segunda-feira, 30 de abril de 2018

Nº 24.007 - "Os meteoros"

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30/04/2018

Os meteoros

A macrobolha ameaça o mundo imbecilizado. E que dizer do Brasil abandonado ao seu destino?

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Da Carta Capital  — publicado 30/04/2018 00h10, última modificação 27/04/2018 14h31 Editorial


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Ao cair da tarde de 6 de abril, no sindicato de São Bernardo, Lula entre os amigos Celso e Mino

por Mino Carta

Aqui estou a batucar na minha vetusta Olivetti porque tenho medo do computador e dele mantenho distância ao caminhar pela redação: se me aproximar, com sua bocarra escancarada e insondável, me engole igual à sucuri ao novilho. Bilhões de semelhantes já foram engolidos.

Minha reação, esclareço, é de puro instinto, experimentada antes de ter lido Umberto Eco, que aliás conheci aqui mesmo, em São Paulo, à mesa de um jantar entre poucos na casa de um amigo.

Eco naquele tempo era um brilhante professor de semiologia, tinha 32 anos e eu 30. Ainda não batucara o romance que lhe deu fama mundial, O Nome da Rosa, e conversamos a respeito de um livro extraordinário, de Robert Knox, Iluminados e Carismatos, sobre as heresias a percorrerem a história da Igreja Católica, que eu não lera e ele me recomendou. 

O avanço tecnológico não foi assunto. Se fosse, eu não teria deixado de incluir na conversa, na qualidade de instrumento imbecilizador, o celular, usado por inúmeros cidadãos e cidadãs para comunicar ao mundo que na noite de ontem jantaram pizza em companhia do casal amigo Gilmar e Cármen Lúcia. (Os nomes são fictícios, talvez vocês prefiram outros.)

Inútil acrescentar que nunca tive celular. A profundidade da contribuição de computador e celular à destruição dos neurônios ainda haverá de ser medida algum dia, sempre que haja chance de um retorno à razão.

Na edição da semana passada houve quem escrevesse a respeito de um mundo sem poetas e sem artistas, de raros pensadores para lhe perceber o rumo, de avanços médicos que dilatam a longevidade mas não garantem a saúde mental, de pesquisadores do Cosmo que o ampliam e o desenrolam juntamente com seu mistério, diante de uma plateia cada vez mais distante e parva.


Nem ouso perguntar aos meus aturdidos botões se a prova decisiva da imbecilização não estaria simplesmente no fato seguinte: sete seres humanos amealharam uma fortuna pessoal igual à da metade dos demais mortais. Tanto mais indicativa a prova porque conhecidas as razões de tamanha disparidade.

Resulta da aplicação do chamado neoliberalismo, peculiar tendência pela qual, se bem entendi, fabrica-se grana em lugar de bens e serviços. Corresponde ao triunfo do império do dinheiro, ou seja, do demônio, como diz papa Francisco, único estadista de uma Terra que carece de outros, embora haja chefões dotados do poder de produzir a explosão final.


Nesta edição fala-se da aproximação de uma macrobolha, como de um gigantesco meteoro a ameaçar a economia mundial, detectada pelo próprio observatório do Fundo Monetário Internacional. Outro houve na história do planeta para acabar com a era dos dinossauros.

Despreparado na matéria, evito previsões. Não me parece ousadia imaginar, porém, que estrago a macrobolha pode provocar no País campeão da desigualdade desde sempre e hoje entregue a quadrilhas mafiosas a serviço de ricos e super-ricos.


Recentemente um amigo revoltou-se pelo telefone. Eu dizia do Brasil abandonado ao seu destino por seu povo inerte, e ele gritou que na Itália Berlusconi acabava de voltar ao poder. Estava mal informado, outras forças de extrema-direita foram para a ribalta. Fiquei ofendido pela referência irada à minha origem. Já padeci este gênero de agressões, mas nunca por parte de um amigo, no caso grande e antigo.

A quem em outros tempos me atacou de forma parecida, respondi que eu levava a vantagem de ter escolhido o Brasil enquanto ele não tinha mérito algum por ter nascido aqui. É interessante, de todo modo, observar a diferença entre a atual situação italiana após as eleições de março passado, e a nossa.

Lamento a escolha da maioria dos eleitores que deram seu voto ao Movimento 5 Estrelas e a uma coligação apresentada como de centro-direita quando é mesmo direitista hidrófoba. A democracia na Itália está, contudo, em pleno vigor, a Constituição, uma das melhores do mundo civilizado e democrático, não foi rasgada, e a Alta Corte é poder independente e intocável. Os eleitores têm direito às suas escolhas e, sublinho, a esquerda tem culpas em cartório.


A diferença é enorme: aqui houve um golpe perpetrado pelos próprios poderes da República, Judiciário à frente, com o apoio maciço da mídia do pensamento único, ao contrário da italiana, a exprimir a visão de todas as vertentes possíveis. Principal objetivo: alijar de vez o único líder de dimensão nacional de uma eleição até hoje incerta. A prisão de Lula não para de me entristecer e ofender gravemente. 

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