Eduardo Guimarães
Só no Brasil mesmo para alguém ter que defender o autor de uma obra como a de Luiz Inácio Lula da Silva, o eterno presidente Lula. E o que mais espanta não é a mesquinhez dos inimigos, mas a ingratidão de parte dos que apoiaram seu governo e que agora apóiam o da sucessora que ele indicou e elegeu com a sua popularidade imensurável.
Em qualquer parte do mundo, sob qualquer avaliação séria, o que Lula logrou produzir no Brasil é considerado quase um milagre. Não deveria espantar, no entanto, a falta de memória popular eternamente cantada em verso e prosa, apesar de que a imensa maioria dos brasileiros ainda tem consciência da obra do ex-presidente.
Compreendo que os inimigos de Lula, essas amebas que sabotaram o Brasil durante os oito anos anteriores só para atingi-lo, tentem agora destruir a memória nacional sobre os prodígios que este país conseguiu ao fim da primeira década do século XXI.
Como, além de mesquinhos, os inimigos de Lula são covardes, não espanta que tentem se aproveitar do fato de ele não ter mais o púlpito da Presidência da República para se defender. Não compreendo, porém, quando o ataque parte daqueles que, ao apoiarem o governo eleito por mérito quase inteiro do ex-presidente, terminam por injustiçar Lula.
Ele vem sendo acusado, nos debates sobre a conjuntura política, de, pasmem, “não ter feito nada para democratizar a comunicação no Brasil” e de, no início de seu mandato, também ter sido considerado “traidor” de seus princípios ao adotar política econômica subserviente ao mercado.
Partindo da direita midiática, posso aceitar tal premissa. Mas é absurdo ver alguém que apóie de verdade o atual governo – e que, portanto, deve ter apoiado o anterior – dizer essas barbaridades sobre a era Lula.
O que primeiro chama a atenção é a falta de visão histórica em tal afirmação. Quem não consegue distinguir o estado em que Fernando Henrique Cardoso entregou o governo a Lula do estado em que o país estava quando o mesmo Lula passou a faixa presidencial a Dilma Rousseff, talvez não mereça resposta.
Ainda quero crer, porém, que essas pessoas estão meramente se deixando enganar. Não quererei crer que agem por má fé ao endossar a “faxina” do “lixo” da “herança maldita” que a direita midiática atribui a Lula. Portanto, quero refrescar memórias.
Lula recebeu um país arrasado, com inflação e desemprego nas alturas, estagnado economicamente, sem investimentos, sem reservas cambiais e sem crédito internacional, fosse financeiro ou conceitual. Entregou a Dilma um país pujante, internacionalmente reconhecido, crescendo fortemente, com quase pleno emprego e inflação sob controle.
Apesar disso, enfrentou a artilharia mais sórdida talvez desde Getúlio Vargas. Sua família, sua dignidade e até a sua sexualidade foram alvo de ataques incessantes. Tentou-se derrubá-lo com os mesmos “escândalos de corrupção” que a direita sempre usou para depor governos progressistas na América Latina.
Lula, com sua imensa inteligência política, soube enfrentar as críticas e os ataques com uma postura altaneira e com seus discursos sempre corajosos, por meio dos quais enfrentou os que diziam que não conseguiria governar. Fez isso desde que tomou posse pela primeira vez, em 2003.
Durante o processo eleitoral de 2002, em que se sagrou presidente da República, Lula deixou absolutamente claro, para quem nele quisesse votar, que não quebraria contratos e que não daria guinadas na convivência com o mercado financeiro internacional, infringindo as regras do jogo que, após a década anterior e o Consenso de Washington, tornaram-se compulsórias para as nações.
Este blogueiro jamais chamou Lula de traidor e entendeu perfeitamente sua postura relativamente contemporizadora até que, em 2005, eclodisse o escândalo do “mensalão”. Tinha, então, a consciência histórica da situação em que ele havia recebido o país e de que seria preciso pôr a casa em ordem antes de avançar em sua democratização, que passaria pela comunicação.
Após lograr o que se temeu que não ocorresse, reeleger-se em 2006, Lula estava livre para avançar na democratização da comunicação no Brasil. Em 2008, durante o Fórum Social Mundial, convocou a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que ocorreria cerca de um ano depois, ao final de 2009.
Lula delegou ao ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República Franklin Martins a missão de elaborar um projeto de regulação da comunicação no Brasil que se inspirou nas legislações mais avançadas do mundo, tais como as de Estados Unidos, Inglaterra, França e, também, nas deliberações da Confecom.
O projeto de regulação da comunicação foi deixado pelo ex-presidente Lula após um longo processo, com dezenas de conferências pelos Estados, regiões e cidades, e com fóruns e seminários com autoridades da comunicação de outros países. Fez isso suportando artilharia imensa da mídia desencadeada justamente por conta do processo que a fazia sentir-se ameaçada.
Foi duro para Lula suportar a artilharia que sofreu da mídia por ter erigido o projeto que deixou ao fim de seu governo para colocar ordem no prostíbulo que é a comunicação neste país, com oligopólios ilegais que se valem de ações criminosas iguais ou piores do que as que já se sabe que praticam os tablóides britânicos controlados por Rupert Murdoch, entre outros.
Também foi preciso coragem para enfrentar grandes interesses a fim de transformar o Brasil em um país muito mais justo e pujante, um país que assombra por ter se tornado um mar de estabilidade e progresso em meio a um mundo caótico. Lula fez isso graças aos milhares – eu disse milhares – de discursos políticos ao longo de seu governo de oito anos.
A cada frase que dizia – e que calava fundo no coração do povo – era fustigado pela direita midiática logo em seguida. Já em seu discurso de posse não deixou de mandar seus primeiros recados, lembrando o preconceito que teve que enfrentar para chegar aonde chegara. Dali em diante, nunca mais deixou de dizer sempre o que precisava ser dito.
Acompanhei, in loco, o processo de democratização da comunicação implantado em vários países da América do Sul, tais como Argentina, Bolívia, Equador ou Venezuela. Em todos esses países foi preciso muita coragem. Foram processos traumáticos, mas o povo fez a sua parte apoiando aqueles líderes e os países chegaram lá.
Entendi que os discursos de Lula não se traduzissem em ações tão intensas quanto as empreendidas nos países vizinhos. Queria processo menos traumático. Mas ele agiu, sim. O Conselho Federal de Jornalismo e a Ancinav foram tentativas frustradas porque não havia apoio no Congresso, mas pelo menos foram tentativas.
Quanto à “herança maldita” que a mídia diz que Lula deixou, sobretudo no que diz respeito a essa absurda herança de “corrupção”, é inaceitável. Toda administração pública pode conter corruptos. Acontece no governo federal, nos governos estaduais e municipais.
O fato de se colocar lente de aumento sobre problemas no governo federal não significa que sejam maiores ou menores nesse governo, nem o fato de que não se cobra “faxinas” em governos como o de São Paulo ou de Minas quer dizer que não exista corrupção neles. Apenas denota que a corrupção dos aliados da mídia é protegida por ela.
Este manifesto, portanto, é em defesa de Lula e de sua obra épica. Nele, peço respeito à memória de um governante que transformou este país para sempre. Uma memória que já se tornou um patrimônio nacional e que pessoas como este blogueiro lutarão para preservar enquanto tiverem um mísero sopro de vida dentro de si.
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lula não precisa de defesa. sempre saberemos que foi ele que não vendeu o Brasil ao capital estrangeiro, ao contrário de FHC.
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