



Braxit: o Golpe Contra o Mercosul e o Brasil

 

 Brasil 247 - 28/06/2016

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Marcelo Zero

Marcelo ZeroA saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, provocou uma onda mundial de espanto e críticas.

Muito embora a lógica da integração europeia, inspirada originalmente nos ideais da socialdemocracia, venha sendo deturpada pelas políticas austericidas da Troika, que penalizam os países e as populações mais pobres da Europa, a saída não está na desintegração da União Europeia, mas sim em sua reforma democrática.

Além disso, no caso do Reino Unido, a decisão pelo abandono da UE não foi provocada pela oposição às políticas ortodoxas e socialmente regressivas de Merkel e companhia. Na verdade, ela foi ocasionada pela manipulação, por forças extremamente conservadoras, de sentimentos xenófobos, anti-imigrantes e racistas.
O Brexit foi uma saída à direita, que terá profundas implicações negativas na economia e na sociedade britânica.

Mas o Brexit poderá não ser o único ataque da direita contra processos de integração que envolvem a construção de um mercado comum e de uma cidadania comum. Além de possíveis novas defecções na UE, ensaia-se, no Mercosul, bloco que se inspira na integração europeia, o Braxit, a saída do Brasil.

Trata-se, também, de uma saída pela direita, motivada pelos interesses de uma pequena minoria e inspirada por uma profunda ignorância sobre o significado do Mercosul e da integração regional para o Brasil.

É claro que a oposição conservadora ao Mercosul não é nova. Ela existe desde o Tratado de Assunção, que criou o bloco, em 1991. Para os nossos setores econômicos mais internacionalizados e dependentes de rendimentos financeiros, que configuram o que o economista argentino Jorge Beinstein denomina adequadamente de "lumpenburguesia", a constituição de uma união aduaneira e de um mercado comum regional sempre foi vista como um estorvo que atrapalharia a integração "verdadeiramente relevante" à "globalização" e aos países mais desenvolvidos. O grande negócio era a Alca; não o Mercosul.

Entretanto, o golpe no Brasil levou ao poder setores políticos que, além de não terem votos, não têm visão estratégica do papel do País no mundo.

É de conhecimento que geral que o chanceler do golpe considera que o Mercosul é uma "farsa" e um "delírio megalomaníaco" que impede o Brasil de alçar voos maiores no comércio mundial. Assim, a política externa do governo golpista pretende acabar com a união aduaneira do bloco, de modo a permitir que todos os países possam negociar acordos extrarregionais de forma livre e independente, o que contraria o Artigo I do Tratado de Assunção e levaria o bloco ao seu esfacelamento.

Ora, como na União Europeia, a união aduaneira é a base da constituição do mercado comum. E o mercado comum, por sua vez, embasa todos os outros vetores da integração: a livre circulação de trabalhadores, o combate às assimetrias internas, as políticas conjuntas para as fronteiras, o meio ambiente, a educação e a cultura, a coordenação macroeconômica, a harmonização das legislações dos Estados Partes e a criação de instituições supranacionais. O mercado comum também intenta dar forma e vida a uma estratégia conjunta de inserção no cenário mundial, a qual busca tornar mais exitosa e soberana a participação dos Estados Partes na economia internacionalizada.

Além disso, sem a união aduaneira e o mercado comum, não há o menor sentido em se criar a cidadania comum bloco, tarefa que cabe ao essencialmente ao Parlamento do Mercosul.

Portanto, sem a união aduaneira, o Mercosul deixaria de ser um projeto que visa à construção de um mercado comum e se transformaria inevitavelmente na Alcasul, uma mera área de livre comércio sem estratégia própria, destinada a ser absorvida na órbita geopolítica da única superpotência mundial. Uma área de livre comércio sem livre circulação de pessoas, sem políticas conjuntas, sem combate às assimetrias internas e sem cidadania comum.

Afinal, áreas de livre comércio não constroem cidadanias e direitos para superar desigualdades e assimetrias, erguem muros para lidar com elas, como se faz no Nafta. Talvez seja desejo do governo golpista erguer um muro que nos separe de países como Paraguai e Bolívia.

O fim da união aduaneira é o fim da integração cidadã. É o fim do Mercosul.

O pior, contudo, é que os que propõem o fim do Mercosul o fazem por ignorância. O novo chanceler, que queria que o Congresso Nacional denunciasse o Tratado de Assunção, desconhecendo, assim, noções elementares sobre a Constituição brasileira, desconhece também dados básicos do comércio exterior do país que diz representar.

O Mercosul nunca foi um bloco "autárquico" e "paralisado", como gostam de afirmar equivocadamente os seus críticos.

Em 2002, exportávamos somente US$ 4,1 bilhões para o Mercosul. Já em 2013, incluindo a Venezuela no bloco, as nossas exportações saltaram para US$ 32,4 bilhões. Isso significa um fantástico crescimento de 617%, mais de sete vezes mais, em apenas 11 anos. Saliente-se que, no mesmo período, o crescimento das exportações mundiais, conforme os dados da OMC, foi de "apenas" 180%. Ou seja, o crescimento das exportações intrabloco foi, no período mencionado, muito superior ao crescimento das exportações mundiais. Saliente-se que, nesse período, o Mercosul firmou 10 acordos de livre comércio regionais, inclusive com os Estados que compõem a Aliança do Pacífico, os quais possibilitarão que, até 2019, toda a América do Sul faça parte de uma grande área de livre comércio.

Ademais, entre 2003 e 2014, o Mercosul nos deu um extraordinário saldo positivo de mais de US$ 90 bilhões, sendo que com a Associação Latino-americana de Integração (Aladi), que inclui o Mercosul, tivemos um saldo positivo de US$ 137, 2 bilhões. Com outras regiões, obtivemos um saldo mais modesto.

Observe-se que, se somarmos os saldos dos BRICS, da União Europeia e dos EUA, temos um saldo acumulado de aproximadamente US$ 120 bilhões. Portanto, a Associação Latino-Americana de Integração, cujo principal bloco é o Mercosul, nos deu um saldo comercial positivo superior ao obtido com os EUA, a União Europeia e os BRICS, combinados.

Mas a principal característica de nossos fluxos comerciais com o Mercosul e a Aladi tange ao grande percentual de produtos manufaturados que exportamos para a região. Com efeito, esse dinamismo do Mercosul e da integração regional tem, para o Brasil, uma vantagem qualitativa e estratégica. É que as exportações brasileiras para o bloco são, em mais de 90%, de produtos industrializados, com alto valor agregado.

Exportamos para o bloco automóveis, máquinas agrícolas, material de transporte, celulares, etc. Em contraste, no que tange às nossas exportações para a União Europeia, a China e os EUA, os percentuais de manufaturados são de 36%, 5% e 50%, respectivamente. Portanto, o Mercosul compensa, em parte, a nossa balança comercial negativa da indústria.

Ora, a consequência inevitável do fim da união aduaneira, como propõe a "despolítica" externa do governo golpista, será a perda desse mercado extraordinário para a nossa indústria de transformação. Em pouco tempo, a região será inundada por bens industrializados americanos, europeus e chineses. Da nossa indústria, só sobrarão os poucos setores internacionalizados e "financeirizados" da "lumpenburguesia". Da produção nacional, restará apenas o agribusiness, que continuará a enfrentar as insuperáveis barreiras não alfandegárias impostas pelos países mais desenvolvidos. Seremos, como o México, um país de "maquiladoras", que se integrará às "cadeias mundiais de valor" na condição de produtor de insumos básicos e fornecedor de mão de obra barata.

Dificilmente um erro grotesco como esse do abandono do Mercosul, o Braxit, seria aprovado no contexto correto de uma eleição democrática. Porém, o golpe em curso no Brasil permite que essas e outras abominações sejam levadas a sério.

Temos no Brasil de hoje um "lumpengoverno" sem rumo, sem credibilidade, sem voto, sem projeto nacional e sem estratégia que balize uma política externa coerente. É um governo que não constrói nada. Só desconstrói o que foi feito. No caso da política externa anterior, muito bem feito.

Mas o "lumpengoverno" do golpe ataca também o Mercosul de duas outras formas, além do Braxit.
Ataca a cidadania do bloco, pois pretende desconstruir uma série de direitos trabalhistas, previdenciários e sociais que fazem parte do patrimônio cívico dos cidadãos do Mercosul, representados no Parlamento do Mercosul.
E ataca, com um golpe mortal, o fundamento último do Mercosul: a democracia.

Com efeito, foi a democracia que criou, após o fim das ditaduras militares, o Mercosul e o projeto estratégico da integração soberana e cidadã.

Portanto, o golpe em curso no Brasil é, em si mesmo, afronta grave ao Mercosul e à integração regional.
O Brexit, ao menos, foi decidido em referendo. Trata-se de uma decisão democrática, embora profundamente equivocada.

O Braxit é muito pior. Além de grotescamente equivocado, ele é proposto por um governo sem voto e sem credibilidade, que representa apenas uma "lumpenburguesia" dependente, entreguista e antinacional.
O Braxit é um golpe contra o Brasil e sua democracia.

Nº 19.737 - "Lula: defesa da democracia é uma causa de toda a América Latina"

Nela, Lula afirma que "os golpistas estão empenhados em destruir as conquistas sociais, em vender o patrimônio público, em solapar a solidariedade que construímos entre países irmãos".

Ele disse ainda que "a defesa da democracia no Brasil, como em qualquer outro país da região, é uma causa que diz respeito a todos os companheiros e companheiras da América Latina".

Assista a mensagem que o ex-presidente Lula enviou aos participantes do 21° encontro do Foro de São Paulo, realizado entre os dias 23 e 26 de junho:

https://www.facebook.com/sharer/sharer.php?u=https%3A%2F%2Fwww.facebook.com%2FLula%2Fvideos%2F1024961777572822%2F&display=popup&ref=plugin&src=video

Nº 19.736 - "Dilma: Temer não consegue nem governar sem conversar com Cunha "

"O presidente interino não consegue nem governar sem conversar com o presidente suspenso da Câmara dos Deputados, qu já foi denunciado pelo STF 2 vezes", postou ela.

"O erro mais óbvio q cometi foi a aliança q eu fiz, para a reeleição, com o grupo político de quem teve atitude de usurpação e traição. Poderíamos ter sido mais contundentes para denunciar golpe articulado pela mídia, descontentes que "não queriam pagar o pato”, oposição e golpistas", afirmou ainda.

"É necessário uma profunda reforma política e não está em questão apenas o mandato do pres. da República, mas de todo o Legislativo. Estamos num momento especial. É preciso recompor conquistas e abrir caminhos para que se crie uma verdadeira democracia", acrescentou Dilma.

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segunda-feira, 27 de junho de 2016

Nº 19.735 - " Dilma à Pública : 'não recomponho governo nos termos anteriores em hipótese alguma' "

 

27/06/2016

 

Dilma à Pública : “não recomponho governo nos termos anteriores em hipótese alguma”

publica1


Por   
 

Separei alguns trechos da longa entrevista de Dilma Rousseff a Vera Durão, Natália Viana, Andre Dip e Marina Amaral, da Agência Pública.

Neles, Dilma coloca o ponto de virada do golpismo na tomada de controle de Eduardo Cunha sobre o PMDB, fala das investigações da Lava Jato, da entrega do pré-sal e da discussão sobre a convocação de um plebiscito, no caso de ser reempossada na Presidência.

A seleção, claro, prejudica o todo da entrevista, que trata de diversos outros temas. Mas pode ajudar a uma leitura mais rápida.

Se não puder ir ao site da Pública de imediato, não deixe de ir. É trabalho de primeira linha, que orgulha o jornalismo e, particularmente, às jornalistas que o fizeram e à própria  Dilma. Nem elas deixaram de ousar nas perguntas em temas espinhosos como o aborto, nem ela deixou de responder, mostrando que fala como presidenta, não como uma pessoa privada, que tem o direito de expor tudo o que pensa, o que as responsabilidades do cargo não permitem.

Leia trechos da entrevista:
(…) o que eu quero dizer é que, nesse processo e nessas manifestações pró-impeachment, pra mim, o setor que mais perdeu foi o setor da oposição que tradicionalmente tinha um projeto, que é o PSDB. Acho que o PSDB cometeu um gravíssimo equívoco político. Primeiro perdeu a cara porque endireitou. Mas endireitou não só do ponto de vista dos projetos econômicos ou políticos. Endireitou do ponto de vista dos valores. Se misturou no movimento e deu força a ele. E estimulou, organizou e propôs um movimento que era baseado em algumas questões inadmissíveis. Como é que [o PSDB] se mistura com um [movimento] que defende o golpe militar? Como é que é possível tratar de uma situação em que os direitos individuais e coletivos mais básicos são desrespeitados? Então eu acho que criou naquele momento, nessa transação do impeachment, uma situação muito ruim. Por quê? Porque isso foi orquestrado, querida. Como foi orquestrado? Foi orquestrado logo depois da minha eleição. Não é lá em 2013. A minha eleição é uma eleição extremamente conflitiva. Ultraconflituada. Nunca houve uma eleição no Brasil com aquele perfil. Acaba a eleição, eles pedem recontagem de voto, coisa que no Brasil não se via há séculos. Pedem auditoria na urna eletrônica. As duas coisas não se verificando, eles começam a tentar impedir a minha diplomação. Depois disso, apoiam a ida para a presidência da Câmara do senhor Eduardo Cunha, que tem uma pauta eminentemente de direita. E que faz, talvez, o processo mais grave no Brasil, que foi tornar o centro hegemonizado pela direita, rompendo com uma tradição centro-democrática que vem desde a redemocratização, com Ulysses Guimarães, a Constituinte, em que um dos protagonistas importantes foi o centro democrático no Brasil. O PMDB, o velho MDB, né?

Marina Amaral: Mas o PMDB, na visão da senhora, deu essa guinada quando o Cunha passou a liderá-lo, ou isso já vinha acontecendo?
Dilma: Ele dá essa guinada quando o Cunha assume a hegemonia dele. Porque ele teve a hegemonia. E essa hegemonia está expressa no governo do Michel Temer. Ele é Cunha. O Jucá não mente quando diz que Michel é Cunha. Um dos grandes problemas desse governo é esconder o Cunha. Porque o Cunha não é uma pessoa lateral deles. Ele é o líder deles. Líder em todos os sentidos.
Não é só típico do Brasil, esse mal-estar com a representação política se dá em relação ao mundo todo

Marina Amaral: Do PMDB inteiro ou líder da direita?
Dilma: Estou falando deste grupo que está no poder, este grupo que está no poder não é todo o PMDB, não é. Você tem gente no PMDB… Você tem o Requião no PMDB, o próprio Renan. Você tem pessoas das mais diferentes. Agora, este grupo que hoje é do governo Temer é o grupo hegemonizado pelo Cunha. A proposta dele não é surpresa. O Cunha, vocês sabem – vocês são da imprensa, vocês acompanham –, qual é a pauta do Cunha. E as pautas-bomba que eles nos impunham é pra criar o caldo para o golpe. Qual é a pauta-bomba? Bloqueia o governo. Nós não só não conseguimos aprovar as nossas pautas, como eles apelam para a mais lamentável demagogia, passando pautas que inviabilizam o país. Teve um momento em que, caso aprovasse, seriam 200 bilhões. Depois, mais recentemente, chegou a 400 bilhões. Então, não só não aprova o que você manda, como também cria um nível de obstáculo para o exercício da atividade governamental. E é engraçado, que tem, pra mim, uma característica muito interessante nas críticas desse governo, que são assim, ó: o que esse governo faz? Primeiro, ele denuncia projetos que não existem.

Repórteres: Como assim?
Dilma: Na política externa: “Vou impedir a ideologização que o Brasil faz”. Então denuncia coisa que não existe. E a imprensa apoia. Segundo: critica medidas que nunca estiveram na pauta. Quando é que eles são óbvios? Quando, você pode olhar, toda vez que eles falam o que pensam, são obrigados a voltar atrás. Porque não está no tempo ainda de mostrar todas as garras. Esperemos passar a discussão do impeachment e eleição, aí mostraremos todas as garras. Agora, uma garra feíssima já foi mostrada, né? É essa do teto de gastos. Pra gente ter uma ideia, no caso da educação, eu estou falando dos valores, na educação se gastou mais ou menos 101 bilhões [no ano], se não me engano. A viger es­se pacto, nós teríamos gasto este ano 35 [bilhões] só. Então vejam o que vai significar isso para o futuro. Porque o raciocínio é simples: você corrige o gasto de educação pela inflação; aí aumentam as pessoas [estudando], e o gasto está só corrigido pela inflação, o que acontece? Do ponto de vista real, diminui o gasto por pessoa! Óbvio! Além disso, faz isso mais quatro governos e mais esses dois anos, ou seja, quatro governos estarão impedidos de exercer o direito político do orçamento.
Dilma: Olha, eu acho que todas as riquezas do Brasil têm peso. O pré-sal tem um peso muito especial. O que está na questão do pré-sal? Não é a participação do setor privado. Por quê? Porque ele participa do pré-sal. Vamos olhar o leilão de Libra, que é o único campo do pré-sal integral, não tem nenhum outro. Então vamos olhar a prova material. Quem é que participa de Libra? Participam de Libra quatro empresas privadas: Shell, que é uma grande empresa; Total, que é uma empresa francesa grande – não é uma major, mas é uma quase major –; duas chinesas, a CNOOC e a CNPC. É bom lembrar que os maiores compradores de petróleo do mundo são os chineses. O controle da distribuição do petróleo está na mão dos chineses. Daí porque qualquer grande empresa privada internacional gosta da parceria com os chineses. Para a gente não ser otário e ficar achando que a presença de chinês é algo terrível, como diziam umas pessoas do Rio de Janeiro.
 
Natalia Viana: Mas aquela modificação proposta pela senhora…
Dilma: Não, mas aí o que é o problema? Não é a presença [dos estrangeiros]. O problema é o seguinte: são dois regimes, o de concessão e o de partilha. O regime de concessão se caracteriza pelo fato de que quem achar o petróleo é dono do petróleo. Se achou o petróleo, qualquer empresa – da Petrobras a qualquer uma – achou, no Brasil, ele é dono da jazida. Por que isso? O risco de não achar é muito alto. Muitas empresas, inclusive pequenas, quebram porque não acham. E aí, gastou 20 milhões, 30 milhões, até 100 milhões de dólares para prospectar. Bom, o que acontece no Brasil? No pós-sal, o nosso petróleo era difícil de achar, implicava riscos, era com grande teor de enxofre, com uma coisa que chama API – uma forma de medir a qualidade do petróleo – muito baixo, 14, 15 graus API. E, além disso, em muitos lugares [encontrava-se] pouco petróleo. Não eram grandes campos. Então não era muito petróleo, a qualidade não era muito boa e com um risco elevado. Modelo de concessão correto porque quem achou leva a parte do leão, o petróleo. Que faz com que você tenha um lucro bastante razoável.
Como é o pré-sal? O pré-sal foi descoberto por prospecção, exploração e pesquisa da Petrobras. Foi demarcada uma poligonal e nós sabemos que o grosso está lá dentro dessa poligonal. Nós sabemos que é de muito boa qualidade e que é muito. Então o petróleo do pré-sal é completamente diferente do pós-sal. Então o modelo do pré-sal é de partilha por quê? Pra quem fica a parte do leão, ou seja, o petróleo? Fica pro dono dele. Quem é o dono? A União. E as empresas privadas ficam com uma parte. Pra você ter uma ideia, mais ou menos, eu vou falar entre 75% a 80% para a União e o restante…

Vera Durão: Para as privadas?
Dilma: Não é para as privadas, não, para a dona, Petrobras inclusa. Por isso que eu falo 70% a 75%, porque, se você botar a Petrobras junto com a União, aí dá uns 80% para o país. Agora, pergunto a você, o que leva quatro grandes empresas internacionais a virem aqui e pagarem 20 bilhões sabendo que a regra é essa? Muito petróleo, a certeza de que vai achar, da qualidade e do lucro, portanto. Então, o que estão querendo fazer é um absurdo. Alterar o regime de partilha é, de fato, um absurdo. Esse pode ser um dos elementos que eles jamais conseguiriam num processo eleitoral com discussão com a população – convencer a população de que isso era bom para o país. Portanto, através da eleição, eles não iriam conseguir a aprovação disso. Agora, acho que essa é uma questão. Eles também vão reduzir a saúde, acabar com o Minha Casa, Minha Vida. Já acabaram! Porque acabaram já com a faixa 1. A faixa 1 é a faixa pobre do Oiapoque ao Chuí.

Vera Durão: Dilma, você acha que a maldição do petróleo também passou aí pelo processo que levou ao seu afastamento?
Dilma: O que eu acho grave no Brasil nessa área é… Eu sou a favor – inclusive tenho sido acusada, uma das causas do meu impeachment é o fato de que o meu governo foi favorável, o meu governo não impediu investigação de corrupção. Nós somos completamente favoráveis a isso. Agora, também sempre deixamos claro que, quando você combate a corrupção, você não pode destruir nem as empresas nem os empregos. Assim como se faz no resto do mundo. Os Estados Unidos tiveram recentemente, junto com o resto do mundo, talvez o maior processo de corrupção que foi os bancos, os seus derivativos, e todos os processos que levaram a perdas astronômicas.

Vera Durão: A crise de 2008.
Dilma: Isso, a crise de 2008. Eles não destruíram os bancos. O que eles fizeram? Cobraram multas elevadas, puniram os executivos e não destruíram os bancos. O que no Brasil poderia se fazer também: multa, prende os executivos, mas não destrói as empresas. Não impeça que elas tenham crédito. Não faça com que elas destruam seus empregos. Por que eu estou falando nisso nessa altura? Porque a cadeia de petróleo e gás é muito importante para o crescimento do Produto Interno Bruto do Brasil. Ela gera emprego, se calcula que ela responda entre 1 e 2 pontos percentuais do PIB. Então atirar na cadeia de petróleo e gás é atirar no PIB do país.

Vera Durão: Tem um efeito cascata gigante.
Dilma: Violento. Que é outra explicação da crise também.

Marina Amaral: A esquerda citou muito o pré-sal durante a articulação do impeachment. Falou-se que havia influências estrangeiras nessa tentativa de derrubar a senhora do poder e que isso estaria associado ao pré-sal. A gente vê que o projeto de alteração do pré-sal é do senador José Serra, que assumiu o Ministério das Relações Exteriores. A senhora vê alguma relação nisso ou a senhora acha que é pura especulação?
Dilma: Eu repito para você: eu acho que eles jamais conseguiriam fazer com o pré-sal o que pretendem sem ser através de métodos absolutamente fraudulentos e golpistas. Por eleição direta não fariam. E eles não ganham eleição direta há muitos anos. Então, eu acho que tentaram encurtar o caminho. 
(…)
Natalia Viana: Presidente, ontem foi preso, em um desdobramento da Lava Jato, o Paulo Bernardo, que foi ministro no seu governo, acusado de um superfaturamento de 100 milhões pela empresa de tecnologia que geria sistema de crédito consignado a funcionários. Diz a PF que o dinheiro seria usado para caixa 2 do PT. Por outro lado, o Marcelo Odebrecht assinalou que…
Dilma: Querida, posso te falar uma coisa? Eu não sei no que vai dar. E nem o que está em processo na prisão do Paulo Bernardo. Então, você vai me desculpar, mas você não vai querer que eu faça uma avaliação sobre coisas que estão sob investigação da Justiça. Agora, acho estarrecedor me perguntar sobre o Marcelo Odebrecht, que nem concluiu a sua delação premiada. Tirante a hipótese de que o seu jornal – e aqui eu vou engrossar – tenha uma escuta dentro da cela, ou do lugar onde ele está fazendo a delação, vocês não têm o direito de me perguntar nada.

Natalia Viana: Na verdade, a pergunta não era em relação a isso.
Dilma: Eu tenho imensa indignação com esse tipo de uso político das investigações da Lava Jato. Uso político.

Natalia Viana: A pergunta era se a senhora acredita que essas revelações afetam suas chances no impeachment.
Dilma: Não, minha querida. Eu acho que eu estou em um nível de vacinação absoluta contra isso. Isso tem sido feito sistematicamente contra mim. Sistematicamente. A última que arquivaram foi aquela em que quase caiu o mundo na minha cabeça porque eu liguei para o Lula e falei: “Vou mandar aí o Bessias”. Agora foi arquivado. Agora, o pato que eu pago enquanto não está arquivado é imenso. E eu me recuso a discutir Marcelo Odebrecht numa delação que nem acabou. Tem vazamento daquilo que não foi feito, tem vazamento… e tudo seletivo. Primeiro vaza eu e fazem um escândalo com isso. E depois aparece o resto. Como que fica? Não sei o que que é o Paulo Bernardo, tem um ano essa investigação, não sei por que prenderam hoje, não tenho a menor ideia… Ele estava fugindo? Preventiva tem de ter motivo. Eu me recuso a dar elementos para um tipo de praxe que a imprensa brasileira está tendo de uso seletivo. Porque a tese era a seguinte: tinha um único partido no Brasil que tinha corrupção. O que se vê é que não é isso que está acontecendo.

Vera Durão: Sérgio Machado disse que é desde 1946.
Dilma: É. O Sérgio Machado deve ser um experiente conhecedor disso. Bom, o que estou dizendo é que não vou compactuar com isso. E comigo é sistemático. Até o ponto do meu cabelo. Eu perdi a paciência no dia do meu cabelo [Merval Pereira, do Jornal O Globo, veiculou em sua coluna que Dilma teria usado dinheiro da refinaria de Pasadena para pagar itens pessoais. Saiba mais].

       Vera Durão: Você já tomou as devidas providências?
Dilma: Todas. Eu vou processar criminalmente. O dia em que eu processar vai sair na imprensa. Mas eu vou.
(…)

Vera Durão: Se você reassumir, você vai mudar isso, esse presidencialismo de coalizão?
Dilma: Eu farei basicamente um governo de transição. Porque é um governo que vai ter dois anos, e o que nós temos de garantir neste momento é a qualidade da democracia no Brasil, o que vai ocorrer em 2018. Eu farei isso, sobretudo. Acho que cabe a discussão de uma reforma política no Brasil, sem dúvidas. Nós tentamos isso depois de 2013 e perdemos fragorosamente. Tentamos Constituinte, tentamos reforma política, tentamos…


Natalia Viana: Teria força para um plebiscito?
Dilma: Não sei. Não tenho ideia.
Marina Amaral: Mas há esse compromisso da senhora, chamar um plebiscito?
Dilma: Não, não. Está em discussão isso. Não há um consenso. É uma das coisas. Uma das propostas colocadas na mesa. Agora, há de todo mundo uma opção por eleição direta, né? Sempre.

Vera Durão: Agora, Dilma, você não pode escapar dessa prisão desse presidencialismo de coalizão apelando para os seus eleitores, para o povo? Como você está fazendo agora?
Dilma: É que nós vamos continuar isso. Vou continuar fazendo. Não tem mais como recompor. Vou te falar, eu não recomponho governo nos termos anteriores em hipótese alguma.

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