sábado, 19 de fevereiro de 2011

Contraponto 4796 - A reforma migratória, Egito e Obama

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19/02/2011

Chomsky: a reforma migratória, Egito e Obama


Carta Maior - 18/02/2011

Ao avaliar os dois anos de Barack Obama na presidência dos Estados Unidos, Noam Chomsky critica a política para os imigrantes, aponta a continuidade do padrão da política externa dos EUA no tratamento da crise no Egito e lamenta a ausência de medidas contra as os responsáveis pela crise econômica. "Quando se tem uma série crise econômica, os responsáveis por ela não querem que as pessoas prestem atenção na causa dos problemas e então desviam a atenção e a irritação para outro lugar. E há uma maneira rotineira de fazer isso: aponta-se para os mais fracos".

Rebelión/Univision

O conhecido linguista e intelectual estadunidense Noam Chomsky, em entrevista à Univision, falou sobre a razão pela qual não há uma reforma migratória nos Estados Unidos e, falando sobre os recentes acontecimentos no Oriente Médio, destacou que Washington sempre apoiou ditadores por todo o mundo e que o Egito não foi uma exceção. Além disso, na conversa, fez uma avaliação sobre os dois anos de Barack Obama na presidência. A mente de Chomsky, professor do prestigiado Massachusetts Institute of Technology (MIT), parece ir ficando mais aguda com a passagem do tempo - ele está com 82 anos, escreveu mais de 150 livros e sua análise é certeira ainda que polêmica. A entrevista tratou de três temas centrais: reforma migratória, crise no Egito e a presidência de Obama.

“A administração de (Barack) Obama deportou muito mais imigrantes sem documentos do que a gestão de Bush Filho. Impulsionaram um pouco o Dream Act (que permite o acesso à residência permanente), mas não aconteceu nada, o que considero trágico”, disse. “A razão pela qual considero que não há uma reforma migratória é muito simples. Quando se tem uma série crise econômica, aqueles que são responsáveis, como as corporações ricas, os bancos, a indústria financeira e o governo, não querem que as pessoas prestem atenção na causa da crise, ou seja, eles mesmos, e então querem desviar a atenção e a irritação para outro lugar”.

“E há uma maneira rotineira de fazer isso, que é: aponta-se para as pessoas mais vulneráveis. Deste modo, os problemas passam a ser os sem papéis, os professores e suas pensões, a polícia que ganha mais do que deve. Desviar a atenção é a saída e os imigrantes são o alvo porque eles são os mais vulneráveis. Neste contexto, há uma tremenda confusão no país. E se a atenção é desviada para os mais fracos, será muito difícil fazer algo por eles. Por isso não há reforma migratória”.

Qual sua opinião sobre os acontecimentos no Egito e a postura dos EUA, que durante 30 anos apoiou Mubarak?

Há uma resposta padrão para estas situações que se manifesta repetidamente. Os EUA apoiam ditadores em todo o mundo e não só no Oriente Médio. E chega um momento em que eles começam a cair e não podem manter-se no poder, ou se tornam muito independentes e os EUA passam, então, a não tolerá-los mais. Nestes casos, manifesta-se o procedimento padrão: Marcos nas Filipinas, Suharto na Indonésia, Duvalier no Haiti...há uma longa lista. Os EUA apoiam os “ditadores amigos” até onde podem e quando isso se torna impossível, como quando o exército se rebela, aposenta-os, como no caso de Duvalier, os coloca em um avião da Força Aérea rumo a França com a metade do tesouro em seu bolso.

Isso aconteceu no Egito?

Isso é o que acontece no Egito. Estão vendo como manter a situação. Os militares têm governado o país desde 1952. Os chefes militares são donos da economia, pertencem à elite corrupta e os oficiais mais jovens os olham com receio, o que pode ser caldo de cultivo para uma rebelião.

O movimento popular é espetacular, mas desorganizado. O que está acontecendo no Egito é comum nas ditaduras. Alguém provoca uma faísca e as coisas acontecem.

Esse movimento popular pode se espalhar pela região?

É bom prestar a atenção na Argélia. Tem uma ditadura brutal. Marrocos, no momento, está calmo. A Líbia aparenta estar sob controle. Mas se houver uma revolta na Líbia, a apoiaria, pois não gosta de Kadafi. Na Jordânia há protestos, mas há um exército muito forte com apoio dos EUA. A Arábia Saudita está bastante calada, é o país mais importante, mais reacionário, centro do fundamentalismo islâmico e maior patrocinador dos terroristas.

Obama e seus dois anos na Casa Branca

Os dois primeiros anos de Obama na Casa Branca receberam uma tíbia, senão fria, qualificação por parte de Chomsky:

“Obama parece uma pessoa com poucos princípios. Houve algumas coisa sque deviam ser feitas e ele as fez. Chegou em meio a uma crise econômica e obviamente teria que fazer algo sobre isso”, disse. “A maioria dos que o apoiaram (economicamente) nas eleições eram do setor financeiro. Eles esperavam que o favor fosse devolvido. E foi. Quando Obama formou sua equipe econômica, escolheu quase que totalmente pessoas que tinham responsabilidade pela crise e que, em grande parte, pertenciam à indústria financeira. Essas pessoas desenvolveram um programa que evitou o agravamento da crise, mas, essencialmente, terminaram restaurando o sistema tal como ele estava antes. Hoje as principais empresas de investimentos e bancos são mais ricos e poderosos do que antes.

“O CEO do Goldman Sachs recebeu uma bonificação de 12,5 milhões de dólares e teve seu salário quadruplicado. E culpam os professores com uma das causas da crise por suas grandes pensões”, ironizou Chomsky. “O que as pessoas enxergam é um alto nível de desemprego e culpam o governo. E pouco se fez para melhorar os trabalhos. Aprovou-se uma reforma da saúde que é um pouco melhor da que tínhamos”.

“Em relação ao déficit previsto para este ano, e que chega a 1,64 trilhões de dólares – uma cifra recorde -, a metade é resultado dos gastos militares. Os EUA gastam quase o mesmo que todo o resto do mundo junto, O restante do déficit é atribuído a um sistema de saúde completamente disfuncional. Os EUA têm um sistema privado que é terrivelmente caro. E representa uma sangria no orçamento federal.

Para Chomsky, Obama se entregou muitas vezes apesar de sua retórica progressista. “As pessoas estavam a favor da opção pública da reforma da saúde, mas Obama claudicou. O mesmo ocorreu com a isenção fiscal para os mais ricos. A maioria era contra, mas Obama fraquejou. E assim estão as coisas. Obama é como uma mistura”.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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