31/03/2011
Líbia, a lucratividade da invasão
Enviado por luisnassif, qui, 31/03/2011 - 12:00           30 de março de 2011 às 17:45
  Pepe Escobar: Os que já estão lucrando com a invasão da Líbia 
Não há business como o guerra-business
30/3/2011
 por Pepe Escobar, Asia Times Online
 Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
 Mentiras, hipocrisias e agendas ocultas. Eis os temas dos quais o  presidente Barack Obama não tratou, ao explicar aos EUA e ao mundo a sua  doutrina para a Líbia. A mente se perde, vacila, ante tais e tantos  buracos negros que cercam essa esplêndida guerrinha que não é guerra (é  “ação militar com escopo limitado por prazo limitado”, nos termos da  Casa Branca) – complicados pela inabilidade do pensamento progressista,  que não consegue condenar, ao mesmo tempo, tanto a crueldade do governo  de Muammar Gaddafi quanto o “bombardeio humanitário” dos exércitos de  EUA-anglo-franceses.
 A Resolução n. 1.973 do Conselho de Segurança da ONU operou como  cavalo de Tróia: permitiu que o consórcio EUA-anglo-francês – e a  Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – se convertesse em  força aérea da ONU usada para apoiar um levante armado. Aparte nada ter a  ver com proteger civis, esse arranjo é absoluta e completamente ilegal  em termos da legislação internacional. O objetivo final aí ocultado, que  até as crianças subnutridas da África já viram, mas que ninguém assume  ou confessa, é mudar o governo na Líbia.
 O tenente-general Charles Bouchard do Canadá, comandante da OTAN para  a Líbia, que insista o quanto quiser, repetindo que a missão visa  exclusivamente a proteger civis. Pois os “civis inocentes” lá estão,  dirigindo tanques e disparando Kalashnikovs, brigada de farrapos que, de  fato, são soldados em guerra civil. O problema é que, agora, a OTAN foi  convertida em força aérea daquele exército, seguindo as pegadas do  consórcio EUA-franco-inglês.
 Ninguém diz que a “coalizão de vontades” que hoje combate o governo  líbio é coalizão de apenas 12 vontades (das 28 vontades representadas na  OTAN), mais o Qatar. Isso absolutamente nada tem a ver com a  “comunidade internacional”.
 O veredicto sobre a zona aérea de exclusão ordenada pela ONU só será  conhecido depois que houver governo “rebelde” na Líbia e terminar a  guerra civil (se terminar rapidamente). Só então se poderá saber se,  algum dia, os Tomahawks e bombas-em-geral foram algum dia justificados; o  porquê de os civis de Cyrenaica terem sido “protegidos”, ao mesmo tempo  em que os civis em Trípoli foram Tomahawk-eados; quem, afinal eram os  ditos “rebeldes” ditos “salvos”; se a coisa toda, desde o início, em  algum momento deixou de ser ilegal; como aconteceu de uma resolução do  Conselho de Segurança da ONU ser usada para acobertar golpe de Estado  (digo, “mudança de regime”); como o caso de amor entre “revolucionários”  líbios e o Ocidente pode acabar em divórcio sangrento (lembrem o  Afeganistão!); e quais os atores ‘ocidentais’ que lucrarão mais,  imensamente, com a exploração de uma nova Líbia – seja unificada seja  balkanizada.
 Pelo menos por hora, é muito fácil identificar os que já estão lucrando.
 O Pentágono
 Roberto “O Supremo do Pentágono” Gates disse no fim-de-semana, na  maior cara dura, que só há três regimes repressivos em todo o Oriente  Médio: Irã, Síria e Líbia. O Pentágono se encarrega agora do elo mais  fraco – a Líbia. Os outros dois sempre foram figuras chaves da lista dos  neoconservadores, de governos a serem derrubados. Arábia Saudita,  Iêmen, Bahrain etc. são exemplos de democracia.
 Como nessa guerra de prestidigitação “agora se vê, agora não se vê”, o  Pentágono obra para lutar não uma, mas duas guerras. Começou pelo  AFRICOM – Comando dos EUA na África –, criado no governo George W Bush,  reforçado no governo Obama, e rejeitado por legiões de governos,  intelectuais, organizações de direitos humanos e especialistas  africanos. Agora, a guerra está em transição, passando para as mãos da  OTAN, que é o mesmo que a mão pesada do Pentágono sobre seus asseclas  europeus.
 É a primeira guerra africana do AFRICOM, comandada agora pelo general  Carter Ham diretamente de seu quartel-general nada-africano em  Stuttgart. O AFRICOM é fraude, como diz Horace Campbell, professor de  estudos afro-norte-americanos e ciência política na Syracuse University:  fundamentalmente, é uma frente de operação comercial, para que empresas  contratadas pelos militares nos EUA – Dyncorp, MPRI e KBR possam fazer  negócios na África. Os estrategistas dos EUA que muito se beneficiaram  na porta giratória que se criou entre as privatizações e as guerras  estão adorando a intervenção na Líbia, como magnífica oportunidade para  dar credibilidade político-militar ao AFRICOM-business.”
 Os Tomahawks do AFRICOM-EUA atingiram também – metaforicamente – a  União Africana (UA) a qual, diferente da Liga Árabe, não se deixa  facilmente comprar pelo ocidente. As petro-monarquias do Golfo, todas,  festejaram o bombardeio; Egito e Tunísia, não.
 Só cinco países africanos não são subordinados ao AFRICOM-EUA: Líbia, Sudão, Costa do Marfim, Eritreia e Zimbabwe.
 A OTAN
 O plano master da OTAN é dominar o Mediterrâneo, como lago  da OTAN. Sob essa “ótica” (no jargão do Pentágono), o Mediterrâneo é  infinitamente mais importante hoje, como teatro de guerra, que o  “AfPak”.
 Apenas três, das 20 nações do ou no Mediterrâneo não são da OTAN ou  aliadas de seus programas “de parceria”: a Líbia, o Líbano e a Síria. O  Líbano já está sob bloqueio da OTAN desde 2006. Atualmente, já há  bloqueio também contra a Líbia. Os EUA – via OTAN – já praticamente  conseguiram fazer do círculo, o quadrado. Que ninguém se engane: a Síria  é o próximo alvo.
 A Arábia Saudita
   Excelente negócio! O rei Abdullah vê-se livre de  Gaddafi, seu arqui-inimigo. A Casa de Saud – do modo abjeto que é sua  marca registrada – rende-se ao atraso, para beneficiar o ocidente. A  atenção da opinião pública ganha objeto alternativo, para distrair-se:  os sauditas invadem o Bahrain, para esmagar movimento popular legítimo,  pacífico, pró-democracia.
 A Casa de Saud vendeu a ficção segundo a qual “a Liga Árabe” teria  votado unanimemente a favor da zona aérea de exclusão. É mentira.
 Dos 22 membros da Liga Árabe, só 11 estiveram presentes à sessão que aprovou a “no-fly zone”; seis desses são membros do Conselho de Cooperação do Golfo, gangue da qual a Arábia Saudita é o cão-chefe.
 A Casa de Saud teve de aplicar uma chave-de-braço em três. A Síria e a Argélia estavam contra a no-fly zone contra a Líbia. Tradução: só nove, dentre 22 países árabes, votaram a favor de implantar-se a zona aérea de exclusão na Líbia.
 Agora, a Arábia Saudita já pode até mandar que o presidente do  Conselho de Cooperação do Golfo Abdulrahman al-Attiyah declare sem  piscar que “o sistema líbio perdeu a legitimidade”. Sobre a Casa de Saud  e os al-Khalifas do Bahrain… não faltará quem os indique para o Hall da Fama da Assistência Humanitária.
 O Qatar
 O país que hospedará a Copa do Mundo de Futebol de 2022 sabe, sim,  amarrar negócios. Seus Mirages já ajudavam a bombardear a Líbia,  enquanto Doha preparava-se para vender aos mercados ocidentais o  petróleo da Líbia. O Qatar foi o primeiro país a reconhecer o governo  dos “rebeldes” líbios como único governo legítimo; fê-lo um dia depois  de ter fechado o negócio do varejão do petróleo líbio no ocidente.
 Os “rebeldes”
 Sem desrespeitar as importantes aspirações democráticas do movimento  da juventude líbia, fato é que o grupo mais bem organizado da oposição a  Gaddafi é a Frente Nacional de Salvação da Líbia – há anos financiada  pela Casa de Saud, pela CIA e pela inteligência francesa. O “rebelde’  “Conselho Nacional do Governo de Transição” é praticamente a velha  Frente Nacional, acrescida de alguns militares desertores. A “coalizão”  “protege” essa “elite” de “civis inocentes”, hoje.
 Nessa linha, o “Conselho Nacional do Governo de Transição” acaba de  nomear novo ministro das finanças: Ali Tarhouni, economista formado nos  EUA. Foi ele quem disse que vários países ocidentais há lhe haviam dado  créditos, sob garantias do fundo soberano líbio; e que os britânicos lhe  deram acesso a 1,1 bilhão de dólares do dinheiro de Gaddafi.
 Significa que o consórcio EUA-anglo-francês – e agora a OTAN –, só  terão de pagar a conta da compra das bombas. No que tenha a ver com  histórias da imundície das guerras, essa é impagável: o ocidente está  usando o dinheiro da Líbia para pagar um bando de líbios oportunistas  interessados em derrubar o governo da Líbia. França e Inglaterra gozam,  de tanto que amam as bombas. Nos EUA, os neoconservadores devem estar se  estapeando, lá entre eles, de inveja: por que o vice-secretário de  Defesa Paul Wolfowitz não teve a mesma ideia, para o Iraque, em 2003?
 A França
 Oh la la, a coisa bem poderia servir de substrato para  romance proustiano. A coleção estrela da primavera francesa nas  passarelas parisienses é o show de moda-fantasia de Nicolas Sarkozy: uma  zona aérea de exclusão na Líbia, rebordada com ataques-acessórios pelos  jatos Mirage/Rafale. Todo o show e pirotecnia foi concebido por Nouri  Mesmari, chefe de protocolo de Gaddafi, que desertou e fugiu para a  França em outubro de 2010. O serviço secreto italiano vazou para  jornalistas e jornais selecionados os detalhes da deserção e da fuga. O  papel do DGSE, serviço secreto francês, está mais ou menos explicado no  e-jornal (só para assinantes) Maghreb Confidential.
 A verdade é que o coq au vin da revolta de Benghazi já  estava cozinhando em fogo baixo desde novembro de 2010. Os  galos-estrelas foram Nouri Mesmari; Abdullah Gehani, coronel da Força  Aérea da Líbia; e o serviço secreto francês. Mesmari era chamado “o  WikiLeak líbio”, porque vazou quase todos os segredos militares de  Gaddafi. Sarkozy adorou, furioso desde que Gaddafi cancelou gordos  contratos para comprar aviões Rafales (para substituir os Mirages líbios  que, hoje, estão sendo bombardeados por Mirages franceses) e usinas  nucleares francesas.
 Isso explica por que Sarkozy, que estava tão animadinho, posando de  neoliberador de árabes, foi o primeiro líder europeu a reconhecer “os  rebeldes” (para tristeza de muitos, na União Europeia) e o primeiro a  bombardear as forças de Gaddafi.
 Vê-se aí também exposto o papel do desavergonhado filósofo e  autopropagandista Bernard Henri-Levy, que se esfalfou enchendo a mídia  mundial com notícias de que ele telefonara a Sarkozy, de Benghazi, e  assim despertou o filão humanitário no coração do presidente. Ou Levy é o  otário da hora, ou é uma conveniente cereja “intelectual” acrescentada  ao já assado bolo-bomba contra Gaddafi.
 Ninguém detém Sarkozy, o Terminator. Já avisou todos os  governos árabes que estão na mira para serem bombardeados ao estilo  Líbia se espancarem manifestantes. Até já avisou que a Costa do Marfim  seria “a próxima”. Bahrain e Iêmen, claro, não têm com o que se  preocuparem. Quanto aos EUA, mais uma vez os EUA apoiam golpe militar  (não deu certo com o Omar “Sheikh al-Tortura” Suleiman no Egito. Talvez  funcione na Líbia).
 Al-Qaeda
 O coringa sempre conveniente renasce. O consórcio EUA-franco-inglês –  e agora também a OTAN – outra vez combatem aliados à al-Qaeda, dessa  vez representada pela al-Qaeda no Maghreb (AQM).
 Abdel-Hakim al-Hasidi, líder dos “rebeldes” líbios – que combateu ao  lado dos Talibã no Afeganistão – confirmou, com detalhes, para a mídia  italiana, que recrutara pessoalmente “cerca de 25” jihadistas na região  de Derna no leste da Líbia para combater os EUA no Iraque; e que agora  “eles estão na linha de frente em Adjabiya”.
 Isso, depois de o presidente do Chad Idriss Deby ter dito que a  al-Qaeda no Maghreb assaltou arsenais militares na Cyrenaica e  provavelmente já têm alguns mísseis terra-ar. No início de março, a  al-Qaeda no Mahgreb apoiou publicamente os “rebeldes”. O fantasma de  Osama bin Laden deve estar rindo como o gato Cheshire de Alice; mais uma  vez, conseguiu por o Pentágono a trabalhar para ele.
 Os privatizadores da água
 Poucos no ocidente sabem que a Líbia – como o Egito – repousa sobre o Sistema Aquífero do Arenito Núbio [ing. Nubian Sandstone Aquifer]:  é um oceano de extremamente valiosíssima água doce. Ah, sim, sim, essa  guerra de prestidigitação “agora se vê, agora não se vê”, é crucial  guerra pela crucial água.
 O controle do aquífero é patrimônio sem preço: além da água para  beber, o prestígio para dominar: a EUA-França-Inglaterra “resgatando”  valiosos recursos naturais, das mãos dos árabes “selvagens”.
 É um Aquedutostão – enterrado fundo no coração do deserto. São 4.000  quilômetros de dutos. É o Maior Projeto de Rio Criado pelo Homem [ing. Great Man-Made River Project (GMMRP)],  que Gaddafi construiu por 25 bilhões de dólares sem tomar emprestado  nem um centavo nem do FMI nem do Banco Mundial (mais um exemplo de  barbárie de Gaddafi, que não se deve deixar vazar para o resto do mundo  subdesenvolvido).
 O sistema GMMRP fornece água para Trípoli, Benghazi e todo o litoral  da Líbia. A quantidade de água disponível, estimada por especialistas, é  o equivalente à toda a água que corre pelo Nilo por 200 anos.  Comparem-se esses números os números das chamadas “Três Irmãs” –  empresas Veolia (ex-Vivendi), Suez Ondeo (ex-Generale des Eaux) e Saur –  as empresas francesas que controlam mais de 40% do mercado global de  água.
 Todos os olhos devem-se focar, atentos, para ver se algum dos  aquedutos da GMMRP serão bombardeados. Cenário altamente possível, caso  sejam bombardeados, é que imediatamente comecem a ser negociados os  gordos contratos de “reconstrução” – que beneficiarão a França. Será o  passo final para privatizar toda aquela – até o momento gratuita – água.  Da doutrina do choque, chegamos à doutrina da água.
 Essa lista dos que ganham com a guerra está longe de ser completa –  ainda não se sabe quem ficará nem com o petróleo nem com o gás natural  da Líbia. Enquanto isso, o show (das bombas) tem de continuar. Não há business como o guerra-business.
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