04/01/2010
"O bicentenário que não teremos"
Carta Maior - 04/02/2010
Emir Sader*
2010 comemora o bicentenário das revoluções de independência na América Latina, que permitiram, em uma impressionante sucessão de movimentos, que a quase totalidade dos países do continente expulsasse os colonizadores ibéricos e decretasse sua independência política. Esses movimentos começaram em 1810 e se estenderam até 1822 – data do fim da colônia no Brasil -, só não conseguindo se estender a Cuba e Porto Rico que, não conseguindo conquistar sua independência no começo do século XIX, tiveram que enfrentar já não mais a combalida Espanha, mas ao já nascente império norteamericano, ficando amputados em sua independência, submetidos à condição de neocolônias dos EUA.De tal forma foram importantes as revoluções de independência, que Cuba se tornou um país socialista, Porto Rico, quase uma estrela mais na bandeira dos EUA e o Brasil, o país mais desigual do continente mais desigual do mundo.
Os outros países – a maioria – protagonizaram revoluções de independência, que expulsaram os espanhóis, caracterizando o período colonial que se terminava, como uma invasão e saqueio dos nossos países, além do massacre dos povos indígenas e da escravidão. Essas revoluções foram feitas em coordenação por vários exércitos, liderados pelos próceres da independência de vários deles, entre outros Bolívar, San Martin, O´Higgins, Artigas, Sucre, que constituiram uma força latinoamericana contra o inimigo comum: o Exército espanhol. Ficava caracterizado assim que todos haviam sido explorados por um mesmo inimigo e que lutavam juntos contra ele. Por outro lado, no mesmo momento da independência, se instalavam repúblicas e se terminava com a escravidão. São essas revoluções de independência que são comemorados a partir deste ano em quase toda América Latina.
Essas independência foram possíveis também pela influência das revoluções americana e francesa, assim como enfraquecimento da coroa espanhola, pela invasão napoleônica, a que resistiram, mas terminaram derrotadas. Ao contrário, a coroa portuguesa não resistiu, entregou Portugal às tropas napoleônicas, e fugiu para o Brasil.
Chegando aqui, aparentemente tomou medidas liberais. Porém se não abrisse os portos “às nações amigas”, ficaria totalmente isolada do mundo, porque Portugal estava invadido. Além disso, brecou a possibilidade de que tivéssemos uma guerra de independência, expulsando a coroa portuguesa do Brasil, ao promover o primeiro grande pacto de elite da nossa história, ao colocar a coroa na cabeça do seu filho. Assim, ao invés de passarmos de colônia a república, passamos a monarquia, vinculada estreitamente à coroa portuguesa. Isto, mediante uma frase altamente ofensiva para nós, mas que repetimos tanto nas escolas: “Meu filho, ponha a coroa em tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça.” Os aventureiros éramos nós, brasileiros, fazia para que não surgisse um novo Tiradentes ou lideres como Boliviar, San Marti, Artigas, Sucre.
Pior ainda, não se terminou a escravidão, fazendo com fôssemos o país que mais tarde terminou com isso, deixando marcas muito mais profundas na nossa história. Durante quatro séculos trabalho foi atividade de “negros”, considerados raça inferior e tratados como escravos.
Nas décadas transcorridas entre o começo e o fim do século, foi promulgada a Lei de Terras, que legalizou a posse de todas as terras griladas pelos latifundiários. Assim, quando passaram a ser homens “livres”, os negros já não tinham possibilidade de acesso à terra. O negro se consolidou automaticamente como pobre. A questão colonial se desdobrou na questão negra e esta na questão fundiária, com a consolidação do poder dos grandes proprietários rurais, que tanto condicionou a formação da sociedade brasileira contemporânea, incluindo o poder do latifúndio e suas conseqüências, como a da não realização da reforma agrária, o êxodo para as cidades e a criação de grande quantidade de mega-metropolis urbanas, enquanto não produzimos os alimentos que necessitamos para a autosuficiencia alimentícia.
Em 2022 comemoraremos o bicentenário de um pacto de elite, que nos impediu de termos expulsado os colonizadores, terminado com a escravidão e passado de colônia a república.
*Emir Sader, sociólogo e cientista político.
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