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15/03/2013
Boechat fala sobre jornalismo, carreira e saída da Globo
Enviado por luisnassif, sex, 15/03/2013 - 17:45
Do site Na Telinha
Um dos mais respeitados jornalistas
do Brasil atendeu o NaTelinha para uma conversa exclusiva na tarde
desta quinta-feira (14). No meio de sua redação, Ricardo Boechat parou
por alguns minutos a preparação para o “Jornal da Band”, que seria
exibido pouco tempo depois.
Entre vários assuntos, Boechat
contou como ingressou na carreira de jornalista. “O máximo que me
imaginei foi ganhar uma grana para pagar as minhas coisas”, disse ele,
explicando que não imaginava chegar aonde chegou. E comentou a respeito
da obrigatoriedade de diploma: "Eu acho que não deveria se fazer uma
exigência de diploma especifico porque eu não vejo currículo suficiente
para se ensinar em quatro anos".
Ele tocou também em temas
delicados, como a sua turbulenta saída da Globo em 2001, após sérias
acusações. “Claro que aquilo me machucou absurdamente, me feriu, me
ofendeu, me indignou, revoltou e conseguiu alguns anos de rancor. Claro
que sim. Era meu ambiente, minha casa, meus amigos, minha vida”,
desabafou.
Quando questionado se aceitaria
voltar à Globo, Boechat é taxativo: “A troco de que? A Globo não tem
culhão pra me dar a liberdade que a Band me dá. [...] Eu dificilmente
toleraria isso”.
Confira a entrevista na íntegra:
NaTelinha - Você não fez
faculdade e nem terminou o segundo grau. Principalmente por conta disso,
algum dia você imaginou chegar aonde chegou?
Ricardo Boechat - Então,
eu não fiz jornalismo como um projeto pré-elaborado. Eu fiz jornalismo
como poderia ter feito outras coisas. Tanto que eu tentei formação em
atividades completamente diferentes, como ser vendedor de material de
escritório, mas isso eu estou falando de uma fase da vida em que eu
tinha 16 anos.
Por volta dos 17, meu objetivo era
muito específico, muito focado, que era independência suficiente pra
poder pagar minhas continhas, tomar meu chopp, ir ao cinema com minha
namorada e tal. Essas coisas que os jovens que não tem mesada têm que
conseguir por conta própria pra poder fazer o básico ou atender às
demandas da adolescência, que apesar de serem relativamente baratas, são
muitas.
É isso, mas a minha ansiedade era mesmo trabalhar, quem sabe morar sozinho mesmo.
NT - E como o jornalismo entrou nessa história?
RB - Foi meio que
por acidente. Eu já tinha parado de estudar, estava de saco cheio da
escola, estava vendendo livros. Na verdade minha mãe e meu pai vendiam
livros e eu pegava material de propaganda de algumas coleções mais
baratas, mais simples, mais geral, e procurava pais de amigos de escola.
Então eu ia à casa deles e tentava vender uma coleção ou outra e
ganhava um trocadinho nessa atividade.
Até que um dia o pai de uma amiga
minha reclamou que eu estava dedicando o meu tempo a uma atividade que
não correspondia às minhas vocações naturais, que ele enxergava, mas eu
não. Eu gostava de escrever, escrevia com relativa facilidade, e tinha
algumas características que o pai dessa minha amiga gostava muito.
Ele me disse que eu precisava
trabalhar em algo que eu precisasse escrever e tal. Ele era do
departamento comercial do “Diário de Notícias” e se chamava Kleber
Savoia. O Kleber disse para eu ir à redação do jornal falar com o chefe
de reportagem. Eu já tinha feito um curso para tentar duas ou três vagas
no “Jornal do Brasil”, mas não consegui. Não só por que o JB estava a
léguas de distância da minha capacidade àquela altura, como também a
própria idade não me permitiria ficar com alguma das vagas.
Enfim, ele me arrumou essa
apresentação e o chefe de reportagem do jornal disse "’fica aí então
anotando essas coisas". Fui ficando.
NT - Você não imaginaria nunca chegar aonde chegou?
RB - Não, o máximo que me imaginei foi ganhar uma grana para pagar as minhas coisas.
NT - O tempo passou e hoje
você é considerado um dos melhores jornalistas do Brasil, apesar de não
ter diploma. O que acha dessa obrigatoriedade de ter diploma para
jornalista?
RB - Olha, supondo
que eu estivesse falando em causa própria, eu não acho que seja válido.
Evidentemente pela minha própria história de vida, pelo menos no meu
caso, acho que o diploma não foi indispensável. Mas há outros exemplos
também, de jornalistas, da minha geração e de outras, que entraram na
carreira por vários caminhos diferentes.
O Joelmir Beting, por exemplo, fez sociologia. É só ter gosto pela notícia, aí a pessoa vai indo, vai entrando...
NT - Você acha que hoje em dia está mais difícil de isso acontecer?
RB - Antigamente
era possível isso, muito mais pela função do apelo à profissão. Hoje,
pra você entrar numa redação de jornal, você passa por tantas barreiras
que é mais fácil invadir a sede do Banco Central. Antes não, qualquer
pessoa poderia entrar numa redação. A profissão poderia ser acessada por
qualquer pessoa que tivesse vontade de entrar.
Antigamente era mais bem concebida a ideia de que qualquer pessoa já é jornalista em sua origem e a profissão somente lapida.
Então é isso, não acho que seja uma
área onde você tenha que estabelecer barreiras, com arame farpado, e
falar “daqui você não passa”. Acho que as pessoas que tem o dom devem se
deixar encantar pela atividade. Assim como o contrário também existe.
NT - Como assim o contrário?
RB - Muita gente
vai para a faculdade, pega o diploma e não está vocacionado para isso.
Se você chegar numa redação e perguntar, muitos vão dizer que estão ali
por estar, somente. Sem satisfação.
Mas o próprio mercado se encarrega
de passar um pente, fazer uma lei de sobrevivência muito forte para quem
quer essa área. Salário baixo, carga horária alta... é um processo
natural que filtra e deixa somente quem tem os apetrechos necessários
para ficar. Só os melhores sobrevivem.
Eu acho que não deveria se fazer
uma exigência de diploma especifico porque eu não vejo currículo
suficiente para se ensinar em quatro anos. Segundo eu acho que outras
pessoas, de outras áreas, se descobrirem vocação, poderiam
tranquilamente entrar no jornalismo.
NT - Hoje, você está na
televisão, em horário nobre, também faz rádio e tem coluna em revista.
Sente-se realizado profissionalmente?
RB - Sem dúvida.
As vezes quando eu paro pra pensar, eu acho que o destino me deu mais do
que eu fiz por merecer. Eu sempre trabalhei demais, sempre fui obcecado
por trabalho, mas tenho que reconhecer que a vida me deu bastante
coisa. Não tive formação, nunca remei a favor da corrente, tomei uma
porrada no auge de minha carreira, mas estou no mercado, ganho bem. Sou
realizado sim.
NT - Você acabou de falar
de uma “porrada” que tomou da vida. Então, você saiu da Globo de uma
maneira turbulenta. Guarda mágoas das Organizações Globo?
RB - Hoje mais
não... Cara, se eu te perguntasse se você tem raiva daquele “meio-fio”
que você arrebentou o dedão do pé, você responderia o quê? Que ficou
puto, na hora. Que você ficou doído, que você sofreu durante algum tempo
até que cicatrizasse.
Claro que aquilo me machucou
absurdamente, me feriu, me ofendeu, me indignou, revoltou e conseguiu
alguns anos de rancor. Claro que sim. Era meu ambiente, minha casa, meus
amigos, minha vida.
Tem certos momentos que eu paro pra
dizer o seguinte: se eu não tivesse passado por aquilo, o que eu
estaria fazendo hoje na Globo? Provavelmente eu estaria fazendo a coluna
que eu sempre fiz em “O Globo” e teria uma função no “Bom Dia Brasil”,
talvez como comentarista de economia ou talvez dando uma bicada num
programa qualquer da Globo News.
Certamente eu não estaria fazendo
rádio, certamente eu não faria o que mais me realiza, mais me dar
prazer, que é o rádio. Muito certamente, aliás, sou absolutamente
convicto que eu não teria a liberdade que eu tenho na Band.
NT - Aceitaria voltar pra lá, caso fosse feita uma proposta?
RB - A troco de
quê? A Globo não tem culhão pra me dar a liberdade que a Band me dá.
Eles não respeitam a liberdade de ninguém, aliás, eles respeitam até
certo nível de liberdade. Ou melhor, ninguém abusa tanto de liberdade
assim, tipo ‘vamos ver até aonde vai mesmo?’.
Por isso que eu dificilmente
toleraria isso. Seria uma “encheção” de saco tremenda. Dificilmente eu
faria o que faço, lá, e ganharia o que ganho aqui.
NT - Você já sofreu ameaças por conta do jornalismo?
RB - Veja só, o
que é ameaça pra você? Porrada, tiro, faca, coça? Eu nunca levei.
Processos já aconteceram sim, hoje (ontem) mesmo levei três. Processos
tenho dezenas, talvez mais de uma centena ao longo da carreira. Mas isso
eu não vejo como ameaça.
Agora é importante dizer o
seguinte. O “Jornal do Brasil” e o Grupo Bandeirantes sempre se
responsabilizaram pela defesa e por todas as consequências resultantes
do exercício da liberdade na profissão.
NT - O que você acha do atual jornalismo praticado pelas emissoras de rádio e televisão atualmente no Brasil?
RB - Acho melhor
do que de outrora. Estamos enfrentando uma concorrência mais numerosa,
mais ampla, mais pulverizada, as pessoas estão cada vez mais se tornando
jornalistas...
NT - Tem mais fontes de informação...
RB - Eu acho que elas próprias mais testemunham do que veem notícia.
Eu tenho repetido o seguinte: o que
caracteriza o jornalista predominantemente na história? Ele era
apropriador da notícia testemunhada por terceiros, ou seja, um apurador
de relatos. O Repórter Esso tinha um bordão muito legal, que era “o seu
Repórter Esso, testemunha ocular da história”. Na verdade o Repórter
Esso nunca foi testemunha de coisa nenhuma, ele estava lá na redação.
É curioso isso. Hoje, repórteres e
jornalistas são testemunhas oculares. São correspondentes de guerras,
evidentemente estão lá testemunhando coisas no primeiro plano.
Mas, normalmente o que somos nós no
nosso cotidiano? Nós vamos atrás das testemunhas, dos fatos. Daqueles
que viveram o fato em primeira pessoa. O jornalista não está dentro do
avião que caiu ou do tsunami que passou por ali. Ele vai de encontro às
pessoas pra capturar informações, levá-las para as redações, e, com
pesquisas, coloca tudo no ar.
NT - Então é falsa a marca de que o jornalista é testemunha ocular da história...
RB - Completamente
falsa. Nós não somos testemunhas oculares de coisa nenhuma. O que está
acontecendo é que as testemunhas que alimentavam os jornalistas estão
elas próprias trabalhando com os novos meios de comunicação, com ajuda
de celulares que têm internet, máquinas filmadoras etc.
Então essa figura de jornalista que
fica na redação esperando que a testemunha ocular da história entregue o
ouro para que ele apareça na televisão engravatado e parecendo um gênio
da informação, está condenada. E é ótimo que esteja.
NT - Por quê?
RB - Porque isso
significa que 7 bilhões de pessoas serão jornalistas e trabalharão com a
informação primária, difundirão a informação. Tem riscos? Muitos. Mas é
melhor ter 7 bilhões de pessoas com informações do que 7 ou 70 tentando
manipular 7 bilhões de pessoas.
Então o jornalismo hoje em dia
percebe essa concorrência, apesar de esse não ser o nome correto, por
não ter esse propósito, mas ele percebe essa avassaladora presença da
informação circulando nas mãos de todo mundo. Isso obriga o jornalista a
criar os seus diferenciais, impor-se pela qualidade, pela coerência e
seriedade.
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