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sábado, 20 de novembro de 2010

Contraponto 4006 - "Na Irlanda, FMI repete fórmula contra o povo e a favor dos bancos"

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20/11/2010


Na Irlanda, FMI repete fórmula contra o povo e a favor dos bancos

Do vermelho - 19/11/2010

Submerso nos resultados de uma das piores crises do capitalismo, o governo irlandês, na tentativa de resolver a grave situação em que se encontra o seu país, mantém hoje (19) conversas com representantes do Fundo Monetário Internacional (FMI). Na pauta, o receituário já conhecido: empréstimos a juros exorbitantes para sanar o sistema bancário e cortar direitos sociais penalizando trabalhadores e a sociedade em geral.

Banco IrlandaPopulação, novamente, pagará conta de ajuda aos bancos

A equipe do FMI, formada por 12 pessoas, chegou nesta quinta-feira à capital irlandesa liderada pelo diretor de seu Departamento na Europa, Ajai Chopra, e o especialista em bancos Ashoka Mody, que elaborou no passado vários relatórios anuais sobre a economia irlandesa.

A tal “ajuda financeira” viria tanto do FMI quanto da União Europeia. Por isso, França e Alemanha exigem que, em troca do dinheiro – mais de 50 bilhões de euros – a Irlanda eleve seus impostos. Dublin alertou ontem as autoridades da UE que isso "não é negociável" e que sua soberania fiscal será preservada. A elevação da carga tributária foi um dos pontos do acordo que a Grécia assinou com a UE em maio, para receber o seu pacote de resgate. A alta acabou levando centenas de empresas a deixarem o país, além de levar centenas de pessoas às ruas de Atenas.

Os pacotes que têm sido aplicados como solução para a crise especialmente em países europeus repetem a fórmula que privilegia o sistema financeiro em detrimento da população. Para aplicar o receituário do FMI, o governo irlandês estuda aplicar um corte de 15 bilhões de euros nos gastos públicos nos próximos quatro anos, diminuindo o déficit – estimado em 32% para 2010 – para 3% em 2014. Tais cortes atingiriam áreas como saúde, educação e assistência social. As medidas, casadas com a crise atual, certamente resultarão em uma economia mais acanhada, com cortes salariais e aumento no desemprego.

“O governo decidiu honrar a palavra em vez de tomar a decisão mais adequada para o país. O pagamento de 55 bilhões de euros em títulos bancários deixa felizes os credores – no caso os bancos ingleses, franceses e alemães – e os ricos banqueiros da Irlanda. Além disso, a decisão ainda fez os governantes posarem de bons moços no cenário internacional. Mas a política protecionista aos bancos vai custar caro aos contribuintes, já que a cobertura das perdas das instituições excede em muito a capacidade fiscal do país”, escreveu Morgan Kelly, professor de economia da University College de Dublin, em artigo recente.


Da redação, com Opera Mundi
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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Contraponto 3988 - "Amnésia midiática: como o Tigre Celta virou um Haiti financeiro"

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18/11/2010


Amnésia midiática: como o Tigre Celta virou um Haiti financeiro

Do Vermelho - 18 de Novembro de 2010 - 17h33

Nos anos 80 e 90, a palavra “Irlanda” era pronunciada com a reverência reservada aos quitutes finos nos banquetes neoliberais. O “ajuste irlandês”, iguaria produzida a partir de uma receita de cortes brutais nos gastos públicos, demissão em massa de funcionalismo e isenções maciças de impostos, era vendido nas praças de alimentação do mundo pobre como o cardápio da hora.

Por Saul Leblon, na Carta Maior

A Irlanda era por assim dizer a garota do quarteirão do Consenso de Washington. Ombrear-se a ela era possível, mas exigiria uma aplicação de ferro, explicavam os ventríloquos nativos que agora demonstram súbita amnésia em relação ao passado desta que é a bola da vez da derrocada europeia. Recapitulemos então:

1) em meados dos anos 80, a Irlanda adotou um “padrão perene” de ajuste fiscal, cercado de “salvas & vivas” da ortodoxia mundial;

2) um serviço à la carte foi providenciado na cozinha irlandesa para atender àa freguesia do mercado: a anistia tributária veio junto com cortes de despesas e redução dos investimentos públicos em 1987;

3) 14 mil funcionários públicos foram demitidos ou aderiram a programas de demissão voluntária (isso numa população de 4 milhões de pessoas);

4) o ajuste iniciado em 87 veio para ficar. Até meados dos anos 2000, a Irlanda manteve-se fiel à santíssima trindade neoliberal: controle dos gastos públicos, teto no reajuste dos salários públicos [taxa máxima de 2,5% ao ano entre 1988 e 1990] e incentivos “amigáveis” aos mercados [leia-se, desonerações e vale-tudo];

5) o arrocho fiscal produziu, naturalmente, uma redução substantiva da dívida interna derrubando a despesa com juros de modo a obter um permanente superávit nominal [outro mantra dos neoliberais];

6) a supremacia dos mercados desregulados cavava, porém, vertedouros subterrâneos que corroíam as bases econômicas do país. O foguetório de superfície permanecia: o “Tigre Celta” crescia a taxas chinesas com macroeconomia de paraíso fiscal [nenhuma empresa pagava imposto acima de 12,5%) Quer coisa melhor que isso? Era o prato da hora. Resquícios dessa receita, agora indigesta, ainda frequentam a agenda do grupo pró-mercados que participa da equipe de transição da presidente-eleita Dilma Rousseff;

7) o desfecho irlandês recomendaria maior prudência na transposição de seus fundamentos aos ares tropicais. Os números indicam que o banquete redundou em um artordoante desarranjo gastrointestinal que transformou o “Tigre Celta” numa espécie de Haiti financeiro. A saber:

a) a economia irlandesa degringola desde a explosão da bolha financeira em 2008: de lá para cá o país acumula uma queda de apreciáveis 11,6% do PIB — taxa que o coloca algumas cabeças à frente do que se poderia chamar de recessão. Depressão talvez seja um termo mais apropriado para a convalescência de sangue, suor e lágrimas que pode durar até 15 anos;

b) a Irlanda quebrou quando os fluxos de capitais deixaram de alimentar a ciranda doméstica ancorada em desonerações atraentes aos fundos especulativos, cuja maior obra foi a bolha a imobiliária, agora em estado terminal.

c) os preços dos imóveis já perderam 50% do valor; a inadimplência grassa junto com o desemprego, a fuga de capitais e o arrocho salarial. Há milhares de imóveis vazios e os bancos estão virtualmente falidos: para salvá-los, o país negocia um empréstimo de 100 bilhões de euros com o FMI, sujeito às condicionalidades conhecidas.

d) o que a frivolidade midiática esquece, porém, é que o “Tigre Celta” quebrou, sobretudo, porque não dispunha mais de políticas públicas, de aparato público e, sobretudo, de ideologia do interesse público para contrastar a derrocada dos mercados especulativos com ações anticíclicas em defesa do emprego e da sociedade.

e) o “ajuste irlandês” cantado em prosa e verso pelos bardos da mídia nativa havia reduzido o país a uma extensão direta dos mercados. Não havia como reagir a seus próprios instintos suicidas. A crise fulminou a Irlanda porque o modelo neoliberal irlandês era a própria essência da crise. Que sirva de alerta aos discípulos da “agenda das reformas” que participam ativamente da equipe de transição da presidente eleita Dilma Rousseff.
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