04/10/2011
Maciek Wisniewski (*) - La Jornada
Uma ocasião para voltar a olhar a história  de uma complicada relação e o saldo de seus atividades: no dia 29 de  setembro, Lech Walesa entregou a Luiz Inácio Lula da Silva um prêmio da  Fundação Walesa como reconhecimento por ter atuado para diminuir as  desigualdades sociais e fortalecer a importância dos países em  desenvolvimento. O ex-presidente polonês (1990-1995), prêmio Nobel da  Paz 1983, e o ex-presidente do Brasil (2003-1010) se reuniram em Gdansk,  onde no início dos anos 80 Walesa liderou as greves que levaram à  criação do primeiro sindicato independente do bloco socialista.
Ainda  que ambos os dirigentes compartilhem as mesmas raízes – vem de famílias  humildes, foram operários e líderes sindicais que lutaram contra  ditaduras -, as realidades distintas de seu país dificultaram o  entendimento entre eles. Como assinala Theotonio dos Santos, destacado  economista e cientista político brasileiro, um dos autores da teoria da  dependência, os principais vetores políticos no leste europeu e na  América Latina eram completamente diferentes: enquanto na Polônia o  capitalismo e o livre mercado eram sinônimos de liberdade, no Brasil o  livre mercado chegou com a ditadura e a liberdade era o socialismo.
Nos  anos 80, Lula procurou Walesa. Naquele período, comparar-se e  colocar-se ao lado da estrela do sindicalismo livre era importante para  sua luta. Eles se conheceram, mas Walesa afirmou que ele queria abolir o  comunismo e Lula queria construir um. Não houve simpatia entre eles.  Ainda assim, quando, em 1985, acabou o regime militar no Brasil, Walesa  mandou a seu colega uma calorosa carta. Mas quando, depois de 1989, a  Polônia ingressou na democracia, o líder do Solidariedade se ufanava que  ele tinha virado presidente e Lula não.
No entanto, esse foi um  triste divisor de águas para Walesa: uma vez no poder, sua liderança  decaiu. Seu personalismo, prepotência e conflitividade fizeram com que  perdesse a eleição para um segundo mandato, e ele acabou se tornando um  dos políticos mais impopulares da Polônia.
No plano econômico,  ele se comprometeu a restaurar o capitalismo. Sua fé nos mercados  autorregulados, o mantra de que as desigualdades são boas para a  economia, eram típicos da época do fim da história. Com a população  mergulhada em um trauma pós-socialista, abriu as portas às reformas  neoliberais e à terapia de choque. Para facilitá-las, permitiu a  contenção dos sindicatos: segundo eles, estes eram bons para abolir o  comunismo, mas no capitalismo já não tinham utilidade (sic).
Deixou  de lutar pelos interesses dos trabalhadores e começou a defender os do  capital, enterrando neste caminho toda a ideia de solidariedade social. O  resultado: enormes desigualdades sociais, desindustrialização, alto  desemprego e a Polônia submissa ao capitalismo global na qualidade de  periferia.
Theotonio dos Santos lembra que, quando depois de  1989, dizia a seus colegas da Polônia ou da Hungria: “Bem vindos ao  subdesenvolvimento!”, eles não entendiam nada...
Uma vez  aposentado, Walesa, mediante sua fundação, dedicou-se ao enriquecimento e  ao marketing pessoal. Tornou-se um conferencista-mercenário e assessor  de quem paga mais. Assim ocorreu no México, em julho de 2005, quando  assistiu aos festejos do então presidente Vicente Fox, que estava  deixando o governo, expondo sua curiosa tese de que utilizar a  democracia é uma possibilidade diretamente proporcional ao tamanho do  talão de cheque. Ou quando, mais recentemente, se vendeu a uma cadeia de  lojas, conhecida por violar massivamente os direitos trabalhistas.
O  caminho de Lula à presidência foi mais sinuoso, mas uma vez no posto  demonstrou que era possível pensar de modo diferente o capitalismo e a  democracia – longe do anticapitalismo e com todas as limitações da  sociedade em que vivemos – e questionou os dogmas neoliberais de seu  predecessor Fernando Henrique Cardoso (Theotonio dos Santos é um crítico  feroz da tese da suposta continuidade entre Cardoso e Lula).
Lula  pensou que um dos maiores problemas da democracia e do capitalismo era a  desigualdade e se dedicou a combatê-la. Ajudou milhões a sair da  pobreza e garantiu êxito econômico ao país. Isso foi reconhecido pelo  próprio Cardoso, com um peculiar elogio, quando disse que Lula foi um  Walesa que funcionou. Mas este, já faz tempo, tomou outro caminho e  acabou em outro lugar que Walesa. Não há nada que comparar, diz  Theotonio dos Santos.
É claro que a política de Lula não foi  livre de contradições. Mas ele, ao contrário de Walesa, nunca perdeu nem  a consciência de classe nem o compromisso político. Ao final de dois  mandatos, tinha mais de 80% de popularidade.
Agora foi Walesa que procurou Lula. Elogiando-o, tratou de reviver as semelhanças e apoiar post factum  o seu êxito. Até admitiu que é Lula, e não ele, quem tem razão sobre o  capitalismo. Devido à sua prepotência, soou como um aviso do fim do  mundo.
Enquanto isso, o que seguramente chegou ao fim são as comparações entre os dois ex-presidentes.
(*) Jornalista polonês
Tradução: Katarina Peixoto
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