segunda-feira, 25 de julho de 2011

Contraponto 5862 - Diário da Nova China (2 e 3)

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25/07/2011

Diário da Nova China (2) Beijing no domingo: primeiras impressões

Do Blog do Emir 24/07/2011

Emir Sader*

As primeiras impressões na chegada à China – nesta segunda vinda – já são significativas. A primeira dela, o smog que cobre o céu de Beijing, produto da contaminação. O concentrado esforço chinês para dar o salto econômico espetacular após mais de três décadas, apelou para os recursos energéticos de que dispunha, o que trouxe grandes problemas ambientais, hoje uma das preocupações prioritárias do governo chinês.

Por outro lado, as dimensões do aeroporto e o rápido atendimento refletem o esforço chinês para dar conta da chegada de gigantescos continentes de turistas que vem conhecer esta experiência única no mundo. Já seria única por suas próprias dimensões e ritmo, mais ainda porque contrasta fortemente com a recessão profunda e prolongada que se vive na Europa, no EUA e no Japão. Enquanto se é gentilmente atendido pelo funcionário que controla documentação, se pode avaliar o seu desempenho em um aparelhinho que ele não vê.

Chegando a Beijing, depois de trânsito denso, mesmo para um domingo, os espaços enormes das ruas e avenidas, a limpeza destas e a majestosidade dos edifícios, com a sua diversidade de estilos, se impõem. A indústria da construção chinesa é dos fenômenos mais impressionantes. Onde não edifícios, há construções, que trabalham 24 horas por dia. De cada quatro guindastes que se erguem no mundo, três são na China,

Nos domingos os parques são ocupados por idosos que dançam, fazem esporte, correm ou simplesmente conversam e fazem piquenique. Poucas bicicletas sobrevivem de décadas atrás, assim como é raríssimo, senão impossível, ver algum trajando as roupas tradicionais, do estilo de Mao.

Em suma, a China é outra, muito diferente da de três décadas, sobretudo diferente daquela da revolução cultural. A predominância da população rural diminui aceleradamente, havendo cálculos até de que, contando os imigrantes ilegais para os centros urbanos, estes já contenham a maioria da população.

Há um vertiginoso processo de ascensão social, que permite com que 300 milhões de pessoas tenham saída da miséria em três décadas, mas que, ao mesmo tempo, se tenha gerado, uma elite muito rica. O turismo na capital tem um enorme contingente de gente do campo, que provavelmente pela primeira vez, vem conhecer Beijing. (Uma guia que nos foi esperar no aeroporto, bem jovem, veio há apenas 6 meses da Mongólia interior buscar trabalho. Estuda castelhano, que fala ainda de maneira tosca, para buscar emprego, quando então vai encarar o problema da sua legalização, já que evidentemente ela se deslocou sem autorização para a capital.)

Um fenômeno novo, destas dimensões, e que tenta enfrentar problemas que evidentemente outras tentativas, no socialismo, não deram certo, tem primeiro que ser visto, para depois ser analisado. Sigo relatando impressões, para depois discutirmos seu significado.

Postado por Emir Sader às 18:06

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25/07/2011

Diário da Nova China (3) - O Império do Meio

Emir Sader*

Um jornalista amigo italiano, que visitou a China ainda nos anos 50, como líder estudantil, ao se despedir do então ministro de Relações Exteriores, o elegante e esbelto Chouenlai, lhe disse:

-Que bom vir tão longe para conhecer uma experiência tão importante!

Ao que Chouenlai lhe respondeu, laconicamente:

- Longe de que? Eles, que se consideram o Império do Centro.

Claro que ele queria dizer – tendo levado o eurocentrismo na sua bagagem: Longe da Europa. E, com isso, longe da civilização.

E, no entanto, aqui está uma civilização muito mais antiga e mais rica que as europeias. E que hoje demonstra um vigor que a velha Europa se mostra incapaz, para enfrentar seus problemas. A China enfrenta desafios com audácia e persistência.

Os chineses são modestos, trabalhadores, pertinazes. Não querem exportar seu modelo, o sentimento das pessoas é o de que o governo é bom se as pessoas estão melhorando de vida – aí o juízo é claramente positivo sobre governo -, mas reclamam muito da corrupção, dos privilégios de quem está vinculado ao poder e das desigualdades.

Causou grande satisfação a extradição de um chinês que havia fugido, há 12 anos, para o Canadá, depois de ter sido pilhado em enormes casos de corrupção, ao trabalhar na alfândega e ganhar muito dinheiro cobrando para importar mercadorias de luxo. Depois de longas negociações com o governo canadense, ele foi extraditado, está preso e vai responder a processo que, segundo dizem as pessoas, deveriam envolver vários dos seus chefes de então.

Mas o que é certo é que a grande maioria das pessoas tem melhorado de vida, mesmo se em condições de desigualdades entre si. Mesmo a população do campo tem sido beneficiada, depois que o governo passou a protegê-la, além de que o êxodo – legal e ilegal para as cidades – continua. Os choferes de uma frota de 80 triciclos que funciona em um bairro boêmio de Beijing, em torno de um lindo lago, por exemplo, não são sindicalizados, são super explorados pelo dono, mas chegaram do campo e preferem essa condição do que voltar a viver no campo, para onde regressam periodicamente para levar o que ganham.

Moças preferem sair das condições de pobreza e opressão no campo, onde a expectativa das suas famílias costuma ser apenas a de que casem, para trabalhar nas novas cidades emergentes, em fábricas, onde rapidamente melhoram suas condições de vida, diminuindo rapidamente a longa jornada de trabalho e, mudando constantemente de emprego, aumentando seus salários.

Em um processo de rápida ascensão social, é claro que nem todos são beneficiados da mesma maneira. O que mais interessa é que todos tendem a melhorar e que a China tirou da miséria a 300 milhões de pessoas em 3 décadas, o que nunca ocorreu nessa escala em nenhum outro processo histórico. E que esse processo tende a continuar. Quando se fala que a economia chinesa vai diminuir seu ritmo de crescimento de 9 para 7% ao ano – o que, apesar de anunciado no Ocidente, nunca ocorreu até aqui -, é preciso levar em conta que crescer 7% ao ano a partir do elevado patamar de hoje é muito mais do que crescer a 10% vinte anos atrás.

Enquanto isso, a Europa retrocede – na Espanha a emigração supera a imigração, a população diminui – e não tem data para acabar a recessão, os otimistas dizem que a situação vai piorar antes de começar a melhorar.

A China considera que terminou o lapso de dois séculos em que ela foi ultrapassada pela Europa, não por vigor econômico, mas pela superação militar, pelo domínio armado dos mares, que permitiu o colonialismo, a escravidão, que promoveu a hegemonia ocidental. Esse lapso teria terminado e a China se projeta de novo com um futuro que eles consideram glorioso.

*Emir Sader. Sociólogo e cientista político

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