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23/01/2016
A arte de envelhecer, por Drauzio Varella
Jornal GGN - Em sua
coluna de hoje na Folha de S. Paulo, o médico Drauzio Varella fala sobre
o processo de envelhecimento. Para ele, lidamos com "a inexorabilidade
desse processo" graças à nossa habilidade de adaptação: "não há animal
capaz de criar soluções diante da adversidade como nós".
Ele argumenta que a exaltação da
juventude é um fenômeno moderno, e que a ideia de envelhecer nos aflige
mais do que nossos antepassados, devido principalmente ao aumento da
expectativa de vida: "Que sentido haveria em pensar na velhice quando a
probabilidade de morrer jovem era tão alta?".
Leia mais abaixo:
Enviado por anarquista sério
Da Folha
Drauzio Varella
Achei que estava bem na foto. Magro,
olhar vivo, rindo com os amigos na praia. Quase não havia cabelos
brancos entre os poucos que sobreviviam. Comparada ao homem de hoje, era
a fotografia de um jovem.
Tinha 50 anos naquela época,
entretanto, idade em que me considerava bem distante da juventude. Se me
for dado o privilégio de chegar aos 90 em pleno domínio da razão, é
possível que uma imagem de agora me cause impressão semelhante.
O envelhecimento é sombra que nos
acompanha desde a concepção: o feto de seis meses é muito mais velho do
que o embrião de cinco dias.
Lidar com a inexorabilidade desse
processo exige uma habilidade na qual nós somos inigualáveis: a
adaptação. Não há animal capaz de criar soluções diante da adversidade
como nós, de sobreviver em nichos ecológicos que vão do calor tropical
às geleiras do Ártico.
Da mesma forma que ensaiamos os
primeiros passos por imitação, temos que aprender a ser adolescentes,
adultos e a ficar cada vez mais velhos.
A adolescência é um fenômeno moderno.
Nossos ancestrais passavam da infância à vida adulta sem estágios
intermediários. Nas comunidades agrárias o menino de sete anos
trabalhava na roça e as meninas cuidavam dos afazeres domésticos antes
de chegar a essa idade.
A figura do adolescente que mora com
os pais até os 30 anos, sem abrir mão do direito de reclamar da comida à
mesa e da camisa mal passada, surgiu nas sociedades industrializadas
depois da Segunda Guerra Mundial. Bem mais cedo, nossos avós tinham
filhos para criar.
A exaltação da juventude como o
período áureo da existência humana é um mito das sociedades ocidentais.
Confinar aos jovens a publicidade dos bens de consumo, exaltar a
estética, os costumes e os padrões de comportamento característicos
dessa faixa etária tem o efeito perverso de insinuar que o declínio
começa assim que essa fase se aproxima do fim.
A ideia de envelhecer aflige mulheres e
homens modernos, muito mais do que afligia nossos antepassados.
Sócrates tomou cicuta aos 70 anos, Cícero foi assassinado aos 63,
Matusalém sabe-se lá quantos anos teve, mas seus contemporâneos gregos,
romanos ou judeus viviam em média 30 anos. No início do século 20, a
expectativa de vida ao nascer nos países da Europa mais desenvolvida não
passava dos 40 anos.
A mortalidade infantil era altíssima;
epidemias de peste negra, varíola, malária, febre amarela, gripe e
tuberculose dizimavam populações inteiras. Nossos ancestrais viveram num
mundo devastado por guerras, enfermidades infecciosas, escravidão,
dores sem analgesia e a onipresença da mais temível das criaturas. Que
sentido haveria em pensar na velhice quando a probabilidade de morrer
jovem era tão alta? Seria como hoje preocupar-nos com a vida aos cem
anos de idade, que pouquíssimos conhecerão.
Os que estão vivos agora têm boa
chance de passar dos 80. Se assim for, é preciso sabedoria para aceitar
que nossos atributos se modificam com o passar dos anos. Que nenhuma
cirurgia devolverá aos 60 o rosto que tínhamos aos 18, mas que
envelhecer não é sinônimo de decadência física para aqueles que se
movimentam, não fumam, comem com parcimônia, exercitam a cognição e
continuam atentos às transformações do mundo.
Considerar a vida um vale de lágrimas
no qual submergimos de corpo e alma ao deixar a juventude é torná-la
experiência medíocre. Julgar, aos 80 anos, que os melhores foram aqueles
dos 15 aos 25 é não levar em conta que a memória é editora autoritária,
capaz de suprimir por conta própria as experiências traumáticas e
relegar ao esquecimento inseguranças, medos, desilusões afetivas, riscos
desnecessários e as burradas que fizemos nessa época.
Nada mais ofensivo para o velho do que
dizer que ele tem "cabeça de jovem". É considerá-lo mais inadequado do
que o rapaz de 20 anos que se comporta como criança de dez.
Ainda que maldigamos o envelhecimento,
é ele que nos traz a aceitação das ambiguidades, das diferenças, do
contraditório e abre espaço para uma diversidade de experiências com as
quais nem sonhávamos anteriormente.
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