03/06/2012
A conexão goiana
Da Carta Maior - 02/06/2012Gilmar Mendes está demonstrando dificuldade em entender a realidade, em aceitar o jogo democrático que exige, como fundamento maior, a liberdade de expressão, que se concretiza na pluralidade da informação e de opinião. Essa dificuldade, se não for logo vencida, dará suspeição às decisões que ele tomar como juiz do STF.
Mauro Santayana
Os meses a vir pedem aos homens públicos responsáveis, de todos os partidos, a combinação da firmeza com a paciência, a fim de conduzir a campanha e o pleito municipal deste ano. A oposição, instigada pelo julgamento do processo conhecido como mensalão, se encontra açulada por alguns de seus líderes menos sensatos. O presidente Lula, acossado pelos inimigos e em convalescença de um tratamento penoso, não se tem contido diante dos ataques que recebe e fez algumas declarações apressadas, como ocorreu em recente programa de televisão. Na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os negócios de Carlos Cachoeira, parlamentares perdem a compostura, e usam de linguagem chula e repulsiva, provocados pelo soberbo silêncio dos depoentes, entre eles o Senador Demóstenes Torres.Os diálogos ásperos são normais nas casas parlamentares, desde que elas existem. Os registros do Senado Romano mostram como os debates já se valiam, naquele tempo, da ironia e do insulto – que deviam soar mais ferinos no latim republicano. A Câmara dos Comuns, a partir do confronto com os Stuarts, na primeira metade do século 17, reproduzia a linguagem vulgar dos pubs e das margens do Tamisa. No século seguinte, principalmente durante o reinado de George III, os insultos faziam parte habitual dos debates na Câmara dos plebeus. Entre os lordes, é claro, a coisa era outra: estavam todos de acordo contra o povo.
Em uma comissão parlamentar de inquérito, os ânimos são mais acesos. Mas conviria, tendo em vista a conjuntura política e econômica mundial, que os membros do comitê investigatório se contivessem em sua linguagem, na mesma medida em que se empenhassem, seriamente, na busca da verdade. O momento pede a coesão nacional, mas ela não pode ser construída na tolerância com o crime.
Estamos diante de uma oportunidade singular, a de separar o que é público do que é privado na sociedade brasileira. Ainda que não consigamos tudo, alguma coisa que se consiga irá contribuir para a evolução positiva da democracia republicana em nosso país.
O Sr. Gilmar Mendes continua arrostando a paciência nacional. A ligeireza com que acusa e com que retifica suas versões demonstra que o Ministro não está segurando as rédeas do raciocínio – e, em seu caso, não existe a atenuante de um agressivo tratamento de saúde.
Ainda agora ele mesmo revela que interferiu na autonomia do poder executivo, ao solicitar do Ministro da Fazenda que proiba a Caixa Econômica de anunciar em blogs independentes na internet. Como tive a oportunidade de escrever, em minha coluna no JB – reproduzida pelos blogs que ele quer silenciar – o ministro Gilmar Mendes não é uma instituição, não é o STF. E sua visita ao Ministro da Fazenda, com esse objetivo, é, sim, intromissão em outro poder e pode ser vista como intimidação. Todos os grandes veículos de comunicação do país recebem anúncios – e em valor e volume muito maiores do que a totalidade dos blogs – e exercem forte oposição ao governo. Tanto é assim que a presidente da Associação Nacional dos Jornais, Judith Brito, disse que a imprensa – os jornais que ela representa – desempenha o papel de um partido de oposição que, em seu juízo, não existe no Brasil.
Gilmar Mendes está demonstrando dificuldade em entender a realidade, em aceitar o jogo democrático que exige, como fundamento maior, a liberdade de expressão, que se concretiza na pluralidade da informação e de opinião. É claro que essa dificuldade, se não for logo vencida, dará suspeição às decisões que ele tomar como juiz do STF.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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