quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Nº 22.196 - "Um ano depois do golpe: a vertigem do retrocesso e o silêncio dos envergonhados"


31/08/2017


Um ano depois do golpe: a vertigem do retrocesso e o silêncio dos envergonhados



Brasil 247 - 31 de Agosto de 2017


Tereza Cruvinel


A passagem do primeiro aniversário do impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff tem uma serventia: ela atesta de forma inequívoca que o programa do golpe fracassou em todas as frentes e castigou todos os seus articuladores com o cipó de aroeira da rejeição e do descrédito. O fracasso e o castigo deles, entretanto, não suprime os efeitos devastadores do golpe sobre a ordem democrática, econômica e social que o Brasil vinha construindo desde a Constituição de 1988. 

Nestes 12 meses, o país embarcou numa espiral vertiginosa de retrocessos em todos os campos, e quando os brasileiros se perguntam pela  luz no fim do túnel,  novos desatinos são perpetrados pelo governo e seu bloco político-partidário, descomprometidos com a vontade popular, com a ideia de Nação e com os horizontes do futuro.  Haverá Brasil e haverá brasileiros depois que Temer se for mas ele age como se fosse o último monarca.

Nesta passagem dos 12 meses sob seu governo ilegítimo, imoral, entreguista e inepto, o que paira sobre tantos alaridos de vulgaridade é o silêncio dos envergonhados, dos que bateram panelas e soltaram gritos irados nas manifestações pró-impeachment , acreditando (nem todos, pois alguns sabiam exatamente o que faziam) que de uma ruptura democrática poderia sair alguma solução virtuosa.  Um ano depois,  eles não têm nada a declarar. Alguns tentam até dizer que a culpa é novamente de Dilma e do PT, que escolheram Temer como vice na chapa vitoriosa em 2014.  Mas quando pediam impeachment, estavam pedindo Temer, estavam avalizando a agenda da “Ponte para o Futuro”, o programa golpista que virou ponte para o passado, estavam pedindo este estado de exceção dissimulado,  que não legitima mas legaliza a supressão de direitos, a entrega das riquezas nacionais e a execução de uma política econômica recessiva, que tira empregos, quebra empresas e engorda bancos.

O fracasso é geral, começando pelo moral. Eles deram o golpe vociferando contra a corrupção e prometendo moralidade: um ano depois, a corrupção mostra todos os seus dentes e revela sua extensão.  Eduardo Cunha, o presidente da Câmara que conduziu o impeachment, foi para a cadeia poucos dias depois.  As denúncias fulminaram Aécio Neves, outro grande artífice do impeachment,  encalacraram dezenas de parlamentares e ministros e fizeram do próprio Temer o primeiro presidente da República denunciado por corrupção. Agora o será também por obstrução da Justiça e participação em organização criminosa. A rejeição de todos eles, como se pode conferir pela pesquisa Ipsos, foi às alturas.

Eles venceram prometendo “colocar a economia nos trilhos”. Em 12 meses, a recessão e o desemprego se agravaram, o consumo despencou, travando qualquer disposição de investimento.  Celebram o recuo da inflação, que nas condições recessivas atuais, é sinal de doença, não de saúde da economia.  Nesta data em que completa um ano como presidente efetivo, Temer mandará ao Congresso um orçamento faz-de-conta,com um deficit inferior em R$ 30 bilhões ao tamanho real do buraco, que ontem o Congresso não conseguiu aprovar completamente na noite de ontem,  a nova meta deficitária de R$ 159 bilhões.

Temer tomou posse falando em “Ordem e Progresso”. Em outubro, aprovou o congelamento do gasto público por 20 anos.    Anunciou a reforma trabalhista, que conseguiu aprovar, liquidando com a CLT, e a previdenciária, que o Congresso perdeu qualquer condição para aprovar, depois das denúncias da JBS.    A ordem que mantém a população receosa em casa decorre do desprezo e do medo de que tudo fique ainda pior.  E em vez de progresso, retrocessos em todas as frentes:  nas políticas sociais, na saúde, na educação, na proteção ao meio ambiente, aos índios, aos direitos humanos, aos direitos da mulher.  No plano internacional, o Brasil tornou-se irrelevante, perdeu toda a influência conquista com a política externa altiva e ativa de Lula-Celso Amorim.

Fracassada a promessa da reforma previdenciária, outra agenda foi oferecida ao mercado, a das privatizações  no atacado, que juntam uma Eletrobrás com uma entrega das ricas jazidas da Renca às transnacionais, passando por portos, aeroportos, estradas, poços de petróleo, Casa da Moeda etc.etc.

O que eles podem celebrar nesta data? Estando fora do país, Temer poupou-se de fazer qualquer pronunciamento a respeito. Se fizesse, não haveria panelaço, mas este silêncio pesado, o silêncio dos envergonhados e os dos que resolveram esperar parados pelas eleições de 2018, que também não são tão certas.


TEREZA CRUVINEL. Colunista do 247, Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País.
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Nº 22.195 - Meirelles e o Consenso de Washington ( partes 1, 2 e 3)


31/08/2017

Meirelles e o Consenso de Washington(1). Por Samuel Pinheiro Guimarães


Do Tijolaço  · 31/08/2017


consenso
Fernando Brito
Em três postagens, a partir desta, reproduzo o artigo que me foi enviado pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral do Itamarati e Ministro de Assuntos Estratégicos no Governo Lula, onde ele analisa a adoção e implantação das políticas do Consenso de Washington, formuladas quase 30 anos atrás por economistas do Fundo Monetário Internacional,  do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.

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 Samuel Pinheiro Guimarães


Meirelles e o Consenso de Washington

Samuel Pinheiro Guimarães
O programa econômico do Senhor Henrique Meirelles, atual Ministro da Fazenda; ex-Presidente do BankBoston entre 1996 e 1999 e do FleetBoston Financial; ex-Presidente do Banco Central de 2003 a 2010, e, entre 2012 e 2016, Presidente do Conselho de Administração da holding J&F, de Joesley Batista, é o Programa do Mercado.
É o programa desejado com ardor (e promovido com recursos) pelos banqueiros, rentistas, grandes empresários comerciais e industriais, grandes proprietários rurais, donos de grandes órgãos de comunicação, gestores de grandes fortunas, executivos de grandes empresas e seus representantes no Congresso.
O Mercado pode ser definido como sendo integrado por cerca de 200 mil pessoas que declaram, espontaneamente, ao preencher suas declarações anuais de Imposto de Renda, terem rendimentos mensais superiores a 80 salários mínimos (cerca de 80 mil reais por mês).
Os integrantes dessa entidade, criada e chamada pela mídia e pela academia de Mercado, são em número inferior a 0,2% da população adulta brasileira (cerca de 120 milhões de indivíduos) e se defrontam com os demais 207 milhões de indivíduos, que são mais de 99% do povo brasileiro. Entre os 26 milhões de brasileiros que devem, de acordo com a legislação, apresentar declaração de rendimentos e de bens são eles menos de 1% dos declarantes do imposto de renda.
O Programa de Reformas de Meirelles, as quais são contrarreformas que promovem um retrocesso econômico e social ao período anterior a 1930. Essas contrarreformas, que a esmagadora maioria do povo rejeita, são um programa imposto de forma implacável ao Brasil, sendo, em realidade, a execução (anacrônica) das políticas recomendadas pelo Consenso de Washington.
O Consenso de Washington é uma lista de dez políticas elaborada por técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial, do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e por acadêmicos norte-americanos, como sendo as políticas mais adequadas e (até as únicas) capazes de promover o desenvolvimento dos países atrasados, subdesenvolvidos, como o Brasil.
Este Consenso, que data de 1989, retoma os princípios da teoria e da política econômica clássica dos tempos do padrão-ouro e anteriores a J.M.Keynes, em um momento da política econômica americana caracterizado pelo sucesso de seus esforços de abertura de mercados, de desregulamentação financeira e de apoteose da globalização; e da política externa, devido a sua vitória contra o Iraque na primeira guerra do Golfo e à derrocada da União Soviética, a maior vitória política e militar em que não houve o dispêndio de uma bala.
A aplicação das políticas do Consenso de Washington, exigida pelas “condicionalidades” do FMI e do Banco Mundial para a concessão de empréstimos e pelos dispositivos dos acordos de livre comércio, versão dos “acordos desiguais” do Século XIX, não levaram ao desenvolvimento dos países da América Latina e da África.
A distância, em termos de renda per capita, de participação no Produto Mundial e no comércio mundial, de número de patentes registradas etc. entre os países altamente desenvolvidos e os países subdesenvolvidos (entre os quais não se deve incluir a China) não se reduziu entre 1989, data do Consenso, e os dias de hoje.
Do ponto de vista estrutural, estes países continuaram a se caracterizar como produtores/exportadores de matérias primas e importadores de produtos industriais, exibindo graves disparidades e pobreza, e baixo ou nenhum dinamismo tecnológico.
Aqueles países que se desenvolveram e cresceram rapidamente depois de 1989 foram aqueles que não seguiram estas políticas do Consenso (sempre advogadas pelos Estados Unidos, organismos econômicos e países desenvolvidos) com especial destaque para a China, e em parte pela Índia.
A execução do Programa do Senhor Henrique Meirelles se faz com a colaboração dos Senhores Ilan Goldfajn e Dyogo Oliveira, e dos técnicos que trabalham na Fazenda, no Banco Central e no Ministério do Planejamento, que são apresentados sob a expressão “equipe econômica”.
O Programa de Reformas executado por Henrique Meirelles e seus auxiliares, com a ajuda do Congresso Nacional, é a implementação, no Brasil, do Consenso de Washington.
As políticas do Consenso de Washington e do Programa de H. Meirelles são dez: disciplina fiscal; redução dos gastos públicos; reforma tributária; juros de mercado; câmbio de mercado; abertura comercial; eliminação das restrições ao investimento direto estrangeiro; privatização de empresas estatais; desregulamentação ; direito à propriedade intelectual.
No próximo texto, como cada uma delas vem sendo tocada, às cabeçadas, neste ano de golpe.



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Meirelles e o Consenso de Washington (2). Por Samuel Pinheiro Guimarães


Do Tijolaço · 31/08/2017

consenso2
POR FERNANDO BRITO
Na segunda parte do texto de Samuel Pinheiro Guimarães,  como se põe  em prática o decálogo do Consenso de Washington, herança revivida dos tempos do “pensamento único”.

Os dez mandamentos de Meirelles

Samuel Pinheiro Guimarães
A disciplina fiscal, primeiro princípio do Consenso, que significa um esforço de promover um rigoroso equilíbrio entre receitas e despesas públicas, elimina a possibilidade de endividamento do Estado para realizar políticas anticíclicas, para enfrentar o desemprego e o subemprego, e realizar os investimentos estruturantes e indispensáveis ao desenvolvimento sustentado de um país.
A disciplina fiscal, ponto central do Programa de Meirelles, é imposta pela Emenda Constitucional 95, que congela as despesas “primárias” por 20 anos, sem tocar nas despesas do Estado com a dívida pública, que chegam a quase 50% do total do orçamento e dos gastos públicos, sem permitir o aumento de receitas, rejeitando o combate à sonegação de impostos e à evasão de divisas, e, implicitamente, negando a possibilidade de aumento de impostos e de reforma tributária.
O segundo princípio do Consenso, que é a redução dos gastos públicos, significa a redução das despesas primárias com as atividades do Estado em segurança pública, justiça, defesa; em programas sociais como educação e saúde pública; com a Assistência e Previdência Pública; com investimentos de infraestrutura etc.
Não cogita H. Meirelles de reduzir os gastos do Estado com o serviço e amortização da dívida pública, correspondentes a mais de 50% do orçamento, que decorre dos níveis extraordinários, em termos internacionais, da taxa de juros de referência estabelecida pelo Banco Central (a SELIC) nem de controlar as receitas que o setor financeiro aufere com a prática de juros elevadíssimos que inibem o consumo da população e o investimento empresarial.
A politica de redução dos gastos do Estado é procurada através da mesma Emenda Constitucional 95 que congelou as despesas primárias ao nível das despesas realizadas no ano de 2017, por vinte anos, isto é, até 2037.
Algumas consequências da redução de gastos públicos (ou de privatização dos programas públicos) são as seguintes:
 ♦ redução do Bolsa Família, que atende hoje a 25% da população, o que redundará em aumento da pobreza absoluta;
 ♦ redução do atendimento às crianças na primeira infância;
 ♦ redução do SUS e agravamento da situação da saúde da massa de cidadãos pobres, sem capacidade de pagar por remédios e assistência médica;
 ♦ redução dos investimentos em educação e sua privatização o que excluirá os pobres do acesso à educação;
 ♦ redução dos investimentos em defesa, necessários a uma política de dissuasão, imprescindível a um país com as dimensões geográficas, populacionais e econômicas do Brasil.
 ♦ redução dos investimentos em ciência e tecnologia.
O terceiro princípio, a reforma tributária, propugnado pelo Consenso de Washington não significa uma reforma do sistema tributário para torná-lo menos regressivo, isto é, menos incidente sobre os mais pobres, mas sim reduzir impostos sobre o capital e as contribuições previdenciárias das empresas para, com o aumento da perspectiva de lucro das empresas, atingir o objetivo de estimular os investimentos privados.
É o que parece pretender o Ministério da Fazenda e Meirelles, articulador principal da política econômica do Governo Temer, como se pode entrever das discretas manifestações do Governo sobre o tema.
A pouca disposição de Henrique Meirelles de rever as desonerações fiscais e de cobrar a dívida pública da União, que supera o montante de três trilhões de reais, e as dívidas das empresas privadas para com a Previdência, que chegam a mais de 400 bilhões de reais; os programas de refinanciamento de dívidas (REFIS) que são, em realidade, programas de perdão de dívidas; a tolerância com as decisões do Conselho Administrativo da Receita Federal-CARF em favor das grandes empresas e contra o Estado; a tolerância com a evasão de divisas para o exterior, revelam, em seu conjunto, a natureza da reforma tributária que Meirelles está, na prática, realizando em benefício do capital e contra o trabalho.
A prática de juros de mercado, a quarta recomendação do Consenso de Washington, significa que o Estado não deve executar políticas de juros subsidiados para estimular e fortalecer as empresas de capital nacional em sua competição, interna e internacional, com as megaempresas multinacionais que, além dos recursos de suas tesourarias, tem fácil acesso a financiamento de bancos públicos de seus Estados e de megabancos privados multinacionais.
A política de Meirelles de substituir a TJLP-taxa de juros de longo prazo, cobrada pelo BNDES nos empréstimos às empresas (não somente nacionais, mas também estrangeiras) pela TLP-Taxa de Longo Prazo, que fará com que os juros cobrados pelo BNDES se aproximem dos juros de mercado, taxa que será flutuante, é um dos instrumentos da política de privatização dos bancos públicos brasileiros, no caso do BNDES, visa também beneficiar as empresas estrangeiras que atuam no Brasil e forçar as empresas brasileiras a se financiarem junto a bancos privados que praticam taxas de juros (a empresas) que superam 30% ao ano, taxas que tornam inviável qualquer investimento produtivo.
O Consenso de Washington recomenda, em quinto lugar, aos países subdesenvolvidos que adotem uma política de câmbio de mercado, isto é, que o Estado não interfira de nenhuma forma no mercado cambial e que não controle de nenhuma forma os fluxos de ingresso e de saída de capitais da economia e, portanto, permita a intensa especulação que existe no mercado mundial de divisas.
O Ministério da Fazenda e o Banco Central realizam uma politica de câmbio valorizado, isto é, o real tem um valor em relação ao dólar muito superior ao que seria conveniente para promover o desenvolvimento industrial e os investimentos privados necessários, política que dificulta as exportações brasileiras, inunda o mercado doméstico com importações de produtos industriais baratos (provenientes em especial da China, mas não somente da China), estimula as despesas com turismo etc. e desnacionaliza a indústria brasileira que, cada vez mais enfraquecida, é gradualmente vendida a preços “muito bons”, segundo os especialistas em vender o Brasil.
A política cambial é pró-valorização do real com o objetivo de usar a política de juros altos para atrair capitais estrangeiros em investimentos especulativos.
A abertura comercial, sexta política recomendada pelo Consenso de Washington, que consagra a divisão internacional do trabalho entre países primários e países industriais. É objetivo de Henrique Meirelles na medida em que este pratica uma política de plena liberdade de ingresso no Brasil de produtos industriais estrangeiros, mesmo quando há situações de dumping.
As consequências desta política de abertura se pode verificar pelos déficits na balança comercial de produtos industriais com os países altamente industrializados e com a China; por não haver regulamentação da exportação de produtos agrícolas, altamente favorecida pela política de crédito do Governo (o que beneficia os países que importam produtos primários brasileiros); pela decisão de extinguir o acesso a crédito favorecido às empresas instaladas no Brasil que era concedido pelo BNDES; pela eliminação da política de conteúdo nacional; pela fraca defesa das políticas brasileiras denunciadas na Organização Mundial do Comércio-OMC pelos países exportadores industriais que procuram impedir a emergência de competidores enquanto, no Brasil, se repete sem cessar o mantra da competitividade e da produtividade, na realidade, argumentos para promover a redução de salários e de benefícios aos trabalhadores.
Henrique Meirelles pretende consolidar o seu programa neoliberal através da adesão do Brasil à Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE, que reúne os países mais desenvolvidos do mundo para articular posições comuns em negociações e em organismos internacionais, sem ouvir a sociedade ou o Congresso Nacional, aferrolhando (lock in) toda sua política ultra neoliberal e tornando sua eventual revisão, ainda que venha a se verificar indispensável pelas necessidades de desenvolvimento de um país com as características do Brasil, mais difícil, pois sua revisão contrariaria “compromissos Internacionais”.
Pretende também Henrique Meirelles promover, a qualquer custo, um acordo de livre comércio com a União Européia, que levará à celebração de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, com a China, com o Japão e outros países e eliminará toda possibilidade de desenvolvimento industrial no Brasil devido à eliminação de seu principal instrumento que é a política tarifária.
Estes acordos significarão o fim da tarifa externa comum do Mercosul e, portanto, o fim de toda política de integração regional e de formação de um bloco sul americano.
O sétimo princípio do Consenso de Washington, que determina a eliminação das restrições ao investimento direto estrangeiro, vem sendo posto em prática em especial pela política de câmbio de mercado; pela privatização e desnacionalização das empresas estatais, sem qualquer precaução de natureza estratégica, como ocorre em países desenvolvidos em relação a setores como eletricidade, portos e meios de comunicação; pela abertura da exploração das reservas do pré-sal às megaempresas petrolíferas estrangeiras; pela política de fragmentação e venda a multinacionais petroleiras de empresas do complexo da Petrobrás; pelo fim da política de conteúdo nacional.
Outras políticas do Governo de favorecimento ao capital estrangeiro são a abertura de setores de serviços como a saúde e educação; a venda de terras a estrangeiros; a desregulamentação ambiental e a abertura de reservas florestais à exploração econômica, em especial à mineração.
A Operação Lava Jato contribuiu de forma importante para criar na opinião pública uma imagem da Petrobrás como empresa corrupta e ineficiente, a partir da divulgação permanente para a imprensa de delações premiadas envolvendo dirigentes da empresa e políticos, apesar de sua capacidade de produção e de sua liderança tecnológica no setor de petróleo.
Em realidade, o objetivo da política de Meirelles é reduzir o Estado ao mínimo, eliminando sua competência e função reguladora e fiscalizadora da atividade econômica (inclusive no sistema tributário) e de investidor e transferir toda atividade econômica para a empresa privada, mas em especial para a empresa estrangeira, promovendo um amplo processo de desnacionalização da economia que ocorre, inclusive, em paralelo à eliminação de qualquer apoio às empresas de capital nacional.
A execução do oitavo princípio do Consenso de Washington, que recomenda a privatização das empresas estatais, estava anunciado no Programa de Parcerias de Investimento-PPI desde o início do Governo Temer e agora se acelerou com a crise política e com o desequilíbrio fiscal agravado pelas necessidades de articulação de apoio político no Congresso para impedir a aprovação da abertura do processo de investigação contra o Presidente Michel Temer e para compensar a queda constante de receita tributária, devido à recessão econômica causada pela própria política recessiva que Henrique Meirelles provoca ao executar, com rigor, as políticas recomendadas pelo Consenso de Washington e pelo Mercado.
Agora foi anunciada a privatização de 57 empresas, entre elas a Eletrobrás, a Casa da Moeda e grandes aeroportos, e prossegue, de forma discreta, o programa de desinvestimento da Petrobras, executado por Pedro Parente, que transformará a Petrobras, uma grande empresa de petróleo integrada e altamente competitiva no cenário internacional, em uma pequena empresa exportadora de petróleo, em especial para os Estados Unidos.
Henrique Meirelles está empenhado em privatizar os bancos públicos, como revelou Ilan Goldfajn, Presidente do Banco Central, ao dizer, em entrevista à imprensa, que os “juros altos” (ou o spread) no mercado brasileiro decorriam da falta de competição no setor financeiro, que deveria ser aberto aos bancos estrangeiros.
A política de desregulamentação é a nona política patrocinada pelo Consenso de Washington que significa, no mínimo, o afrouxamento da legislação econômica e trabalhista.
O Programa econômico do Mercado, executado por Henrique Meirelles, segue à risca essa recomendação do Consenso em todos os setores de atividade econômica a começar pela reforma trabalhista, com a redução das atribuições dos sindicatos; o enfraquecimento da Justiça do Trabalho e da fiscalização; a prevalência do negociado sobre o legislado; a terceirização em todas atividades das empresas; os horários intermitentes de trabalho; a possibilidade de demissão em massa de trabalhadores; fim do imposto sindical, mantendo o sistema S das entidades patronais; ampliação dos contratos temporários; fim da carteira de trabalho.
A reforma da Previdência Pública significará, devido à migração dos contribuintes mais ricos e mesmo dos mais pobres, que perceberão a inutilidade de contribuir devido aos novos prazos e exigências de aposentadoria, a privatização e o fim da Previdência no Brasil para os mais pobres, cujo rendimento não permitirá que paguem planos privados de previdência.
Na área ambiental, a flexibilização se faz pela transferência da União para os Estados da competência para a determinação de reservas ambientais; pela redução das exigências dos relatórios de impacto ambiental; pela flexibilização no uso de agrotóxicos.
Todo o programa de privatização (e desnacionalização) de empresas estatais corresponde também a uma ampla desregulamentação da atividade econômica em benefício das empresas privadas, mas não dos trabalhadores.
O enfraquecimento da regulamentação econômica se agravará com a redução das atividades de fiscalização do Estado que decorrerá da atrofia dos organismos de fiscalização devido a cortes de recursos e de pessoal.
A décima recomendação do Consenso de Washington diz respeito a proteção da propriedade intelectual através de uma legislação mais favorável aos detentores de patentes e marcas que são, em geral, megaempresas multinacionais.
Há um esforço permanente do Governo, através do Instituto Nacional de Propriedade Industrial-INPI, de reduzir os prazos para exame das solicitações de concessão de patentes, sem estabelecer nenhuma obrigação de fabricação no Brasil, o que se torna a patente um monopólio de importação, e redução das exigências de novidade, ao que se soma nenhuma fiscalização e remessas significativas e crescentes de pagamentos ao exterior por tecnologias, muitas vezes obsoletas e pelo uso de marcas, o que é absurdo.
A primeira parte do texto está aqui.
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Meirelles e o Consenso de Washington (3, final) Por Samiel Pinheiro Guimarães
Do Tijolaço · 31/08/2017

consenso3
POR FERNANDO BRITO
Na terceira e última parte de seu artigo, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães descreve o inevitável cenário de exclusão que a continuidade de um projeto neocolonial de desorganização de uma sociedade com 15 ou 20% de cidadãos e o restante de excluídos.

A consequência? A selva social

Samuel Pinheiro Guimarães
O elevado grau de urbanização da sociedade brasileira torna necessária a existência e a expansão da indústria, que é o setor dinâmico de qualquer economia desenvolvida de grandes dimensões.
A mecanização da agricultura de larga escala voltada para a exportação não gera empregos suficientes e expulsa mão de obra do campo para as cidades o que agrava a situação da população urbana em termos de emprego, habitação, saúde, educação etc.
A tendência à automação e à robotização no setor industrial, sem nenhuma política para enfrentar este desafio, faz com que, ainda que haja aumento da produção, se reduza a geração de empregos industriais.
A inexistência de uma politica de exportação de produtos industriais, que inclua a participação ativa das empresas estrangeiras, e o permanente ingresso de capitais estrangeiros necessários para equilibrar o balanço de pagamentos, devido ao déficit estrutural nas contas correntes, gera uma perspectiva de crise cambial futura, apesar das reservas significativas atuais.
A concentração de renda e de riqueza tenderá a se aprofundar continuamente assim como as demais disparidades internas e vulnerabilidades externas. A violência urbana e rural tenderá a se agravar de forma significativa.
Os detentores de grandes fortunas tenderão a se tornar absenteístas, isto é, passarão a residir no exterior como já ocorre em relação a muitas de suas famílias e herdeiros.
O Programa econômico do Mercado executado por Henrique Meirelles consolidará a situação do Brasil como produtor e exportador de produtos primários agrícolas e minerais, em especial de petróleo, e como território de exploração de mão de obra com a instalação de megaempresas multinacionais para explorar um mercado interno de tamanho médio, cerca de trinta milhões de consumidores, mas que é maior que o mercado interno de muitos países europeus (em número de consumidores), cercados estes 30 milhões por 170 milhões de uma massa anômica de desempregados, subempregados e miseráveis.
As duas primeiras partes estão aqui e aqui

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Nº 22.194 - "Ainda há dignidade entre os juízes no Brasil."


31/08//2017


Ainda há dignidade entre os juízes no Brasil.



Do Tijolaço · 31/08/2017


quantoriso

POR FERNANDO BRITO
Do juiz  Luís Carlos Valois, da Vara de Execuções Penais do Amazonas, no Facebook.
Se o filme fosse sobre algum processo que eu já tive em minhas mãos, ninguém iria sorrir, nem eu, nem ninguém.
Talvez fosse um filme de drama, talvez um de suspense, podia até ser um de terror, mas nenhum com a capacidade de se fazer sorrir comendo pipoca.
Poderia fazer chorar, fazer virar a cara, dar nojo e até dar vontade de sair do cinema, mas nunca fazer sorrir.
A justiça penal verdadeira não devia ser local, motivo, de alegria, mas de tristeza sempre, porque, quando age, age demonstrando o quanto falhamos como sociedade.
Não importa se a atuação da justiça penal pode ser transformada em algo plasticamente belo, o que já é uma deturpação da verdade, a justiça penal é triste, deve ser triste, para o bem da sociedade e da possibilidade de se manter são.
Eu não vi esse filme, mas se ele é sobre justiça penal, polícia e prisão, e causa essa alegria toda, eu não vou ver…
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quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Nº 22.193 - "Os entreguistas perderam a vergonha"

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30/08/2017


Os entreguistas perderam a vergonha


Do Cafezinho - 30/08/2017 Escrito por Miguel do Rosário, Postado em Redação




Mídia e governo estão realmente determinados a tomar todas as medidas necessárias para prejudicar a população, e beneficiar alguns poucos privilegiados.

Duas notícias de hoje (clique nas imagens para ir à fonte):

1)




2)



Ou seja, o mesmo governo que afirma não ter mais dinheiro para investir na indústria nacional, em projetos de infra-estrutura, em educação, em saúde, vai dar R$ 50 bilhões para meia dúzia de nababos, nacionais e estrangeiros, comprarem empresas estatais.

Para cúmulo do absurdo, o governo irá elevar as tarifas elétricas para que as estatais do setor fiquem lucrativas e beneficiem seus futuros proprietários privados.

A pergunta que se faz é: se a elevação de tarifa resolvesse a questão, não bastaria elevar agora e manter as empresas sob controle do Estado?

Um liberal poderia alegar: ah, mas o importante é tirá-las das mãos do Estado incompetente e entregá-las a iniciativa privada.

Que iniciativa privada? Estatais da China comunista?

A sanha para entregar patrimônio público às pressas, apenas para tampar o buraco de um déficit fiscal criado pelo próprio processo golpista, se torna, de cada vez mais clara, um crime contra a soberania nacional.


Todo esse processo, é importante falar, está sendo coordenado editorialmente, com a astúcia que lhe caracteriza, pela grande imprensa brasileira.

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Nº 22.192 - "FACHIN REJEITA SUSPEIÇÃO E MANTÉM JANOT NOS PROCESSOS CONTRA TEMER"

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30/08/2017


FACHIN REJEITA SUSPEIÇÃO E MANTÉM JANOT NOS PROCESSOS CONTRA TEMER



Brasil 247 - 30 DE AGOSTO DE 2017 ÀS 15:34

Reuters | STF

Ministro do STF e relator dos processos da Lava Jato na Corte, Edson Fachin, rejeitou o pedido de suspeição do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, feito pela defesa de Michel Temer; Janot, que deve deixar o comando da PGR no próximo dia 17, deverá apresentar uma nova denúncia contra Temer, algo que o Planalto tenta evitar a todo custo; pedido de suspeição foi feito no dia 8 de agosto sob a alegação de que Janot age de forma pessoal em ações contra o peemedebista, após a formalização da denúncia de corrupção passiva que acabou sendo arquivada pela Câmara; Fachin entendeu que não houve indícios de parcialidade de Janot

247 - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator dos processos da Lava Jato na Corte, Edson Fachin, rejeitou o pedido de suspeição do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, feito pela defesa de Michel Temer.

Janot, que deve deixar o comando da PGR no próximo dia 17, deverá apresentar uma nova denúncia contra o peemedebista, algo que o Planalto tenta evitar a todo custo.

O pedido de suspeição foi feito no dia 8 de agosto soba alegação de que Janot age de forma pessoal em ações contra o peemedebista. Na decisão, Fachin entendeu que não houve indícios de parcialidade de Janot durante as investigações contra Temer.

No mês passado, Janot denunciou Temer ao Supremo pelo crime de corrupção passiva. O processo acabou sendo arquivado pela Câmara, depois que Temer comprou o apoio de deputados com cargos e emendas parlamentares.


A acusação foi baseada nas investigações iniciadas a partir do acordo de delação premiada da JBS. O áudio da conversa gravada pelo empresário Joesley Batista, um dos donos da empresa, com o presidente, em março, no Palácio do Jaburu, também foi uma das provas usadas no processo.

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Nº 22.191 - "A mídia em duas conspirações. Por Nílson Lage"

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30/08/2017

A mídia em duas conspirações. Por Nílson Lage


POR NILSON LAGE, COLABORAÇÃO PARA O TIJOLAÇO · 30/08/2017


Do Tijolaço - 30/08/2017



midiagolpe


Em palestra na Udesc, Florianópolis, semana passada, comparei a imprensa brasileira em dois momentos, os que precederam a deposição de João Goulart por abandono do cargo, em 1964, e de Dilma Rousseff, por impeachment, em 2016 – em ambos os casos, com razões formais e ação política.

Em 1964, eu era redator-chefe de Última Hora, rede de diários que tirava 700 mil exemplares/dia rodando em quatro capitais; dois anos antes, editei por uns dois meses o Jornal do Brasil, joia da modernidade editorial da época, justo quando o obrigaram, por irresistível pressão bancária, a aderir à conspiração em curso. Estudo o assunto desde então.

A principal diferença entre os dois períodos é que atualmente a mídia é unânime no que importa e concentrada em cinco ou seis grupos geradores de informação; antes, era plural em tudo e divergia. O Rio de Janeiro, que recém-deixara de ser a capital, reunia os principais formadores de opinião que, hoje, estão em São Paulo, onde fica o estômago da Rede Globo.
A televisão alcançava os mais ricos e urbanos; o rádio era a mídia eletrônica do grande público, dominado ainda pela Nacional, emissora estatal gerida com isenção política. Revistas, duas principais, O Cruzeiro e Manchete
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A opinião fluía mesmo é nos grandes jornais do Rio, editados por empresas sólidas que ocupavam prédios centrais próprios, de cinco a sete andares.

O JB, fundado em 1891, conquistara influente faixa de leitores entre intelectuais e gestores oriundos do processo de modernização do país. Tentou manter a dignidade com linha editorial errática; depois, perdeu importância.

O Correio da Manhã, de 1901, tinha tradição oposicionista e redação que pesava na formulação da linha editorial; sua repercussão era tal que elegeu em 1966 dois redatores deputados federais – ambos com mandatos cassados nos anos seguintes.

O Diário de Notícias, de 1930, de orientação nacionalista e penetração no meio militar, patrocinara, em 1958, a formulação de um documento acadêmico que se tornaria plano de governo de Jânio Quadros; em 1966, associou-se à campanha pela “frente ampla” que reuniria Carlos Lacerda, João Goulart e Juscelino.

Ultima Hora, de 1951, órgão de linha trabalhista, tinha a peculiaridade de ser um jornal popular orientado por intelectuais do porte de seu diretor de redação, Moacyr Werneck de Castro, uma das pessoas mais cultas que já conheci. No dia mesmo do golpe de Estado, foram empasteladas ou desativadas suas oficinas em São Paulo, Recife e Porto Alegre. No Rio, a redação foi depredada, mas o jornal circulou por alguns anos mais.

O Correio da Manhã e o Diário de Notícias foram asfixiados e seus proprietários perseguidos. Desapareceram na década de 1970.


O Globo, de 1925, participou com os Diários Associados, de Assis Chateaubriand, do núcleo que armou o golpe de Estado. Em 1965, surgiu a TV Globo do Rio e a de São Paulo, que seriam o embrião da “rede de TV da revolução”, montada com verbas públicas entre 1972 e 1982; é hoje quem domina a opinião publica do país, ao lado de dois jornais e uma revista paulistas.

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Nº 22.190 - "Xadrez do fator é a economia, estúpido!, por Luís Nassif"

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30/08/2017

Xadrez do fator é a economia, estúpido!, por Luís Nassif



Jornal GGN - QUA, 30/08/2017 - 00:32ATUALIZADO EM 30/08/2017 - 07:30




Luis Nassif


Peça 1 - a desinformação como regra


Em qualquer análise que se faça sobre o jogo político brasileiro, os movimentos das corporações, o comportamento da mídia, deve-se partir do pressuposto básico: trata-se de um país essencialmente mal informado. E, como tal, sem os instrumentos democráticos básicos para acertos de rumo na economia, na política, no social.

O meio campo entre a opinião pública e as instituições é feito pela imprensa. Com a redemocratização, grupos de mídia se viram dotados de um poder político inédito na história do país. E acabaram assumindo uma linha sensacionalista que começou com campanha do impeachment de Collor e nunca mais se desgrudou dos jornais.  

O próprio modelo de mídia, concentrado em poucas famílias de baixo nível intelectual, acentuou ainda mais a mediocrização – isto é, a identificação do jornalismo com o cidadão médio.

Não se fixou, entre nós, o padrão de jornalismo doutrinário, guardião de valores e fiscal das políticas públicas fundamentais como ocorre em países desenvolvidos, com veículos referenciais à esquerda e à direita. Sem esses canais de distribuição, as ideias da Academia ficam encapsuladas, para grupos restritos. E os think tank existentes no máximo são servidos como aperitivo para grandes corporações, não ajudando a definir ações nem de instituições nem de partidos.

Além disso, a crescente despolitização da política brasileira, ao longo de sucessivos governos – de FHC a Lula e Dilma – impediu a fixação de valores doutrinários relevantes, formuladores de um projeto nacional. A chegada das redes sociais completou o quadro de caos informacional.

Hoje em dia, tem-se uma classe média impulsionada por preconceitos, empresários sem noção dos efeitos de políticas econômicas sobre o futuro de seus negócios, corporações públicas – como o Judiciário e o Ministério Público – com um grau assustador de desinformação política. São camadas sucessivas de opinião pública que se movem por slogans, por um pensamento homogêneo, rasteiro, que não se abre para nenhuma forma de questionamento.

Só isso para explicar a apatia inicial com que está sendo tratado o projeto de descontratação da energia da Eletrobras.


Peça 2 - as consequências dos desastres econômicos


Entendido isto, vamos às consequências de políticas econômicas. Os diversos setores do país passam a analisar as políticas a posteriori, à luz dos seus resultados.

Getúlio Vargas foi eleito depois do desastre liberal do governo Dutra. Fernando Collor foi eleito depois da centralização do regime Militar. Fernando Henrique Cardoso, após o desastre liberal de Fernando Collor. Lula, após o desastre liberal de FHC. O golpe de Temer após o desastre intervencionista de Dilma.

O golpe militar de 64 se consolidou após reformas bem-sucedidas da dupla Roberto Campos-Octávio Bulhões, seguida do pragmatismo de Delfim Netto. E Lula conseguiu eleger Dilma Rousseff após as políticas anticíclicas bem-sucedidas de 2008-2010.

Tudo isso para constatar que após um grande desastre econômico, se tem uma virada de jogo.

O desastre perpetrado pelo "dream team" atual da economia é de dimensões cavalares, maiores ainda que os desastre do período Joaquim Levy-Dilma Rousseff, porque em cima de uma economia já combalida.

O problema desse pessoal não é a ideologia: é a ausência total de visão de país. Há um conjunto de políticas que se impõem, independentemente de tendências ideológicas. Mas, para tanto, há a necessidade de um conhecimento aprofundado de todas as variáveis econômicas.

Roberto Campos foi um dos pais do BNDES, apesar de ferozmente privativista. Atuou para a estatização da Light, quando percebeu que a Brascan não pensava em investir na manutenção e ampliação da rede. Rômulo de Almeida, Cleantho de Paiva Leite e Jesus Soares Pereira pensaram na Petrobras atuando sem monopólio, apesar de defensores intransigentes do papel do Estado, e a UDN de Bilac Pinto optou pelo monopólio e pela verticalização, baseada nos estudos técnicos de Fernando Lobo Carneiro.

Em todos esses episódios, o papel do economista era identificar o problema e resolvê-lo da melhor maneira possível.

É por isso que, do ponto de vista da estratégia nacional, o golpe atual é mil vezes pior do que o de 1964. Castelo Branco assumiu viabilizando um conjunto de reformas que patinava no governo Jango, devido ao boicote do Congresso. Veio abastecido pelo avanço do planejamento brasileiro, em órgãos públicos, como o BNDES, ou em consultorias privadas, como a Consultec. Modernizou institucionalmente a Receita, criou o Banco Central, modernizou o mercado de capitais. Havia até o Estatuto da Terra, que morreu devido à entropia que caracteriza todas as ditaduras, impedindo a voz de setores desfavorecidos.

Jamais imaginaram privatizar a Eletrobrás ou a Petrobras porque eram empresas estratégicas, entendidas como estratégicas por um conjunto de pensadores que, sendo conservadores ou populares, compreendiam a lógica de funcionamento de uma economia.

Desde que a Fazenda passou a ser entregue aos chamados economistas de mercado ou seus porta-vozes, perdeu-se totalmente a dimensão da complexidade de uma economia como a brasileira.

Eles não têm a menor ideia da engrenagem que move expectativas, induz aos investimentos, movimenta o consumo. Não tem a menor ideia sobre o funcionamento do mercado elétrico, sobre a lógica dos investimentos em infraestrutura.

Limitam-se a olhar as taxas de juros longas, como Penélope à espera de Ulisses. Quando as taxas apontarem para baixo, Ulisses surgirá no horizonte e, com suas flechadas, eliminará os ímpios e os céticos.

Pior, deixam esse mercado de taxas longas à mercê do jogo especulativo, sem ao menos intervir, como faz o FED nos Estados Unidos.

Daqui a alguns anos, algum scholar escreverá um livro recheado de série estatísticas dissecando o desastre promovido pelo governo Temer. E, aí, talvez o “dream team” consiga enxergar minimamente o tamanho do desastre que produziu.


Peça 3 – caindo na real


A opinião pública brasileira – de empresários ao povão – só começa a cair na real quando se radicalizam os efeitos maléficos de políticas econômicas incorretas. Sempre haverá uma sobrevida ao desastre, com as Mirians Leitãos da vida explicando que precisa sofrer um pouco mais para conseguir o céu; e quando o céu não chega explicando que o sacrifício foi insuficiente, apesar de 16 milhões de desempregados. Mas chega uma hora em que aq ficha cai até para o telespectador mais crédulo.

A ficha caiu para o grosso da população com a proposta de reforma da Previdência e reforma trabalhista. Para os industriais, com o fim da política de conteúdo nacional, a tentativa de emascular o BNDES e a falta de investimentos públicos em infraestrutura.

É evidente que nem com injeção de adrenalina na veia se conseguirá despertar o tal espírito animal do empresário. E o capital externo só virá para compras de ativos na bacia das almas.

O primeiro efeito desse desencanto geral provavelmente será a fritura do chefe do “dream team”, Henrique Meirelles, a pior herança que Lula legou ao país. Não resolverá. Não existe dimensão política do governo Temer, nem quadros de fôlego e respeitabilidade na área econômica capazes de inverter a lógica da política econômica. Ela é do tamanho de Temer.

O resultado está aí, no crescimento consistente de Lula e na queda consistente das principais lideranças do PSDB e dos heróis da Lava Jato em relação diretamente proporcional com o exército de desempregados..

Peça 4 – os dilemas do antilulismo


E aí se entra em um dilema crucial.

Numa ponta, a tentativa dos atuais condôminos do poder em preservar o butim conquistado.

O primeiro caminho seria apostar as fichas em um candidato novo. Na quadra atual, sem perspectiva de recuperação econômica, tendo como padrinho o sujeito mais odiado do país – Michel Temer – só um milagre para a aliança golpista produzir um candidato competitivo. Mesmo que consigam tirar Lula das eleições, com as armações de Sérgio Moro e o TRF4.

O segundo caminho seria o parlamentarismo, o presidencialismo mitigado ou o nome que se dê ao modelo que pretenda retirar poder do voto. Mas só passaria caso a economia permitisase um mínimo de fôlego para a aliança golpista

Se a situação econômica piorar mais ainda – e não há nada pior que a continuidade da recessão em cima de uma economia já depauperada – se esfumaçará o pesado véu de desinformação montado pela mídia para matar a memória recente da economia. E poderá haver uma debandada geral de políticos e empresários em direção a Lula, por sua capacidade de recriar o sonho e pela obra que já construiu.


E como Lula é grande, mas não é Deus, na hipótese de assumir terá o enorme desafio de manter as expectativas sem conseguir milagres.

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