segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Contraponto 18.572 - "MP 703, a medida necessária"

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11/01/2015 

 

Empreiteiras

 

MP 703, a medida necessária

Inspirada no Primeiro Mundo, a MP reativará os contratos com o governo



Carta Capital - por Carlos Drummond publicado 11/01/2016 14h06 


 
Wilson Dias/ABr
Dilma-e-Jaques
Jaques Wagner empenhou-se pela medida anunciada por Dilma Rousseff

Assinada pela presidenta Dilma Rousseff em dezembro, a Medida Provisória 703, que altera as leis anticorrupção e anti-improbidade, é a primeira iniciativa do governo para permitir às construtoras envolvidas na Operação Lava Jato a retomada de contratos com o poder público. A MP foi reivindicada por dezenas de entidades de trabalhadores e empresários para enfrentar a crise e superar as dificuldades da tramitação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei sobre o assunto aprovado no Senado no fim do ano passado. 

Atribuída em parte ao empenho do ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, a medida pretende dar a base legal necessária à realização de acordos de leniência. Ressalvadas as graves limitações impostas à atividade econômica pelo ajuste fiscal e a recessão, o dispositivo permitirá reanimar o setor de construção, a fabricação de plataformas de exploração de petróleo e a construção naval, paralisados há quase dois anos, devido à suspensão dos contratos com o governo em consequência da Lava Jato.  

“A MP 703, ao disciplinar de forma mais objetiva e pragmática o instituto do acordo de leniência já previsto na lei anticorrupção, parece viabilizar a reabilitação das empresas investigadas por suspeita de atos de corrupção ou de ilícitos relativos às normas de licitação”, diz Hiroyuki Sato, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, a Abimaq. A reabilitação “poderá abreviar o processo de retomada dos investimentos públicos e privados”.

Boa-Fonte
A combinação de punições e ressarcimentos a instrumentos de regeneração das empresas embasa a recente legislação

A Confederação Nacional da Indústria considera “inegável a importância da lei anticorrupção para o País. Entretanto, apesar de vigorar desde 2014, até o presente momento nenhum acordo de leniência foi celebrado em âmbito federal, o que demonstra a necessidade de rever seus dispositivos legais”. A CNI considera “oportunas” as propostas de aprimoramento da lei para “proporcionar maior segurança jurídica, preservar a empresa, sem excluir responsabilidades e contribuir para a manutenção de empregos e a retomada do crescimento econômico”.  

Um aspecto digno de destaque é a rara sintonia da Medida Provisória com a legislação mais recente dos países avançados, que contempla tanto a punição dos indivíduos corruptos ou corruptores, a sua cooperação com as investigações e o ressarcimento total dos danos ao Erário quanto à criação de condições para as empresas envolvidas retomarem os contratos com o setor público o mais rápido possível, após a implantação de medidas severas de controle. 

O instrumento legal brasileiro adota dispositivos semelhantes ao instituto do self-cleaning, parte essencial da Diretiva Europeia de Contratações Públicas implantada em 2014 e também da sua incorporação pelo sistema de contratações públicas do Reino Unido, em fevereiro de 2015. O mesmo procedimento é adotado há anos nos Estados Unidos. A General Electric, a IBM e a Boeing, entre outras empresas afastadas das contratações públicas por inidoneidade, voltaram a operar com o governo depois de atenderem às exigências da lei. 

Os contratos da GE com o Pentágono, suspensos em 1992, foram retomados cinco dias depois, mediante a apresentação de um sistema de vigilância interna para evitar novas fraudes, conforme noticiou o Los Angeles Times. A IBM retomou os contratos oito dias após a interdição determinada em 2008, segundo destacou a publicação especializada Public Contract Law Journal. A suspensão da contratação da Boeing pelo setor público em 2003 foi levantada um mês mais tarde, devido à “forte necessidade no interesse do país”, justificou o subsecretário da Força Aérea, Peter B. Teets. 

Luis-Adams
Nas reações de Rodrigues e Santos Lima, o ministro Adams vê corporativismo e certa paranoia (JL Silva/Futura Press)
A MP provocou uma discussão intensa e nem sempre sensata. A medida, afirmam alguns, derrubaria a exigência de ressarcimento integral do poder público pelas empresas transgressoras. O oposto é verdadeiro, pois o requisito permanece intacto no texto da lei anticorrupção

O procurador regional da República, Carlos Fernando dos Santos Lima, de Curitiba, um dos coordenadores da força-tarefa geradora da Operação Lava Jato, declarou aos jornais que a MP 703 “é um retrocesso” e mostra não haver interesse do governo no avanço do combate à corrupção sobre o sistema de poder econômico que sustenta a atividade político-partidária. 

Emerson Gabardo, professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica e da Universidade Federal do Paraná, discorda. A MP “conserta alguns problemas da lei, que, na redação anterior, acabava sendo inútil, tanto que até hoje não foi aplicada”. A iniciativa amplia a participação do Ministério Público, que deve ou pode estar presente nos acordos. “O Brasil acompanha a tendência mundial. Na Inglaterra há também liberação ampla da multa, mediante condições estabelecidas em lei. Simplesmente aplicar penas no intuito de decretar a morte das empresas, como se fez até agora no País, não me parece a melhor alternativa”, destaca Gabardo. 

O ministro do Tribunal de Contas Walton Rodrigues exigiu do governo explicações sobre a MP 703, por limitar a participação do TCU à etapa posterior à celebração dos acordos, “um desrespeito à Instrução Normativa 74/2015 do próprio tribunal”. Para o ministro da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, a leitura de que o TCU foi usurpado em algumas atribuições é “forçada” e “paranoica”. O acordo de leniência só se concretiza com a homologação pelo Tribunal, que pode acompanhar o processo desde o início, possibilidades antes não contempladas pela lei anticorrupção. “O TCU não tem competência para se autoatribuir competências à revelia da lei. Quem cria a sistemática de combate à corrupção é o legislador, não o Tribunal de Contas”, acusa Gabardo. 

Rafael-Valim
As acusações de Carvalhosa são movidas por propósitos político-eleitoreiros, aponta Valim (Marcelo Camargo/ABr)
Adams condenou as críticas feitas por “representantes setoriais e corporativos incapazes de pensar o Estado” à Medida Provisória, fruto de um amplo debate com a colaboração de representantes do Executivo, do Legislativo e do Ministério Público. Para o ministro, a proposta do governo reforça o processo de investigação ao dar mais importância à necessidade de demonstração de elementos comprobatórios do que à simples admissão de culpa. Segundo Adams, “alguns críticos mostram má-fé. Não podemos sucumbir aos filósofos do caos. A atividade econômica continua a existir em paralelo às investigações”.

O advogado Modesto Carvalhosa, em artigo no Estado de S. Paulo a propósito da Medida Provisória, acusou a presidenta da República, o Ministério da Justiça, a Controladoria-Geral da União e a AGU de “legalizarem a corrupção” e colocarem as empresas inidôneas no comando do processo. “Querem desconstruir a MP com propósitos político-eleitoreiros. O jurista que analisar objetivamente verá que a medida representa um progresso em nosso sistema jurídico e não significa impunidade”, contesta Rafael Valim, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura e professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da PUC de São Paulo.

A MP 703 requer um aperfeiçoamento que poderá ser feito durante a sua tramitação no Legislativo, mas “é ponderada e moderna, pois segue a tendência do que acontece no Primeiro Mundo, que é permitir o funcionamento de empresas sem abrir mão da penalidade”, diz o jurista Pedro Serrano. Um dos principais avanços é o abandono da ideia de que a pessoa jurídica deve sair prejudicada do acordo. “O crime empresarial, principalmente quando cometido em relação ao poder público, traz danos à sociedade, mas sacrificar a empresa para dar o exemplo só provoca mais prejuízos, com a eliminação de empregos. Nenhuma nação é louca de queimar seus ativos econômicos”, afirma Serrano. 

Pedro-Serrano
Países não queimam ativos, diz Serrano (Robson Cesco)
Adams enfatizou a centralidade do combate à corrupção, que “continua a ser uma linha mestra da atuação do governo”, mas não deve se resumir a uma escalada punitiva. “A luta contra a corrupção, também em matéria contratual, não é um fim em si mesmo. É um meio para que os cidadãos possam desfrutar de obras públicas e de serviços públicos que lhes permitam viver em melhores condições”, enfatiza Jaime Rodríguez-Arana, presidente do Foro Ibero-Americano de Direito Administrativo e integrante da Academia Internacional de Direito Comparado de Haia.

Segundo explica no artigo “Contratação, boa administração pública e self-cleaning”, o operador econômico que cometeu irregularidades previstas nas Diretivas Comunitárias europeias aprovadas em 2014 “pode solicitar ao órgão contratante o perdão através de um compromisso em que se documente fidedignamente que agora é um operador confiável. Assim, se as provas são consideradas suficientes pelo órgão contratante para acreditar na confiabilidade do licitador, este não estará excluído”.

Para Murilo Celso de Campos Pinheiro, presidente da Federação Nacional dos Engenheiros e do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, o País viveu “décadas de resignação diante de uma estagnação econômica que empobrecia a população e impedia qualquer projeto de futuro. Não é possível nos conformarmos com um retrocesso que nos leve de volta àquela situação. É preciso buscar formas de garantir o emprego e a renda dos trabalhadores e a capacidade produtiva das empresas”.


*Reportagem publicada originalmente na edição 883 de CartaCapital, com o título "A medida necessária"
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