06/03/2013
Chávez provocou amor e ódio, idolatria e nojo
POR BOB FERNANDES
Conheci Hugo Rafael Chávez Frías há 11 anos. Num domingo de março
de 2002. Exatamente um mês antes do golpe de abril. De lá para cá,
dezenas e dezenas de horas de conversas, uma boa parte delas gravada.
Conversas sempre instigantes. Conversas em viagens pela América Latina,
incluindo o Brasil.
Longas conversas no Palácio Miraflores e na Casona, a residência
oficial. Conversas com um homem inteligente, arguto, sereno, ao
contrário do que projetavam em sua imagem pública. Alguém assim definido
pelo velho general, e mestre na Academia Militar, Jacinto Perez Arcay:
- Hugo não é apenas um jogador de xadrez. Ele enxerga o tabuleiro
de uma outra forma, circular. A política para ele é, para além da
concepção aristotélica, instinto, olfato, percepção, intuição para
vasculhar um entorno vasto, tão vasto quanto os descampados nas
planícies onde ele nasceu.
Amanhã pela manhã, a quarta-feira, 6 de março de 2013, nesta Terra Magazine e no portal Terra,
um testemunho de alguns dos mais dramáticos, ou gloriosos, dias e
momentos vividos por um homem que provocou tudo por onde passou, atuou e
viveu. Provocou tudo, menos indiferença.
Uma porção da Venezuela o seguiu, o amou, o idolatrou, e assim
seguirá sendo. A partir de agora ainda mais, como tão comum entre
humanos.
Teve e tem adversários. Adversários porque pensam diferente, porque
nele enxergavam e enxergam uma sucessão de equívocos e erros. Outra
porção o odiou com todas as forças. Assim como os que nele viam um
igual, um próximo, não poucos entre os adversários antes de mais nada
sentiam asco, nojo de Hugo Chávez.
Sentiam o mesmo que, em outras plagas, sentem em relação a Evo
Morales, a Lula. Um sentimento que está quase aquém, ou além da
ideologia, da política -quando entendidas, tais expressões, no seu
sentido apenas usual, pedestre. Asco, nojo, porque um sentimento que
nasce da rejeição étnica, antes de tudo. Uma questão de pele.
Chávez era descendente de negros, índios e brancos. Um “zambo”,
portanto, como se diz na Venezuela, tantas vezes com escancarado
desprezo. Como se diz “um índio”, quando se trata de Evo Morales na
Bolívia. Como se diz “um nordestino”, como se dizia, e ainda se diz em
certas partes do Brasil, “um baiano”, um “paraíba”.
Historiadores, sociólogos, cientistas políticos se encarregarão da
arqueologia da Era Chávez. Mas, antes mesmo deles chegarem a campo, há
fatos que estão aí.
Hugo Chávez não sacudiu apenas a Venezuela. Para além da paixão e
idolatria dos militantes, a rejeição, a oposição, o ódio mesmo que
provocou e provoca por toda a América Latina, e não apenas, nada mais é
do que o rastro de até onde chegou o menino pobre nascido nas
intermináveis planícies de Sabaneta, em Barinas.
Haverá o tempo e a hora de falar, de relatar seus grandes erros,
suas grandes vitórias. Mas, para quem com ele conviveu, é tempo de ainda
começar a buscar a entrada no labirinto que leva a tão complexo e rico
personagem.
Não esse personagem que pulava de manchete em manchete ao sabor dos
editores e dos interesses – inclusive os seus. Não esse personagem para
uso e desfrute de quem apenas busca a psicanálise neste imenso
consultório sem divã, e sem terapeuta, a rede social. Não o líder que
tanto incomodava por ter sob controle uma das maiores reservas de
petróleo do mundo, e reservas para pelo menos um século.
O personagem mais agudo, mais distante da persona mesma, é o que
encontrou os caminhos para vencer 15 de 16 eleições disputadas em 14
anos. Que venceu o golpe midiático-militar em 2002. Que transformou em
vitória o fracassado golpe por ele liderado em fevereiro de 1992.
Vitória essa construída na televisão, sempre na televisão, e com três
palavras depois de já preso:
- Por ahora no…(Por enquanto não…)
Venceu porque conhecia profundamente sua gente - aí incluídos os adversários, e os inimigos da sua Revolução Bolivariana.
Venceu porque conhecia os caminhos, os atalhos, becos e quebradas
da Venezuela que tanto amou. Inclusive os caminhos difíceis de
percorrer, os do Poder, tantas vezes sujos. Sujos aqui, lá ou acolá.
Foi-se o personagem capaz de, num mesmo dia, recitar todo o Sermão
da Montanha, de Nietzsche, de discutir trechos e trechos do último livro
de Celso Furtado e pouco depois, num comício, levar a multidão chavista
ao delírio com o fraseado de banheiro masculino:
- Mulher, esta noite eu te darei o que é teu….
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