domingo, 27 de junho de 2010

Contraponto 2603 - Vizinho descompassado

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27/06/2010
Vizinho descompassado

Juan Manuel Santos
Presidente eleito da Colômbia

Jornal O Povo (CE)- 27/06/2010 16:00

O professor Manuel Domingos, do Observatório das Nacionalidades, analisa o resultado das eleições presidenciais da Colômbia

Atualizada às: 26/06/2010 02:40

Édifícil crer que o presidente eleito da Colômbia reúna legitimidade para garantir perspectiva alvissareira a uma sociedade dilacerada por crises múltiplas e profundas. O economista Juan Manuel Santos, sem enfrentar adversário de peso, mal obteve 22% dos votos dos eleitores habilitados. Ao contrário do que informaram os grandes jornais brasileiros, a eleição, como manifestação de massas, foi um fiasco, com a abstenção de 66% do eleitorado. Tal abstenção não comprova a alardeada popularidade do Alvaro Uribe, padrinho da candidatura de Santos.

Além disso, Juan Santos rescende a coisa antiga, fora do clima e do compasso da dinâmica política latino-americana. Trata-se não apenas de um ex-ministro da defesa curtido em banhos de sangue de seus compatriotas, mas de um membro das velhas famílias oligárquicas agarradas ao poder desde o século XIX. Sua biografia, sua figura, seu discurso, por mais que se queira, não permitem vislumbrar promessas de renovação.

O jeito antigo do presidente eleito é reforçado por seu alinhamento incondicional a Washington. Como ministro de Uribe, foi figura central na implementação do Plano Colômbia, uma inquietante intervenção norte-americana na América Latina travestida de combate ao narcotráfico e ao terrorismo.

No momento em que bases militares norte-americanas são rechaçadas nos mais diversos continentes por pressões populares e em que a integração subcontinental, conjugada ao avanço da democracia, dá passos concretos, abrangendo inclusive o sistema de Defesa, é na Colômbia que o Pentágono encontra espaço para armar seus dispositivos bélicos.

A Colômbia é especial, foge do tom tanto em política externa como interna. Nenhum outro país sul-americano tem resistido de forma tão contundente a reformas políticas. Na direção de seus negócios públicos, persistem as mesmas dinastias de mentalidade colonial que, aglomeradas desde o século XIX nos partidos Liberal e Conservador, sempre reprimiram duramente as demandas sociais e novos arranjos representativos.

Hernando Ospina, jornalista colombiano refugiado na França, que trabalha no Le Monde Diplomatique, revela com detalhes em livro recentemente publicado (“Colombia, Laboratorio de Embrujos: Democracia y Terrorismo del Estado”), rico em documentação comprobatória, como foi negada a participação política às massas mais desfavorecidas e mesmo aos setores médios urbanos. Tendências de centro-esquerda foram violentamente reprimidas e criminalizadas.

Ao contrário do que ocorreu entre seus vizinhos (Brasil, Venezuela, Peru e Equador), que vivenciaram experiências reformistas importantes ao longo do século XX, nenhum partido renovador, mesmo trabalhista ou social-democrata, foi tolerado. Segundo um líder sindical colombiano, “neste país é mais fácil organizar uma guerrilha do que um sindicato”. O assassinato de lideranças populares foi e ainda é uma prática corriqueira e permanente. Sob o governo Uribe, esquadrões da morte a serviço do poder executaram cerca de 500 ativistas e líderes sindicais e mais de um milhão de colombianos foram expulsos violentamente de suas moradias sob a acusação de apoio às Farc e a outros movimentos.

O futuro presidente Juan Manuel Santos, além de não ter sido legitimado nas urnas, não se comprometeu a romper com esse histórico iníquo.
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