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11/01/2015
Empreiteiras
MP 703, a medida necessária
Wilson Dias/ABr
Jaques Wagner empenhou-se pela medida anunciada por Dilma Rousseff
Assinada
pela presidenta Dilma Rousseff em dezembro, a Medida Provisória 703,
que altera as leis anticorrupção e anti-improbidade, é a primeira
iniciativa do governo para permitir às construtoras envolvidas na Operação Lava Jato
a retomada de contratos com o poder público. A MP foi reivindicada por
dezenas de entidades de trabalhadores e empresários para enfrentar a
crise e superar as dificuldades da tramitação, na Câmara dos Deputados,
do projeto de lei sobre o assunto aprovado no Senado no fim do ano
passado.
Atribuída em parte ao empenho do ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner,
a medida pretende dar a base legal necessária à realização de acordos
de leniência. Ressalvadas as graves limitações impostas à atividade
econômica pelo ajuste fiscal e a recessão, o dispositivo permitirá
reanimar o setor de construção, a fabricação de plataformas de
exploração de petróleo e a construção naval, paralisados há quase dois
anos, devido à suspensão dos contratos com o governo em consequência da
Lava Jato.
“A MP 703, ao disciplinar de forma mais
objetiva e pragmática o instituto do acordo de leniência já previsto na
lei anticorrupção, parece viabilizar a reabilitação das empresas
investigadas por suspeita de atos de corrupção ou de ilícitos relativos
às normas de licitação”, diz Hiroyuki Sato, diretor da Associação
Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, a Abimaq. A
reabilitação “poderá abreviar o processo de retomada dos investimentos
públicos e privados”.
A Confederação Nacional da Indústria
considera “inegável a importância da lei anticorrupção para o País.
Entretanto, apesar de vigorar desde 2014, até o presente momento nenhum
acordo de leniência foi celebrado em âmbito federal, o que demonstra a
necessidade de rever seus dispositivos legais”. A CNI considera
“oportunas” as propostas de aprimoramento da lei para “proporcionar
maior segurança jurídica, preservar a empresa, sem excluir
responsabilidades e contribuir para a manutenção de empregos e a
retomada do crescimento econômico”.
Um aspecto digno de destaque é a rara
sintonia da Medida Provisória com a legislação mais recente dos países
avançados, que contempla tanto a punição dos indivíduos corruptos ou
corruptores, a sua cooperação com as investigações e o ressarcimento
total dos danos ao Erário quanto à criação de condições para as empresas
envolvidas retomarem os contratos com o setor público o mais rápido
possível, após a implantação de medidas severas de controle.
O instrumento legal brasileiro adota dispositivos semelhantes ao instituto do self-cleaning,
parte essencial da Diretiva Europeia de Contratações Públicas
implantada em 2014 e também da sua incorporação pelo sistema de
contratações públicas do Reino Unido, em fevereiro de 2015. O mesmo
procedimento é adotado há anos nos Estados Unidos. A
General Electric, a IBM e a Boeing, entre outras empresas afastadas das
contratações públicas por inidoneidade, voltaram a operar com o governo
depois de atenderem às exigências da lei.
Os contratos da GE com o Pentágono, suspensos em
1992, foram retomados cinco dias depois, mediante a apresentação de um
sistema de vigilância interna para evitar novas fraudes, conforme
noticiou o Los Angeles Times. A IBM retomou os contratos oito dias após a interdição determinada em 2008, segundo destacou a publicação especializada Public Contract Law Journal.
A suspensão da contratação da Boeing pelo setor público em 2003 foi
levantada um mês mais tarde, devido à “forte necessidade no interesse do
país”, justificou o subsecretário da Força Aérea, Peter B. Teets.
A MP provocou uma discussão intensa e nem
sempre sensata. A medida, afirmam alguns, derrubaria a exigência de
ressarcimento integral do poder público pelas empresas transgressoras. O
oposto é verdadeiro, pois o requisito permanece intacto no texto da lei
anticorrupção
O procurador regional da República,
Carlos Fernando dos Santos Lima, de Curitiba, um dos coordenadores da
força-tarefa geradora da Operação Lava Jato, declarou aos jornais que a
MP 703 “é um retrocesso” e mostra não haver interesse do governo no
avanço do combate à corrupção sobre o sistema de poder econômico que
sustenta a atividade político-partidária.
Emerson Gabardo, professor de Direito
Administrativo da Pontifícia Universidade Católica e da Universidade
Federal do Paraná, discorda. A MP “conserta alguns problemas da lei,
que, na redação anterior, acabava sendo inútil, tanto que até hoje não
foi aplicada”. A iniciativa amplia a participação do Ministério Público,
que deve ou pode estar presente nos acordos. “O Brasil acompanha a
tendência mundial. Na Inglaterra há também liberação ampla da multa,
mediante condições estabelecidas em lei. Simplesmente aplicar penas no
intuito de decretar a morte das empresas, como se fez até agora no País,
não me parece a melhor alternativa”, destaca Gabardo.
O ministro do Tribunal de Contas Walton
Rodrigues exigiu do governo explicações sobre a MP 703, por limitar a
participação do TCU à etapa posterior à celebração dos acordos, “um
desrespeito à Instrução Normativa 74/2015 do próprio tribunal”. Para o
ministro da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams,
a leitura de que o TCU foi usurpado em algumas atribuições é “forçada” e
“paranoica”. O acordo de leniência só se concretiza com a homologação
pelo Tribunal, que pode acompanhar o processo desde o início,
possibilidades antes não contempladas pela lei anticorrupção. “O TCU não
tem competência para se autoatribuir competências à revelia da lei.
Quem cria a sistemática de combate à corrupção é o legislador, não o
Tribunal de Contas”, acusa Gabardo.
Adams condenou as críticas feitas por
“representantes setoriais e corporativos incapazes de pensar o Estado” à
Medida Provisória, fruto de um amplo debate com a colaboração de
representantes do Executivo, do Legislativo e do Ministério Público.
Para o ministro, a proposta do governo reforça o processo de
investigação ao dar mais importância à necessidade de demonstração de
elementos comprobatórios do que à simples admissão de culpa. Segundo
Adams, “alguns críticos mostram má-fé. Não podemos sucumbir aos
filósofos do caos. A atividade econômica continua a existir em paralelo
às investigações”.
O advogado Modesto Carvalhosa, em artigo no Estado de S. Paulo
a propósito da Medida Provisória, acusou a presidenta da República, o
Ministério da Justiça, a Controladoria-Geral da União e a AGU de
“legalizarem a corrupção” e colocarem as empresas inidôneas no comando
do processo. “Querem desconstruir a MP com propósitos
político-eleitoreiros. O jurista que analisar objetivamente verá que a
medida representa um progresso em nosso sistema jurídico e não significa
impunidade”, contesta Rafael Valim, presidente do Instituto Brasileiro
de Estudos Jurídicos da Infraestrutura e professor de Direito
Administrativo da Faculdade de Direito da PUC de São Paulo.
A MP 703 requer um aperfeiçoamento que
poderá ser feito durante a sua tramitação no Legislativo, mas “é
ponderada e moderna, pois segue a tendência do que acontece no Primeiro
Mundo, que é permitir o funcionamento de empresas sem abrir mão da
penalidade”, diz o jurista Pedro Serrano. Um dos principais avanços é o
abandono da ideia de que a pessoa jurídica deve sair prejudicada do
acordo. “O crime empresarial, principalmente quando cometido em relação
ao poder público, traz danos à sociedade, mas sacrificar a empresa para
dar o exemplo só provoca mais prejuízos, com a eliminação de empregos.
Nenhuma nação é louca de queimar seus ativos econômicos”, afirma
Serrano.
Adams enfatizou a centralidade do combate
à corrupção, que “continua a ser uma linha mestra da atuação do
governo”, mas não deve se resumir a uma escalada punitiva. “A luta
contra a corrupção, também em matéria contratual, não é um fim em si
mesmo. É um meio para que os cidadãos possam desfrutar de obras públicas
e de serviços públicos que lhes permitam viver em melhores condições”,
enfatiza Jaime Rodríguez-Arana, presidente do Foro Ibero-Americano de
Direito Administrativo e integrante da Academia Internacional de Direito
Comparado de Haia.
Segundo explica no artigo “Contratação, boa administração pública e self-cleaning”,
o operador econômico que cometeu irregularidades previstas nas
Diretivas Comunitárias europeias aprovadas em 2014 “pode solicitar ao
órgão contratante o perdão através de um compromisso em que se documente
fidedignamente que agora é um operador confiável. Assim, se as provas
são consideradas suficientes pelo órgão contratante para acreditar na
confiabilidade do licitador, este não estará excluído”.
Para Murilo Celso de Campos Pinheiro,
presidente da Federação Nacional dos Engenheiros e do Sindicato dos
Engenheiros no Estado de São Paulo, o País viveu “décadas de resignação
diante de uma estagnação econômica que empobrecia a população e impedia
qualquer projeto de futuro. Não é possível nos conformarmos com um
retrocesso que nos leve de volta àquela situação. É preciso buscar
formas de garantir o emprego e a renda dos trabalhadores e a capacidade
produtiva das empresas”.
*Reportagem publicada originalmente na edição 883 de CartaCapital, com o título "A medida necessária"
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