segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Nº 25.211 - "Consensos fabricados e apoios: muita gente tem responsabilidade no atentado contra a população via reforma previdenciária"

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25/02/2019

Consensos fabricados e apoios: muita gente tem responsabilidade no atentado contra a população via reforma previdenciária

Da Carta Capital - 25/02/2019



Por Brenno Tardelli

Em menos de dois meses de governo Bolsonaro, as faturas para apoio a tanto absurdo começam a se mostrar como notas promissórias. E a principal delas, talvez, deu as caras nessa semana: a “reforma” da Previdência

Basicamente, tudo que a “reforma” poderia fazer para dificultar mais a vida do cidadão e da cidadã, sobretudo aquele mais pobre, ela faz. Aumenta a idade para aposentadoria (igualando homens e mulheres, um absurdo considerando a dupla ou tripla jornada feminina), aumenta o tempo de contribuição necessária para 40 anos e reduz a possibilidade de acúmulo de benefícios.

Da mesma forma, a “reforma” convoca uma nova peripécia brasileira para a mesa, ao conceber a capitalização como forma de financiamento da Previdência. Seria, em poucas linhas, a poupança que a pessoa fará ao longo de sua vida para servir como renda no futuro. Tudo lindo, né? Só que não: ao invés do modelo tripartite atual (empregado, empregador e Estado), a capitalização pode passar a ser financiada apenas pelo… empregado! Olha só que beleza…

Em primeiro lugar, é irreal conceber esse modelo quando boa parte da população ganha seu “polpudo” salário mínimo – muitas vezes, sustentando toda uma prole – e não terá condições nunca, no andar da carruagem, de fazer uma poupança qualquer, quanto mais uma capitalização para Previdência.

Além disso, é mais um boi da boiada que atravessa os limites democráticos ao se romper com o modelo tripartite previdenciário para colocar no lombo do trabalhador uma fórmula perfeita para matar pobre e encher o bolso de banqueiro com dinheiro da classe média, tudo com as bênçãos das panelas.

➤ Leia também: Previdência de Bolsonaro produzirá massa miserável, avalia economista

A “reforma” ainda vem com mais uma de suas sacadas: a transferência dos parâmetros da Previdência da Constituição para lei complementar, afetando diretamente o quórum necessário para votação e aprovação de outros pacotes de maldade. Atualmente, mexer na Previdência deve passar duas vezes pode cada uma das casas, com aprovação de, no mínimo, 3/5 dos votos, além de outras dificuldades inconvenientes.

Por isso, não basta saquear, é preciso garantir que da próxima vez o roubo seja mais fácil.

Parênteses: há quem diga que o olho do governo está justamente em baixar a aposentadoria compulsória por lei complementar para 70 anos e, assim, ter a possibilidade de indicar quatro ministros do Supremo nesse mandato, sob a alegação de fazer bem à sociedade. A conferir.

No entanto, talvez o maior tapa na cara da população pobre seja a redução do auxílio a quem não contribuiu com a Previdência de um salário mínimo para R$ 400. Sinceramente, fiquei pensando em meios mais cruéis de provocar a miséria e a morte de milhões de pessoas, mas confesso que falhei em imaginar algo tão sórdido.

“Calma!”, dirão os cúmplices.“Depois de 10 anos, o valor aumentará de R$ 400 para um salário mínimo…” E segue o baile…

E as milhões de pessoas na informalidade? O que a “reforma” tem para elas? Seguindo a lógica, as consequências para esse enorme segmento da população serão cruéis, inclusive porque vários segmentos da população empreendem por necessidade, já que estão expostas às diversas opressões estruturais.

Segundo levantamento da economista e professora da Unicamp, Marilane Teixeira, com base do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 52,4% das mulheres negras trabalhavam informalmente no último trimestre.

Por outro lado, os militares podem ficar tranquilos, não estão nesse bolo! As medidas são voltadas só à raspa do tacho, que vai experimentar essa beleza de medida para o país, isto é, policiais militares, policiais civis e bombeiros, turma formada por muitos  – não todos, claro – fazedores de arminha com a mão e fãs do “mito”.

Agora, no país dele, além de ganharem “ótimos salários”, poderão viver mais essa maravilha em nome do capitão, com seus direitos previdenciários muito bem protegidos.

A verdade é que a maioria do país pagará o preço, bolsominions ou não. E o pior: esta é uma Reforma da Previdência sem um projeto de nação. Ataca-se a Previdência ao mesmo tempo em que há o aumento de desemprego no país, seja pela precarização da massa de trabalhadores afetada pelo golpe, reforma trabalhista e afins; seja pela substituição da mão de obra por tecnologia.

Fico me perguntando: como é possível aceitar isso? Pergunto a pessoas, parlamentares, inclusive os ditos conservadores.

Como é possível compactuar, relativizar, silenciar ante um projeto que empurra pessoas para subsistência precária? Juro que não entendo o argumento, principalmente de quem teve acesso a informação e educação formal durante a vida.

Mas enfim, a GloboNews, que dá o tom da maior emissora do país, está em festa e os problemas desaparecem quando algo tão suculento é posto na mesa. Tudo se esquece e se perdoa quando o bolo da Previdência é posto à mesa e dividido entre emissora e anunciantes, que querem lucrar ao máximo no lombo da população, impossibilitando qualquer subsistência digna que seja longe desses bolsos.

Vale lembrar que o capitão mudou em 180º seu entendimento sobre a crueldade da “reforma”. Um capitão que abandona a trincheira no primeiro aperto é digno de lealdade?

Aí tudo se perdoa. No governo Bolsonaro, já não existe mais nas telinhas o “escritório do crime” no gabinete da família, com diretas relações ao assassinato de Marielle Franco. Não existe mais Queiroz depositando dinheiro na conta da primeira dama e não conseguindo explicar movimentação de milhões na sua conta de motorista. Não existem mais laranjas, nem corrente de zap nas eleições comprovadamente mentirosas e manipuladoras. Tudo assunto do passado, vamos falar sobre os benefícios da “necessária” reforma, com um ponto aqui e outro acolá que podemos conceder a quem ousa reclamar.

Vale aqui dizer que a Reforma da Previdência jamais seria possível sem uma campanha incessante de inverdades, análises rasas e sonegação do ponto de vista diferente. Não se diz que ela não é deficitária, como tanto se alega, não se problematiza outros gastos do governo brasileiro, como a fatia de quase 40% a juros e amortização de dívida que persiste desde o período colonial, e finge-se que pessoas de muito gabarito com esse posicionamento simplesmente não existem.

A Reforma da Previdência não começou nessa semana, começou há muitos anos com desinformação e fabricação de consensos.

Mas deve ser uma boa “reforma”, né? Afinal, o presidente do Itaú, Santander e outros bancos estão elogiando nos jornais. Ora essa, como pode ser ruim? Nesse sentido, a falta de comprometimento com uma República de bem-estar social é algo que me choca, ainda que se parta da análise de todas essas famílias que saqueiam por aqui há gerações, desde as capitanias hereditárias.

E há ingênuos que acham que podem fazer uma análise “fria” do que está na mesa, no sentido de “ah, com esse ponto eu concordo” ou de “é, precisa de alguns reparos”, como se não fosse nítida a intenção por trás de tanta maldade: acabar com a Previdência pública para classe média, desestimular qualquer esperança de aposentadoria a milhões e matar pobres. Uma tríade do mal!

➤ Leia também: A reforma da Previdência é o primeiro grande ataque ao povo brasileiro

O mais frustrante é que esse país poderia ser muito melhor e há propostas justas nesse sentido. Em vez de ir para cima dos pobres desse jeito, um país preocupado com seu futuro poderia olhar para o Renda Básica de Cidadania, defendido pelo Senador Eduardo Suplicy e adotado em tantos países, como a Finlândia. Uma quantia mensal a todos os brasileiros e brasileiras para um patamar mínimo de dignidade. Seria possível isso, mas infelizmente quem está no poder é um grupo que se nutre do ódio, da miséria intelectual e da falta de compromisso com qualquer direito para o povo.

A “reforma” é um crime contra o país e não é possível que essa situação permaneça numa normalidade democrática. Muita coisa há de ser revista e com toda certeza esse saque na Previdência será uma delas.

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