24/08/2011
A grande pergunta que segue aberta é como os insurgentes líbios poderão converter sua vitória no terreno de uma paz estável e aceita por todos. O Conselho Nacional de Transição (CNT), em Benghazi, já reconhecido por tantos estados nacionais como sendo o governo legítimo da Líbia, é de duvidosa legitimidade e de duvidosa autoridade. Os próprios insurgentes admitem que sem a guerra aérea feita a seu favor pela OTAN – com 7459 ataques aéreos sobre os partidários de Kadafi – estariam mortos ou fugindo.
Patrick Cockburn - The Independent - Página/12
A guerra civil na Líbia durou mais do que o esperado, mas a queda de Trípoli chegou antes do previsto. Como em Cabul em 2001 e em Bagdá em 2003, não havia uma postura de defender até o fim o regime derrotado, cujos partidários pareciam ter derretido, ao verem que a derrota era inevitável. Se por um lado está claro que o coronel Muanmar Khadafi perdeu poder, por outro não se sabe quem o ganhou. Os rebeldes estavam unidos contra um inimigo comum, mas não muito mais do que isso. O Conselho Nacional de Transição (CNT), em Benghazi, já reconhecido por tantos estados nacionais como sendo o governo legítimo da Líbia, é de duvidosa legitimidade e de duvidosa autoridade.
Mas há outro problema para terminar a guerra. Os próprios insurgentes admitem que sem a guerra aérea feita a seu favor pela OTAN – com 7459 ataques aéreos sobre os partidários de Kadafi – estariam mortos ou fugindo. A questão, portanto, segue aberta, que é como os rebeldes podem converter pacificamente sua vitória do campo de batalha assistida pelo exterior numa paz estável e aceitável para todos os partidos da Líbia.
Os precedentes no Afeganistão e no Iraque não são alentadores e servem como advertência. As forças anti talibã no Afeganistão tiveram êxito militar graças – como na Líbia – ao apoio aéreo estrangeiro. Depois usaram seu predomínio temporário de forma arrogante e desastrosa para estabelecerem um regime tendencioso contra a comunidade pashtun. No Iraque, os estadunidenses – excessivamente autoconfiantes depois da fácil derrota de Saddam Hussein – dissolveram o exército iraquiano e excluíram os ex-membros do partido da base de Saddam dos seus empregos e do poder, dando-lhes poucas opções que não a de lutarem. A maioria dos iraquianos estava contente em ver o fim de Saddam, mas a luta para substituí-lo quase destruiu o país.
O mesmo ocorrerá na Líbia? Em Trípoli, como na maioria dos outros estados petroleiros, o governo provê grande parte dos empregos e para muitos líbios a queda do antigo regime lhes cairia muito bem. Como pagarão, agora, por estar do lado dos perdedores? O ar se tornou pesado ontem, com as convocações do Conselho de Transição para que seus combatentes evitassem atos de represália. Mas foi apenas no mês passado que o comandante em chefe das forças rebeldes foi assassinado, num ato obscuro e inexplicável de vingança. O gabinete rebelde foi dissolvido e não foi reconstituído, dado o seu fracasso na investigação do assassinato. O Conselho Nacional de Transição estabeleceu pautas para governar o país no período pós Kadafi, que pretendem assegurar que se mantenham a lei e a ordem, alimentar as pessoas e continuar com os serviços públicos.
É muito cedo para saber se se trata de uma ilusão inspirada no olhar estrangeiro ou se terá algum efeito benéfico nos acontecimentos. O governo líbio era uma organização escalafobética, nos melhores momentos, de modo que qualquer falha em sua efetividade pode não ser em princípio notada. Mas muitos dos que celebram nas ruas de Trípoli e saúdam as colunas rebeldes que avançam esperam que suas vidas melhorem e se sentirão frustrados se isso não acontecer.
As potências estrangeiras provavelmente pressionarão para formar uma assembleia de algum tipo para dar ao novo governo alguma legitimidade. Será preciso criar instituições que o coronel Kadafi destruiu em sua maior parte e substituiu por comitês supostamente democráticos que, na realidade, supervisionavam o governo caprichoso de um só homem. Esta não será uma tarefa fácil. Aos opositores de longa data do regime será difícil compartilhar os resultados do que foi pilhado com aqueles que mudaram de lado no último momento.
Alguns grupos obtiveram poder com a própria guerra, como os bereber, das montanhas do sudeste de Trípoli, marginalizados durante muito tempo, que reuniram a milícia mais efetiva no combate. Vão querer que sua contribuição seja reconhecida quando da distribuição de qualquer poder.
A Líbia tem várias vantagens sobre o Afeganistão e o Iraque. Não é um país com uma grande parte de sua população à beira da desnutrição. Não tem a mesma história ensopada de sangue que o Afeganistão e o Iraque. Apesar de toda demonização do coronel Kadafi durante os últimos seis meses, seu governo nunca competiu com a selvageria de Saddam Hussein.
(*) Do The Independent, Especial para o Página/12
Tradução: Katarina Peixoto
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