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11/01/2016
Bastou o ministro Jaques Wagner emergir no cenário político para se tornar alvo de vazamentos da Lava-Jato
Vazamentos colocam como iguais quem praticou crime,
quem feriu a ética e quem é inocente. Pedir recurso de campanha a um
empreiteiro e tratar com ele de verbas para obras pode passar longe da
ética. Mas não é o mesmo que ter propina em conta na Suíça
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A mão invisível dos vazamentos
por Helena Chagas, no Fato Online
Bastou o ministro chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, botar a cabeça para fora e emergir no cenário político como principal articulador do Planalto contra o impeachment, cacifando-se até como Plano B do PT em 2018, para se tornar alvo preferencial do mais recente vazamento da Lava-Jato. Temos visto esse filme com frequência, num roteiro que alterna personagens diversos - ministros, empresários, banqueiros, pesos-pesados do Congresso e até o vice Michel Temer - e inclui, invariavelmente, um vazamento comprometedor.
Pode ser o trecho de uma delação premiada, gravações de conversas de terceiros, relatórios do Ministério Público ou da Polícia Federal com a transcrição de mensagens de celular ou e-mail, muitas vezes sem contexto ou maiores explicações. Como a cavalo dado não se olha os dentes, nós, jornalistas, publicamos os vazamentos cuidando de checar apenas se não se trata de fraudes ou documentos falsos. Justiça seja feita, isso não vem acontecendo. Mas quase sempre deixamos em segundo plano maiores reflexões sobre objetivos e intenções de quem nos passou o material. É do jogo.
É um jogo que vem funcionando assim desde que a Constituição de 1988 entrou em vigor, dando início a um processo de fortalecimento de instituições de Estado como o Ministério Público, a Polícia Federal, a Receita, o TCU, etc. De lá para cá, uma parceria entre autoridades de investigação e imprensa tem contribuído para denunciar escândalos, botar gente na cadeia, expor atos de corrupção que, num passado recente, eram varridos para debaixo do tapete.
O país se beneficiou disso. Mas, como todo remédio, também esse pode virar veneno quando ministrado sem critério e em doses cavalares. Formulador intelectual da Lava Jato, o juiz Sergio Moro convenceu-se de que a operação, espelhada na Mãos Limpas italiana, só seria bem-sucedida com apoio da imprensa, e montou forte esquema midiático a partir de Curitiba. Os primeiros vazamentos deram base a ações e operações da força-tarefa.
Mas o jogo é perigoso. A Lava Jato, com empreiteiros e políticos no alvo, se tornou uma megaoperação, com centenas de acusados nos mais variados fóruns de julgamento e investigação, e com milhares de nomes citados em depoimentos, que vão se desdobrando em mais e mais depoimentos, citações, investigações. Só as delações premiadas já são cerca de cinquenta, com potencial multiplicador. Nesse contingente, haverá culpados e inocentes, e o ideal, no Estado de Direito, é que se aguarde a Justiça para se saber quem é quem, com calma e sem pré-julgamentos.
Mas a Lava Jato virou um bicho mais ou menos como a Hidra de Lerna, aquele monstro mitológico cheio de cabeças que Hércules teve que matar. No lugar de cada cabeça que cortava, nasciam mais sete. Da mesma forma como se multiplicam depoimentos, acusados, mencionados e investigados, aumenta o número dos que têm acesso – alguns, sabe-se lá como – a esse material. Documentos vazados, a maioria em cópias digitais, circulam entre advogados, autoridades, jornalistas, políticos. Viraram quase símbolo de status na Brasília desses tempos sombrios.
Às vezes, autoridades responsáveis ensaiam alguma reação contra “vazamentos seletivos”, mas a verdade é que governo, oposição, gregos e troianos têm interesse neles. Na semana passada, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, mandou abrir inquérito para apurar vazamento de relatório da PF sobre as mensagens de celular do articulado empreiteiro Léo Pinheiro com políticos – entre eles, o então governador Wagner tratando de recursos para campanhas do PT na Bahia e obras da OAS no estado. Isso entusiasmou alguém, porque no dia seguinte vazou trecho da delação premiada de Nestor Cerveró sobre suposto desvio da Petrobras para campanha do ministro.
E a ciranda vai rodando cada vez mais forte. Nos bastidores, o Planalto suspeita de Eduardo Cunha, que também é alvo de vazamentos múltiplos - até de declaração da Receita Federal - que acusa a PF e a PGR. Enquanto isso, o vice Michel Temer suspeita ter entrado na roda pelas mãos de ministros do PT. Ninguém nunca vai saber ao certo, mas talvez todos tenham razão.
Nessa bagunça, porém, institutos elementares como a presunção da inocência e o direito de defesa podem estar sendo irreversivelmente feridos. Ao expor nomes sem provas, de forma descontextualizada, a mão invisível dos vazamentos da Lava Jato trata como iguais quem praticou crime, quem cometeu delitos éticos e quem é inocente – até prova em contrário, é preciso acreditar que esses existem.
Pedir recursos de campanha a um empreiteiro é um comportamento constrangedor, e tratar diretamente com ele de verbas para obras passa longe da ética. Mas não é o mesmo que ter depósitos oriundos de propina em contas na Suíça ou obstruir investigações.
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