01/09/2011
Ética e credibilidade de uma profissão
Da Carta Maior - 01/09/2011
Apenas algumas semanas depois do escândalo provocado pelas revelações de ações criminosas do tablóide “News of the World” na Inglaterra, o tipo de jornalismo reiteradamente praticado pela revista Veja acende uma perigosa luz amarela no campo da comunicação.
Venício Lima*

O pedido original tinha por base a matéria intitulada "Madraçal no Planalto" sobre a Universidade de Brasília e seu reitor, publicada na Veja com data de capa de 6 de julho.
Tanto do ponto de vista técnico como ético, a referida matéria é um exemplo acabado de mau jornalismo. Editorializada e adjetivada, a matéria não cumpre as regras elementares básicas do jornalismo e foi desmentida por “fontes” cujos nomes nela aparecem, além de ter recebido repúdio quase unânime da própria comunidade acadêmica da UnB (cf. http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=5317). Mais ainda. Uma das “fontes” e articulador da matéria de Veja, conhecido adversário político do atual reitor, publicou em seu blog o seguinte post:
"Parabéns à revista VEJA por este inestimável serviço ao Brasil, mostrando o que faz o reitor Zé do MST (ligado ao PT) com a educação superior no país. Está agora na hora da oposição (DEM, PSDB e PPS) colocar a boca no trombone! -- PS: Ajudei a VEJA com essa reportagem (tem uma declaração minha na 4. página), eu e mais de 20 professores, lógico que apenas alguns apareceram" [cf. cienciabrasil.blogspot.com post de 3 de julho).
Jornalista não sindicalizado
No dia 9 de agosto pp. a CE respondeu ao jornalista Antonio Carlos Queiroz informado haver decidido pela não abertura do processo tendo em vista que Gustavo Ribeiro “não é filiado ao SJPDF”.
Trata-se de um equívoco da CE de vez que a filiação aos sindicatos da categoria não é requisito para o exercício profissional e o Código de Ética, por óbvio, se aplica a toda a categoria, não somente aos jornalistas sindicalizados. Aliás, está escrito no próprio CE:
Art. 17. Os jornalistas que descumprirem o presente Código de Ética estão sujeitos às penalidades de observação, advertência, suspensão e exclusão do quadro social do sindicato e à publicação da decisão da comissão de ética em veículo de ampla circulação.
Parágrafo único - Os não-filiados aos sindicatos de jornalistas estão sujeitos às penalidades de observação, advertência, impedimento temporário e impedimento definitivo de ingresso no quadro social do sindicato e à publicação da decisão da comissão de ética em veículo de ampla circulação.
O equívoco da CE motivou um recurso impetrado pelo jornalista Antonio Carlos Queiroz no SJPDF solicitando a reconsideração da decisão.
Reincidência
Enquanto se aguardava uma resposta da CE ao recurso, o mesmo jornalista Gustavo Ribeiro, aparece novamente como um dos responsáveis por matéria aparentemente envolvendo práticas ilícitas, publicada na mesma revista Veja com data de 31 de agosto pp. Trata-se, como se sabe, de matéria de capa sob o título “O Poderoso Chefão” sobre o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que padece dos mesmos vícios da matéria anterior sobre a UnB. O jornalista está agora sendo formalmente acusado de tentativa de invasão de domicílio e falsidade ideológica pelo Hotel Naoum de Brasília, onde escritório de advocacia associado ao ex-ministro José Dirceu mantém um apartamento alugado.
Naturalmente o novo episódio envolvendo o jornalista Gustavo Ribeiro provocou o encaminhamento de um “agravo” à CE do SJPDF.
O que está em jogo?
Apenas algumas semanas depois do escândalo provocado pelas revelações de ações criminosas do tablóide “News of the World” na Inglaterra, o tipo de jornalismo reiteradamente praticado pela revista Veja acende uma perigosa luz amarela no campo da comunicação.
O Grupo Abril, ao qual pertence a revista Veja, criou recentemente o IAEJ – Instituto de Altos Estudos em Jornalismo que, em parceria com a ESPM, oferece o Curso de Pós-Graduação com Ênfase em Direção Editorial “um programa sem precedentes no Brasil, (que) tem a ambição de contribuir para a melhoria da imprensa no país” (cf. http://www.espm.br/Candidato/Cursos/SP/Pages/jornalismodirecaoeditorial.aspx ).
Por óbvio, matérias como as referidas acima não são publicadas sem o conhecimento da direção da revista e, portanto, não são de responsabilidade apenas dos jornalistas envolvidos. Trata-se de uma determinada visão de jornalismo e de seu papel que confrontam toda a retórica liberal sobre a liberdade de imprensa na democracia.
Está na hora das organizações sindicais darem o primeiro passo e aplicarem exemplarmente o Código de Ética da profissão se pretendem zelar pela dignidade profissional mínima que sustente a credibilidade dos jornalistas.
E está mais do que na hora dos próprios empresários de mídia e do Estado brasileiro dialogar sobre a inadiável necessidade de uma ampla e democrática regulação do setor. Não dá mais para “fazer de conta” que no Brasil é diferente do resto do mundo e que aqui a mídia será sempre um poder acima de todos os outros.
A ver.
*Venício Lima .Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.
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