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domingo, 16 de outubro de 2011

Contraponto 6511 - "Os economistas ante a arbitragem política"

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.16/10/2011
Os economistas ante a arbitragem política
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Enviado por luisnassif, dom, 16/10/2011 - 09:22
Por Assis Ribeiro

Faltam árbitros

Da Carta Capital Delfim Netto 15 de outubro de 2011 às 12:55h

A crise que atingiu o sistema financeiro nos Estados Unidos em 2007-2008 e ressurgiu na Eurolândia com todo ímpeto no início de 2011, interrompendo mais uma vez o circuito econômico, já custou 5% do PIB mundial, deixou desempregados mais de 30 milhões de trabalhadores que ganhavam a vida honestamente e ajudou a inflar o mapa da fome até um volume recorde de 900 milhões de seres humanos, a crer em uma recente pesquisa da ONU.

Ela voltou a se manifestar com enorme virulência, quando já se acreditava que as principais lideranças políticas do Ocidente tinham finalmente decidido atacar o problema central da economia, com políticas de incentivo ao setor produtivo e de ampliação dos investimentos públicos de maior demanda de mão de obra, para reduzir os dramáticos níveis de desemprego. Nos Estados Unidos, o presidente Obama lançou, a todo risco, o seu programa para reanimar a economia e tentar recuperar empregos, como principal iniciativa de sua campanha pela reeleição no fim de 2012. Depende muito do comportamento da oposição republicana no Congresso. Não se pode esperar nenhuma mudança de mais profundidade na economia antes da definição nas urnas.

Na Europa, onde a forte pressão das ruas não dá trégua aos governantes, as atenções estarão voltadas daqui até o fim do ano para o resgate dos bancos, diante da ameaça de quebra de grandes instituições, comprometendo ainda mais os recursos comunitários. Os governos cúmplices não têm outra coisa a fazer a não ser apoiar as medidas de salvação do sistema financeiro, a custa de maior endividamento de seus povos.

A recidiva da crise na Eurolândia mostrou, outra vez, as limitações dos nossos conhecimentos de como funciona, de fato, o sistema econômico. Mostrou mais: a precariedade do que parecia uma revolução científica: a construção da economia financeira, separada da macroeconomia por pequenos economistas, supostos grandes matemáticos!

O economista é um cientista social que procura entender como funciona o mundo real e não impor-lhe o que gostaria que ele fosse. O resultado do seu trabalho deve ajudar a lubrificar o funcionamento das instituições que levam ao desenvolvimento sustentável com justiça social. Nem toda atividade social é de interesse da economia, mas toda atividade econômica é de interesse social.

A pobre discussão que envolveu a ideia de “Estado mínimo”, por exemplo, era apenas uma ação ideologicamente motivada. Na verdade, não existe “mercado” sem um Estado capaz de garantir as condições de seu funcionamento. Em uma larga medida, a forma de organização do sistema produtivo é ditada pelos que detêm o poder político e formulam a política econômica que serve aos seus interesses. A sua construção teórica e a formalização para justificá-la também são um produto ideológico. Basta ver como a tomada do poder pelas finanças, nos EUA, levou a uma política econômica que lentamente erodiu a legislação que regulava suas atividades e fora produzida após a Grande Depressão. Muito rapidamente os “cientistas” produziram uma “ciência infusa” que justificava a total desregulamentação da atividade financeira em nome da “eficiência” e da descoberta de “inovações” capazes de medir os “riscos”: nunca mais aconteceria um 1929!

É preciso incorporar no DNA dos economistas a certeza da autonomia do poder político. Nas situações de conflitos irreconciliáveis, só o ente político pode arbitrar. Acertando (como o aristocrata Roosevelt em 1933 e o operário Lula em 2008), ou errando (como o herdeiro Bush em 2007 e o surpreendente Obama em 10 de setembro de 2008) eles arbitraram, para o bem ou para o mal… Os Estados Unidos, tendo falhado de início, ainda vão se safando, mas a Eurolândia, infelizmente, sofre as consequências de uma séria escassez de lideranças.

Em cada país, os economistas estão diante de um novo e excitante momento. Devem procurar entender as novas oportunidades que se abrem à profissão para renovar o trabalho mais modesto de oferecer instrumentos para a boa governança dos Estados e a melhor alocação dos seus recursos. A Economia precisa voltar a abrigar contribuições de todos os matizes, teóricos e ideológicos, porque aqui, como na Biologia, só a diversidade é fértil. Os economistas, por sua vez, precisam recuperar a História, a Geo-grafia, a Sociologia, a Psicologia, a Antropologia e usar mais modestamente a Topologia… •

http://www.cartacapital.com.br/economia/faltam-arbitros
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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Contraponto 6472 - "É o emprego , 'cara' ..."

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De todos os desperdícios de recursos naturais de uma sociedade, nenhum é mais injusto, mais prejudicial à integração social e à autoestima do cidadão do que negar-lhe a oportunidade de viver honestamente e sustentar a família com o resultado do seu trabalho. É por isso que a construção de uma sociedade mais “justa” começa pela maximização do nível de emprego.

Não se imagina que em uma organização econômica como a que vivemos todos terão emprego a um só tempo, mesmo nos períodos mais dinâmicos de crescimento. Sempre haverá fases de acomodação do nível da atividade podendo gerar uma taxa de desemprego friccional que a sociedade “justa” tem de socorrer com as políticas sociais do Estado.

Há quatro anos a sociedade americana viu-se envolvida em uma séria crise bancária que em poucas semanas eliminou milhares de empregos no setor financeiro, antecipando a tragédia que em alguns meses suprimiu perto de 15 milhões de postos de trabalho nos demais setores da economia. Países da Comunidade Europeia sofrem hoje de forma dramática o agravamento de uma crise de origens similares, sob ameaça de desmoronamento dos pilares de sua principal construção, o sistema do euro. No mundo inteiro, algo como 30 milhões de trabalhadores não recuperaram os empregos incinerados desde a crise de 2008/2009.

As consequências de ordem política e institucional estão revelando-se na medida em que os cidadãos ocupam as ruas das maiores metrópoles do Ocidente, cobrando respostas das lideranças globais, aparentemente perplexas e atordoadas. É surpreendente, mas reveladora deste estado de coisas, a explicação e o mea culpa atribuídos ao ministro da Economia da Grécia, Michalis Chryssohoidis: “Nossa situação é desesperadora, porque reduzimos de forma bastante drástica a renda das pessoas”.

Dos Estados Unidos, os europeus estavam acostumados a receber conselhos (quando não a mão amiga) para contornar as crises. O que assistiram, porém, no início da última semana na tevê foi a imagem de um presidente americano cabisbaixo, desanimado, admitir em plena campanha que se tornou o “azarão” das próximas eleições. Importante, mesmo, foi Obama admitir francamente que seus baixos índices de popularidade são consequência do estado da economia neste final de mandato: “Os eleitores não estão melhores hoje que há quatro anos. Conseguimos um progresso contínuo para estabilizar a economia, mas a taxa de desemprego ainda é muito alta”.

Um esforço para estabilizar que custou mais de 1 trilhão de dólares despejados nos cofres dos bancos para salvá-los da quebra, na crença de que o sistema financeiro retribuiria irrigando com créditos o setor produtivo. A esperança era de que o dinheiro do contribuinte seria usado para financiar a retomada dos investimentos na indústria e da atividade comercial, voltando a estimular o consumo e com isso a recuperação do nível de emprego.

Nada do que se esperava aconteceu, como se sabe. Em contraste, formou-se aquele circuito tenebroso: sem a expectativa de melhora da demanda interna em razão da manutenção de altos níveis de desemprego, as empresas simplesmente adiaram investimentos na produção e não fizeram novas contratações de mão de obra, um circuito que se autoalimenta e habitualmente conduz à recessão econômica.

O Brasil, é sempre bom lembrar, escolheu logo no início da crise outro caminho, até certo ponto surpreendente, mas que se revelou extremamente virtuoso: sem perder muito tempo com a sofisticação de modelos, o presidente Lula dirigiu-se diretamente ao consumidor brasileiro e, na linguagem que cada um de seus milhões de eleitores compreendeu rapidamente, exortou-os a continuar consumindo: “Se você deixar de ir ao mercado ou às lojas, se parar de comprar com medo de perder o emprego, aí então é que vai ficar sem emprego, porque a empresa vai deixar de produzir se não tiver para quem vender”.

Todos sabem que funcionou e o comportamento da economia brasileira para vencer a crise de 2008/2009 mantendo os níveis de emprego, a renda salarial e o consumo interno em crescimento, é reconhecido mundialmente como extraordinariamente bem-sucedido. Hoje o nosso ex-presidente continua sendo admirado como “o cara”, que intuiu que a saída da crise estava na manutenção dos empregos e da renda dos salários, mais do que a salvação da banca.

Curiosamente é Obama, o criador do honroso apelido, quem hoje faz também uma espécie de mea culpa por demorar quatro anos para entender a mensagem de seu então “colega”, o trabalhador Luiz Inácio Lula da Silva.


*Delfim Netto é economista, formado pela USP e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado Fedral.
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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Contraponto 1495 - Amarras e catalisadores

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27/02/2010
Amarras e catalisadores

Carta Capital 26/02/2010 19:57:13

Delfim Netto

Creio que poucas pessoas hoje no Brasil deixam de reconhecer que as medidas do governo Lula para neutralizar os efeitos da crise financeira mundial sobre a economia foram mais eficientes que na maioria dos países. A utilização inteligente da política fiscal permitiu reanimar rapidamente a produção industrial em setores-chave, dando sustentação aos níveis de emprego e renda. Foi o que encurtou significativamente o prazo da crise e resultou que os custos brasileiros foram menores do que os da França, Alemanha e Grã-Bretanha, como se pode concluir olhando pelo alto os números apontados num estudo do Banco da Inglaterra.

Esses resultados, conhecidos, funcionam como um poderoso estímulo para a retomada dos investimentos na produção, tanto de empresas do exterior como principalmente dos empresários nacionais. A situação da economia brasileira vem melhorando realmente e nos últimos meses a percepção lá fora é de que as perspectivas de crescimento para os próximos anos são reais e as oportunidades de negócios, muito importantes.

Não importa se algumas pessoas negam essa realidade, atribuindo o renascimento do interesse externo à militância diplomática do presidente Lula. Ele é um ótimo marqueteiro, mesmo, que soube fazer com que os estrangeiros olhem o Brasil com muito bons olhos.

Hoje, estou plenamente confiante de que o Brasil tem todas as condições para sustentar um crescimento anual de 6% a 7%, de forma a chegar lá pela metade do século XXI como um dos cinco países mais desenvolvidos do mundo, num sistema democrático politicamente organizado e com um mercado consumidor interno possante. Afastamos – com a realidade do pré-sal – a dupla ameaça de crises no balanço de pagamentos e no suprimento de energia. Estamos retomando as condições de ampliar a matriz energética limpa, com a superação dos obstáculos para a construção das hidrelétricas (inclusive na Região Amazônica) e com o desenvolvimento tecnológico que permite aumentar as formas de aproveitamento da biomassa na produção de energia e combustíveis renováveis.

Não estamos sozinhos no mundo e, obviamente, nossos concorrentes não vão ficar parados, assistindo o Brasil desfilar. Quando se fala em competir, a primeira coisa que vem à mente é a presença agressiva da China nos mercados mundiais, apoiada em políticas fiscal, cambial e tributária inteligentes, em métodos, digamos, heterodoxos e numa "agilidade" comercial desenvolvida há pelo menos 5 mil anos antes de Cabral nos encontrar.
O Brasil tem duas vantagens realmente importantes que são as autonomias alimentar e energética. A não ser em virtude de grandes saltos tecnológicos, a China não se libertará tão cedo dessas duas limitações.

Temos desvantagens (cuja superação depende apenas de um pouco de inteligência): política cambial desastrosa, carga tributária desnecessária e política de juros que transa com a teratologia. Precisamos enfrentá-las com as devidas cautelas, mas tem de ser a curto prazo. Se não o fizermos vamos destruir nossas cadeias produtivas (como já está acontecendo graças ao real- valorizado) e nunca chegaremos a ser um protagonista respeitado no comércio mundial.
Se considerarmos a competição ao nível do chão de fábrica, a produtividade brasileira é igual ou superior à chinesa. Um equipamento (bem de capital) produzido na China, porém, pode chegar ao Brasil a um preço 15% mais barato, porque ele é subsidiado com uma taxa de câmbio escandalosamente artificial e por instrumentos de crédito que nem sequer bem conhecemos, mas que na verdade são postos depois como prejuízo em bancos estatais. São procedimentos que podem ser usados para quaisquer produtos da indústria chinesa exportados inclusive para o Brasil.

Não é possível, então, continuarmos fingindo que existe uma competição honesta, conhecendo todas essas práticas. E, ainda, impondo à indústria brasileira taxas de juro abusivas, tributação duas vezes superior à chinesa e câmbio punitivo. Para completar, do portão da fábrica para fora, custos difíceis de orçar em razão do estado precário de nossa infraestrutura, que o PAC está tentando consertar.
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sábado, 28 de novembro de 2009

Contraponto 822 - "Os problemas de Obama"

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28/11/2009
Os problemas de Obama

Carta Capital 27/11/2009 18:37:07

Delfim Netto

O presidente Barack Obama voltou esta semana a pedir paciência ao povo americano, diante do insucesso de seu governo em combater a estagnação econômica e reduzir as taxas de desemprego. Ele ainda não completou o primeiro ano de seu mandato e tem feito um grande esforço para convencer os americanos de que não concorreu à Presidência para “salvar bancos” ou “intervir nos mercados financeiros”.

Embora tenha passado os dez primeiros meses envolvido exatamente na tarefa de tirar o sistema financeiro do atoleiro da crise (herdada dos governos anteriores), Obama tem insistido que seu compromisso é com os cidadãos, que, não tendo produzido a crise, estão carregando as suas consequências, pois perderam seus empregos, suas casas e a esperança de retomar uma atividade.

O governo tem uma equipe competente, chefiada por Paul Volcker, que, amparada em enormes recursos, debelou o pânico nos mercados financeiros e pouco a pouco procura reinventar o crédito bancário. A economia real, da produção e do emprego, não dará sinais de reanimação, no entanto, enquanto não se restabelecerem os níveis de confiança mínimos necessários para induzir a retomada dos investimentos e, principalmente, a disposição do consumidor.

Com maior frequência até que Lula, o presidente americano tenta se explicar aos contribuintes e convencer o desconfiado cidadão de que, se ele não voltar a frequentar o supermercado, a economia não decola. Não está funcionando (ao contrário do que aconteceu no Brasil) e a principal causa parece ser a incapacidade do setor financeiro de despertar do trauma da desconfiança que continua travando a atividade econômica: não voltou a oferta de crédito (e nem a demanda!). Enquanto isso, o povão está inquieto, refugiando-se como pode no seguro-desemprego.

No primeiro aniversário da crise, Obama foi a Wall Street, onde tudo começou, e fez um importante discurso no histórico Federal Hall, que, apesar do conteúdo denso (e do tom das advertências), não foi muito divulgado entre nós. Vale a pena conhecer alguns tópicos de sua fala, principalmente quando ele trata das irresponsabilidades dos governos (Executivo e Congresso) e dos agentes do mercado, sem nem mesmo desculpar as próprias vítimas.

Depois da afirmação inicial, afastando a suspeita de que é a favor da estatização de bancos e empresas, ele eleva o tom: “Os contribuintes americanos não causaram a crise e não obstante foram eles, através do governo, que tiveram de sofrer as medidas extraordinárias para estabilizar a indústria das finanças. Os contribuintes estão carregando a maior parte do peso da crise e os danos do seu resgate: perderam os empregos, perderam as casas e perderam oportunidades. Não é certo, nem responsável, que as empresas, financeiras ou não, que foram salvas e recuperadas com a ajuda do governo tentem fugir à obrigação de trabalhar pela recuperação de todos e na construção de um sistema mais estável, a favor da prosperidade nacional partilhada com mais justiça”.

Particularmente, estou convencido de que o conteúdo desse discurso terá lugar de destaque na historiografia da “primeira grande crise econômica do século XXI”. Vejamos o registro que faz o presidente dos Estados Unidos das causas essenciais do colapso das finanças mundiais, que levou ao desemprego milhões de trabalhadores e está aumentando a tragédia da fome nos países pobres do planeta (mais 90 milhões de famélicos este ano em consequência da crise, segundo a ONU):

“O que aconteceu há um ano não foi resultado apenas de não haver regulação ou leis adequadas; não foi apenas o fracasso dos controles e das previsões. A falta de regras sensíveis, muitas vezes opostas aos desejos dos que dizem defender o livre mercado, levou ironicamente à necessidade de um resgate muito mais intrusivo do que qualquer ação que todos nós jamais supusemos que viesse a ser necessária. Houve também um fracasso da responsabilidade, na realidade o fracasso de várias responsabilidades, que permitiu que Washington se convertesse num local onde todos os problemas – inclusive os estruturais de nosso sistema financeiro – foram ignorados em lugar de ser resolvidos. Foi um fracasso de responsabilidades que levou os compradores de casas e os vendedores de derivativos, uns e outros, a assumir riscos pelos quais não poderiam responder e que não deveriam ter assumido. Houve um fracasso coletivo de responsabilidades em Washington, em Wall Street e nos Estados Unidos. E esse fracasso de responsabilidade nos levou a um passo do colapso total do nosso sistema financeiro, há um ano”.
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terça-feira, 27 de outubro de 2009

Contraponto 561 - "Crises e história"


27/10/2009
Crises e história

Carta Capital Delfim Netto 23/10/2009 13:41:18

O criador da sigla BRIC, Jim O’Neill, sabia bem o que estava dizendo quando fez rasgados elogios à conduta do governo brasileiro no enfrentamento da crise que abalou os mercados financeiros a partir de setembro de 2008. Ele anda pelo mundo como chefe de pesquisa econômica global do Goldman Sachs. Esteve em São Paulo recentemente para palestras aos clientes do banco e falou da capacidade que a equipe dirigente do País revelou no auge da crise. Sua referência ao papel desempenhado pelo chefe da nação brasileira foi superlativa: “Dá para argumentar que o presidente Lula é o melhor e mais bem-sucedido gestor político desta década em um grande país”.

Muitos brasileiros concordam. De outra parte, é natural que a oposição reaja amuada diante dos “exageros” de O’Neill, mas quem conhece um pouco da história econômica deve reconhecer que a atitude dos dirigentes políticos é sempre decisiva para enfrentar os momentos de pânico. É impossível negar que o exercício de liderança do presidente Lula foi fundamental para a adesão de empresários e trabalhadores aos estímulos de uma política que conservou empregos, manteve salários e sustentou níveis de consumo, possibilitando uma razoável normalidade à atividade econômica.

Ele foi às fábricas e sindicatos, convocou os empresários a Brasília e os convenceu a manter a produção na indústria. Recentemente, comentei o quanto foi decisiva essa conciliação entre empregados e patrões, diferentemente do que aconteceu nos Estados Unidos. O Brasil tem coisas extraordinárias e nem sempre estão no governo. Peguem o exemplo de como reagiram quatro grandes empresas internacionais e quatro grandes empresas brasileiras logo nas primeiras semanas do apagão financeiro. Os chefões americanos chamaram a rapaziada e disseram: “Procurem o seguro-desemprego e passem bem...” Aqui, as turmas se reuniram, tomaram uns chopes e acertaram a vida por alguns meses até as coisas melhorarem. Houve um mínimo de demissões e logo recomeçaram as contratações.

Quem leu alguns livros sobre as crises econômicas aprendeu que as reações dos governos podem ser catastróficas (a maioria) ou virtuosas. A maior recessão mundial dos tempos modernos, que começou com o crash da Bolsa de Nova York, em outubro de 1929, foi pródiga em decisões equivocadas de chefes de governo, das autoridades econômicas, dos gestores financeiros privados (em algumas praças eram as mesmas cabeças) e até dos parlamentos. As lições dessa crise servem até hoje e ajudam a evitar a reedição de alguns (não todos) erros dramáticos. Por exemplo:

Em 17 de junho de 1930, quando parecia que a crise ia arrefecer, o presidente Hoover sancionou a lei Smoot-Hawley, aprovada no Congresso dos EUA, elevando fortemente as tarifas comerciais, “em defesa da autossuficiência americana”. Produziu o efeito de generalizar as práticas protecionistas, o que paralisou o comércio entre as nações e aprofundou e deu longa vida à recessão em toda a economia mundial.

Pressionado pela oposição conservadora e pela “city londrina”, o gabinete trabalhista inglês elaborou um orçamento para 1931 com drástica redução nas despesas do governo, inclusive cortes importantes nos salários do funcionalismo civil e militar e até mesmo no auxílio-desemprego! O equilíbrio orçamentário manteria a valorização da libra esterlina, vinculada ao padrão-ouro. A estabilidade financeira era exigência dos bancos, da grande imprensa conservadora e das entidades representativas da própria indústria britânica.

Como todos sabem, a história é plena de acidentes. Num ancoradouro naval escocês, marinheiros da esquadra imperial, descontentes com a profundidade dos cortes salariais, se recusaram a obedecer ordens dos oficiais para zarpar, no que ficou conhecido como o Motim de Invergordon. Pior que a desobediência, fato raro que implicava severas punições, desandaram a entoar The Red Flag, o que foi interpretado como uma ameaça revolucionária, à semelhança dos motins de 1917 da marinha russa em São Petersburgo.

O susto produziu as consequências indesejadas: os mercados financeiros desabaram, a libra passou a flutuar, a Grã-Bretanha abandonou o padrão-ouro (e na sequência os demais países). O contágio da recessão não poupou nenhum país. Medidas protecionistas ampliadas afundaram as economias num longo período de depressão. A esperança de milhões de trabalhadores de recuperar seus empregos hibernou em todo o mundo pelo período de uma geração, a geração perdida.
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