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domingo, 10 de julho de 2011

Contraponto 5745 - " Os Bancos e a revolução"

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10/07/2011
Os Bancos e a revolução

Do Bog do Mauro Santayana - 09/07/2011

Mauro Santayana

A Europa se insurge contra as famosas e prepotentes “agências de classificação de riscos”, todas americanas, com a decisão da Moody’s (uma das três grandes) de rebaixar as dívidas de Portugal em quatro pontos, reduzindo-as a uma situação de “lixo”. Essas agências, se pensarmos bem, não têm razão de existir. Elas jamais foram capazes de prever, com prazo prudencial, os riscos dos créditos das grandes instituições financeiras e dos governos nacionais. Não previram as crises recentes do sistema financeiro internacional, nem foram capazes de descobrir as falcatruas das grandes instituições empresariais e financeiras, como as da Enron, dos bancos de investimentos, como o Lehman Brothers e de instituições de larápios, como a de Madoff. Elas só denunciam os erros, depois de consumadas as crises. De nada servem para alertar os investidores e as autoridades governamentais a tempo de que tomem providências acauteladoras. Mas os governos são também responsáveis, ao lhes dar crédito, e também por não fiscalizar o comportamento das instituições financeiras, nem examinar a lisura de sua contabilidade.

A questão retorna ao mais inquietante confronto da civilização ocidental - qual deve ser a diretriz da vida em comum: a economia ou a política? O dinheiro pode controlar e dirigir a ação política, ou a política tem que dirigir e controlar as finanças? O sistema financeiro, no interior dos Estados e no plano internacional, é a mais poderosa das instituições corporativistas. Ninguém é mais solidário com um banqueiro do que outro banqueiro, embora disputem entre eles, e sem escrúpulos, os grandes negócios. Nos últimos trinta anos, o sistema financeiro internacional vem cavalgando os estados nacionais e, assim, governando, sem legitimidade, os povos do mundo. Retornaram, sem qualquer pudor, ao saqueio neocolonialista dos recursos naturais dos povos mais débeis, também mediante as guerras de conquista. Trata-se de nova forma de acumulação selvagem de capital e de destruição do “estado de bem estar social”, cujo embrião podemos encontrar ainda na Inglaterra vitoriana, com as preocupações do conservador Disraeli.

A política, sob a corrupção do dinheiro, e a violência repressiva, desfigura-se e se desnatura, mas costuma reagir, ao recuperar-se em processos revolucionários conhecidos na História. De qualquer forma, para que ocorram as revoluções, é necessário que intervenha a razão. Os sinais dessa reação saneadora podem ser vistos nos atuais movimentos de massa em vários países do mundo, muçulmanos ou cristãos, xintoístas ou animistas. O que lhes estava faltando é a teoria revolucionária, uma tarefa dos intelectuais. Há indícios de que já começam a surgir núcleos de discussão que podem suprir essa dificuldade. Com a orientação da inteligência, os movimentos serão capazes de vencer a repressão.

A crise na Europa coloca também em discussão o problema da autonomia dos estados e da soberania compartilhada dentro da Europa continental, da qual a moeda única é a marca maior. Há poucos dias, o Prêmio Nobel de Economia (1998) o indiano e professor em Harvard, Amartya Sen, publicou instigante artigo sobre o tema. Ele fala da ameaça à democracia que representa a insidiosa prevalência dos interesses financeiros sobre a ação política no continente, e dá como exemplo a excessiva importância atribuída às agências de classificação, que determinam a ação dos bancos centrais e dos governos, a serviço das grandes instituições financeiras internacionais.

Sen afirma que a liberdade dessas agências terá que ser enquadrada pelo poder da legitimidade política, isto é, pelos governos eleitos, mas, por enquanto, esse enquadramento não existe. As agências, remuneradas pelo “imperativo financeiro”, só a ele obedecem.

Ao discutir o problema do euro, que ele considera danoso à necessária soberania dos estados e à sua autonomia de ação econômica, lembrou a proposta da federação européia, surgida no movimento socialista italiano, em 1941, chefiado pelos jovens Altiero Spinelli, Eugenio Colorni e Ernesto Rossi.

É importante voltar a esses pioneiros da idéia de uma Europa Unida, os signatários do Manifesto Ventontene, da Itália, que se encontrava, então sob o domínio do fascismo. O documento, que circulou clandestinamente, fazia reflexão profunda sobre a situação européia de então, sob o avanço do poder dos nazistas. “O homem civilizado – diz o Manifesto – é um produto complicado e frágil. Os mais grandiosos frutos da civilização se devem à férrea disciplina que ela impõe ao ânimo selvagem dos homens. Mas quando os homens se encontram diante de problemas cuja solução é de importância vital e não são capazes de encontrá-la - em razão da resistência oposta e da ausência de instrumentos aptos para resolvê-los de forma pacífica - aquela disciplina pode romper-se e deixar emergirem as forças primitivas, que tendem a resolver a dificuldade com a violenta imposição de sua vontade”. A isso chamamos explosão revolucionária das massas.

Sen – como outros eminentes economistas de hoje – parte da idéia que os déficits públicos, quando financiam o desenvolvimento, tendem a ser absorvidos pelo aumento rápido da receita tributária. Vale a pena transcrever um trecho de seu artigo: “O laço que une o crescimento e as receitas públicas é amplamente observado em numerosos países, da China ao Brasil, passando pelos Estados Unidos e a Índia. E aí ainda há lições a tirar da História. Numerosos países acumularam ao fim da segunda guerra mundial pesadas e preocupantes dívidas públicas, mas um crescimento econômico sustentado permitiu aliviar rapidamente o fardo. Da mesma forma, os déficits colossais que Clinton encontrou, ao assumir o poder, há quase vinte anos, reduziram-se sob sua presidência, em grande parte pelo efeito da rapidez do crescimento”.
Em suma: não é o arrocho salarial, ou a “flexibilidade” das leis do trabalho, nem o desemprego, que promovem a queda dos déficits, mas, sim, o contrário. O que importa é o crescimento da economia, com melhor distribuição de renda e redução das desigualdades. Nisso, a lição brasileira é eloqüente.
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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Contraponto 4726 - Reginaldo Nasser: Oriente Médio, o Fantasma da Revolução

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14/02/2011

Reginaldo Nasser: Oriente médio, o Fantasma da Revolução

Do Viomnundo - 14 de fevereiro de 2011 às 7:14

por Reginaldo Nasser*, em Carta Maior

Há um medo crescente alimentado, em grande parte, pelas elites conservadoras do Ocidente e do Oriente de que futuros acontecimentos no Egito poderão trilhar os mesmos caminhos da revolução que aconteceu no Irã em 1979 tais como: elegeu Israel como o grande inimigo, se envolveu em ações antiamericanas no mundo inteiro, privou as mulheres e as minorias dos seus direitos (como se tivessem direitos sob a ditadura de Mubarak). Numa região repleta de exemplo de ações armadas que atemorizam Israel, EUA e aliados, ajudou a criar a imagem de que a melhor forma de combater ativistas islâmicos ( falsos ou verdadeiros) é uma ditadura secular.

No entanto, é importante lembrar que, logo no início da revolução iraniana em 1979, havia intenso apoio das potências capitalistas aos movimentos radicais islâmicos em todo o grande Oriente Médio e Ásia Central com o intuito de provocar aquilo que se convencionou chamar “arco de crise”. O objetivo maior, claro, era atingir as regiões muçulmanas da União Soviética, um regime materialista e ateu, de “vital importância para os EUA cujo centro de gravidade é o Irã”, como afirmou à época Zbigniew Brzezinski (assessor segurança nacional do presidente Carter). O caos político resultante poderia facilitar a incorporação do american way of life nos inimigos de seus inimigos.

De maneira análoga, pode-se dizer que, 32 anos depois, as revoltas populares na Tunísia, no Egito, Argélia e Iêmen podem ser os sinais iniciais de um novo “arco de crise”, mas agora de autênticas revoluções que poderão varrer o Grande Oriente Médio. Diante de tais fatos, tal como todos outros governos norte-americanos anteriores, Obama, inicialmente preferiu ficar ao lado de seu “aliado leal” contra um movimento que levou a fundo a retórica dos direitos humanos presente em seu discurso no Cairo em 2009. Diga-se, é verdade, que esses momentos revelam a essência da decisão na política externa dos EUA que vai muito além da órbita do presidente da república. Apesar da celebração ritual da sociedade civil, autoridades dos EUA (militares, agências de inteligência e lobbies no congresso) sempre mantiveram fortes ligações com regimes repressivos e nunca mantiveram qualquer tipo de contato com os principais grupos oposicionistas.

Não há como negar que a religião é um fundamento essencial de identidade dos povos e um componente crucial da dinâmica de desenvolvimento das sociedades, em geral, e do mundo islâmico de forma particular. Contudo, tal como observou o professor Mark Levin, as fotos estampadas na grande mídia dos EUA podem ajudar-nos a entender melhor as diferenças entre os dois momentos revolucionários.

No início de 1979, as imagens dos jovens eram de exuberância revolucionária, aliadas a um sentimento raiva, supostamente alimentada por um fervor religioso, isso soou tão estranho para um cidadão norte-americano que parecia vir de um outro planeta. Já as fotos da praça Tahrir mostram mulheres e jovens, seculares e religiosos, curvando-se em orações diante dos blindados militares. Uma espécie jihad pacífica que sempre existiu, mas que não tinha os holofotes da mídia para mostrá-la.

Com criatividade e ousadia e mesmo diante das inúmeras provocações e assassinatos mantiveram-se determinados a não usar a violência. Suas táticas foram amplas mobilizações, aproximação com as forças armadas, paralisações de trabalhadores e uso das redes sociais que permitiu que o mundo inteiro fosse capaz de seguir suas batalhas em tempo real. Já a determinação em reprimir e, sobretudo, o desprezo pela forma pacífica e democrática de expressar opiniões, era evidente no início da Revolução Iraniana de 1979 onde vários grupos que defendiam a liberdade de imprensa e os direitos das minorias foram coagidos por verdadeiras gangues armadas.

No Egito, não há nenhuma figura carismática de estatura do aiatolá Khomeini. Ao contrário do clero xiita no Irã, a Irmandade Muçulmana não tem uma base em uma organização clerical. Apesar de contar com setores conservadores, não estão envolvidos em debates sobre o uso do véu ou de outros comportamentos religiosos, mas sim em questões envolvendo corrupção, desemprego, liberdade política e violações dos direitos humanos. Nesse sentido, diferentemente do Irã a possibilidade de mobilizar a maioria dos egípcios em torno de uma agenda de reformas é maior.

Observar o que vai acontecer no Egito nas próximas semanas é como assistir um teatro das sombras em que apenas alguns dos atores estão sob um foco de luz e outros vão saindo aos poucos. Entretanto, podemos antecipar e destacar que islâmico ou secular, o novo governo poderá – espero que sim – recusar a adotar incondicionalmente os métodos adotados pelos EUA e a Europa na guerra contra o terror sem que isso signifique ser partidário de Bin Laden. Por sua vez, não afrontar Israel não significa, por outro lado, necessariamente qualquer tipo de concordância com a política de ocupação dos territórios palestinos. E, finalmente, um novo governo poderá também questionar se para manter a tão aclamada estabilidade política na região é necessário gastar bilhões de dólares em equipamentos militares.

De toda forma restar ver como os militares e as elites dirigentes que agora comandam a transição vão descobrir uma maneira de conviver com este novo cenário. Nesses momentos cruciais sempre é bom lembrar alguém que entendia de revoluções ( Marx) que certa feita fez a seguinte advertência: “As criadas políticas da França estão varrendo a lava ardente da revolução com vassouras velhas, e discutem entre si enquanto executam sua tarefa”.

* Reginaldo Nasser é professor de Relações Internacionais da PUC-SP.