terça-feira, 22 de novembro de 2016

Nº 20.358 - "O carnaval dos animais, por Eugênio Aragão"

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 22/11/2016
 

O carnaval dos animais, por Eugênio Aragão



Jornal GGN - 22/11/2016Jornal GGN -


No blog de Marcelo Auler


por Eugênio Aragão

Resultado de imagem para eugênio aragão“De um país a caminho da civilização inclusiva estamos nos transformando lentamente numa tribo de homens que puxam as mulheres pelos cabelos para dentro da caverna. Só não vê quem não quer.”
Ao decidir manter Geddel Vieira Lima no cargo, Temer fechou os olhos às graves denuncias e demonstra o risco que vive a nossa democracia.
Banalizou-se a tal ponto a prática de ilícitos na administração ad hoc do Doutor Temer, que já não causam qualquer mal-estar notícias de que S. Exª., mesmo sabendo da prática de grave crime por subalterno seu, prefere fingir que nada viu e mantê-lo confortável em sua cadeira ministerial.
O que chama atenção é que mesmo sendo jurista festejado (escrevi até artigo publicado em livro em sua homenagem nos idos de 2012), parece não se dar conta do que consta do artigo 320 do Código Penal. O tipo ali previsto chama-se “condescendência criminosa”, incorre em suas penas o funcionário que “deixar (…), por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente”.
Já assistimos ministro da justiça antecipar a eleitores operação policial sigilosa; ministro da suprema corte exibir desavergonhadamente, de público, autêntica “Schadenfreude” pela destituição da Presidenta da República e não se dar por suspeito para julgar ações eleitorais contra a mesma; juiz tornar públicas gravações sigilosas de conversas telefônicas ilicitamente captadas; invasão da Câmara dos Deputados por uma malta de celerados que interromperam os trabalhos legislativos sem serem seriamente molestados; senadores passando com o carro oficial sobre manifestantes; autoridades expondo ao gáudio público a detenção de ex-governador que se debatia e a sua família que se esvaía em lágrimas… enfim uma quantidade tão copiosa de absurdos sem qualquer consequência legal para aqueles que deviam se portar como autoridades, que os fatos vindos a lume com a saída do ministro da cultura, a envolverem o Sr. Geddel Vieira Lima, querem soar como crime de bagatela.
Afinal, Geddel só pediu uma “mãozinha” ao ministro para dar um “chega prá lá” nos burocratas do IPHAN que estavam a atrapalhar a construção de um espigão no centro histórico de Salvador em que tinha comprado uma modesta morada de 2 milhões e tantos de reais.
Mas o que mais deve deixar o cidadão médio atordoado é a completa inércia do Ministério Público Federal em todos esses casos. A instituição a que a Constituição atribuiu a defesa do estado democrático e que mostrou dominar com extrema ligeireza o gatilho contra Presidenta Dilma, para acusá-la de obstrução de justiça às vésperas de seu julgamento pelo Senado, que se apressou em pedir a prisão dos senadores Renan Calheiros e Romero Jucá e do ex-presidente José Sarney por elocubrações sobre a operação Lava Jato gravadas clandestinamente, move-se nesse cenário com velocidade de um cágado.

Nada de declarações, nada de PowerPoints que celebrizaram seus membros do sul. Parece que a caneta persecutória se cansou de tanto trabalho que se deu em ajudar a depor um governo democraticamente eleito. Tem-se a impressão que a ação penal pública deixou de ser obrigatória quando os ilícitos partem da atual administração federal ad hoc e dos que a apoiam.
As pessoas não estão se dando conta da gravidade da omissão das instituições. Sua degradação, sua manifesta inapetência para lidar com ilícitos de certos atores e sua gana em punir outros, as joga no completo descrédito. E reconstruir credibilidade de um estado agonizante, uma vez que esta foi abalada, é mais difícil do que criar um estado novinho em folha, desde suas fundações. É que nem traição flagrada de cônjuge: dizia meu saudoso pai que torna o casamento como um valioso vaso quebrado, que, mesmo colado pelo maior especialista em restauração, jamais será igual ao que foi quando intacto.
Este é o estado da república. Faz-nos pensar em o que será depois dessa turbulenta administração ad hoc do Doutor Temer. Parece que o futuro de Michelzinho e de seus contemporâneos não lhe interessa. Que mundo será esse?
Terão que se acostumar com ser governados por moleques? Terão que achar banal a inviabilização de um governo eleito porque não agrada a seus adversários? Terão que tolerar a atuação seletiva de autoridades da persecução penal? Terão que achar bonita a medieval exposição destrutiva de pessoas suspeitas da prática de crimes? Terão que achar legítimo que uma lei de diretrizes e bases da educação nacional discutida anos a fio com a sociedade civil pode ser alterada na canetada, por uma medida provisória gestada em gabinetes reclusos após consulta a atores de filmes vedados a menores?
A leniência da sociedade com esses desvios de conduta será tributada pesadamente. De um país a caminho da civilização inclusiva estamos nos transformando lentamente numa tribo de homens que puxam as mulheres pelos cabelos para dentro da caverna. Só não vê quem não quer. E não adianta o discursinho falso-moralista de “combate” à corrupção para justificar tudo isso.
Não se controla a corrupção com ações e omissões corrompidas de sedizentes autoridades públicas sem moral.

(*) Escusas a Camille Saint-Saëns pelo empréstimo do título

(**) Eugênio José Guilherme de Aragão é jurista , subprocurador geral da República, foi Ministro da Justiça em 2016 (governo Dilma Rousseff) e é professor titular da UNB.
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