domingo, 13 de setembro de 2009
Contraponto 253 - O 11 de setembro no Chile
13/09/2009
Viomundo Atualizado e Publicado em 12 de setembro de 2009 às 19:51
Médici e Nixon articularam golpe militar que derrubou Salvador Allende
Documentário exibido no dia em que se completa 36 anos do golpe militar no Chile retrata trama urdida pelos militares por determinação da burguesia chilena e dos governos dos Estados Unidos e do Brasil
Por Lúcia Rodrigues
“Eu não sabia o que era tomar leite com chocolate e com Allende eu soube. Eu nunca tivera sapatos, mas com Allende no governo, tive. Não comíamos frango, mas com Allende passamos a comer”, afirma Camilo Arias, ao descrever o governo do primeiro presidente socialista do Cone Sul, eleito em setembro de 1970.
Arias tinha por volta de 11 anos de idade e morava em uma favela chilena quando os militares golpistas depuseram Salvador Allende da presidência do Chile, em setembro de 1973. A preocupação com a melhoria da qualidade de vida da população empobrecida fascinou a criança. O chileno conta que naquela época se respirava socialismo no país.
“Lembro que quando Allende foi à ONU, jogávamos bola na rua, mas ouvíamos seu discurso pelo rádio. Hoje a juventude não sabe o que aconteceu no país. Mas em 70 falávamos de Allende na escola, os professores conversavam conosco sobre seu governo. E diziam que era importante para o nosso futuro”, destaca.
Para o diretor do Fórum de Ex Presos e Perseguidos Políticos e membro do Núcleo Memória, Ivan Seixas, Brasil e Chile têm várias similitudes. “A esquerda apostou no processo democrático nos dois países e tentou conter a reação. A crueldade das duas ditaduras também foi muito parecida.”
Ele explica que os torturadores brasileiros foram ao Chile para ensinar tortura aos militares golpistas. O delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), Sérgio Paranhos Fleury, e o capitão do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), Enio Pimentel Silveira, conhecido nos porões do regime como doutor Nei, foram alguns dos “professores” de tortura no Chile.
A Escola das Américas, centro de formação de torturadores e braço repressivo dos norte americanos, também teve papel destacado no fornecimento de “mão de obra” para o combate aos ativistas de esquerda no país.
O brasileiro e militante da ALN (Ação de Libertação Nacional), Domingos Fernandes, viveu a repressão dos golpistas na pele. Ele chegou ao Chile em agosto de 73, vindo da Itália depois de ter saído clandestinamente do Brasil.
Fernandes descreve o clima de instabilidade que permeava o cenário político chileno em setembro de 1973. “As pessoas sentiam que o golpe viria. Estávamos preparados para resistência, só não imaginávamos que seria da forma como ocorreu. Achávamos que se ficássemos na resistência, Allende sairia vitorioso”, ressalta.
Os golpistas chilenos já haviam tentado depor Allende em junho de 1973, no episódio que ficou conhecido como “tancaço”, quando tanques militares cercaram o Palácio de La Moneda, e metralharam vários manifestantes. Mas os militares leais a Allende e o apoio das forças populares impediram que o golpe lograsse sucesso naquele momento.
O general Carlos Platz, comandante chefe do Exército, exigiu a punição dos golpistas. Em reação, as mulheres dos oficiais militares realizaram protesto em frente à sua residência, o insultaram e forçaram sua renúncia. Em seu lugar, Allende nomeou Pinochet, que estava hierarquicamente abaixo de Platz.
Entre junho e setembro de 73, Allende tentou dialogar com os partidários da Democracia Cristã, mas assim como a extrema direita, a força política estava resoluta na decisão de derrubar o socialista. Em 11 de setembro, Exército, Força Aérea, Marinha e Carabineiros (policiais militares) colocam em operação o golpe da burguesia.
A movimentação das tropas militares começou por voltas das cinco horas da manhã, segundo o relato de Fernandes. “Ouvimos o barulho da movimentação do golpe. Não havia celular, mas conseguimos nos comunicar com os companheiros.”
Os estrangeiros, como os brasileiros, ficaram mais expostos à repressão do que os próprios chilenos. O sotaque era um elemento denunciador. Os militares incentivavam a delação de estrangeiros. “Diziam que os estrangeiros que estavam no Chile, eram de esquerda”, conta.
O ativista da ALN conseguiu asilo político na Embaixada da Argentina, em 21 de setembro. “A maneira de sair do Chile era via embaixadas”. O Partido Comunista Italiano conseguiu um passaporte diplomático falso para Fernandes e ele foi viajou para Portugal. Antes disso, conseguiu colocar vários brasileiros dentro da Embaixada Argentina e livrá-los da morte..
Sabotagem da direita
A burguesia chilena fez de tudo para desgastar o governo da União Popular e pavimentar o terreno para o golpe militar. O discurso e a prática política de Allende a deixava em polvorosa.
Allende expropriou fábricas e colocou os trabalhadores em seu comando, estatizou bancos, nacionalizou o cobre, principal commodity do país, implantou a reforma agrária, inclusive, para os índios mapuches, e melhorou a vida dos pobres de uma maneira geral.
Quando Fidel Castro visitou o país, em novembro de 1971, as donas de casa da classe média fizeram um panelaço em protesto. A direita começa a realizar atentados, sabotagens contra oleodutos e centrais elétricas, passam a agredir parlamentares da Unidade Popular. Em outubro de 1972, os donos de transportadoras de caminhão organizam um locaute para provocar o desabastecimento da sociedade. No início de 1973, começa o racionamento de alimentos. As filas são enormes e falta de tudo nas gôndolas dos supermercados. Tudo isso, regido orquestradamente pela direita que preparava o golpe contra o governo popular.
O documentário Pela Razão ou Pela Força, de Denis Barbosa, exibido nesta sexta-feira, 11, data em que se completa 36 anos do golpe militar no Chile, no Memorial da Resistência, em São Paulo, é um retrato fidedigno da trama sórdida urdida pelos militares por determinação da burguesia chilena e dos governos dos Estados Unidos e do Brasil.
O historiador do Arquivo Nacional de Segurança dos Estados Unidos, Peter Kornbluh, descobriu recentemente documentos que revelam o envolvimento do ex presidente brasileiro Emílio Garrastazu Médici no golpe que derrubou Allende. Relatório de Henri Kissinger relata reunião entre Médici e o ex presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, datado de 1971, que comprova que os dois trabalhavam pelo golpe que derrubaria o médico socialista que dirigia o país andino.
Allende não se rendeu aos bombardeios dos golpistas. “Allende não se rende, merda”, afirmou o socialista antes de morrer. O presidente também garantiu a saída de quem quis abandonar o Palácio La Moneda quando começaram os bombardeios. Cumprimentou a todos e agradeceu pela contribuição que deram ao governo da Unidade Popular.
Às nove horas da manhã do dia 11 de setembro o som das bombas que eram lançadas sobre o La Moneda era absolutamente ensurdecedor. A partir daquele instante o país mergulharia no mais profundo silêncio.
A liberdade de expressão estava banida do país por 17 longos anos. Os únicos sons que se ouviam no Chile eram os gritos dos torturados e o barulho das metralhadoras nos pelotões de fuzilamento contra os oposicionistas. O famoso cantor de música popular Victor Jara foi uma dessas vítimas do general Pinochet. Jara teve o corpo cortado ao meio por uma rajada de metralhadora após ter as duas mãos quebradas.
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