terça-feira, 14 de setembro de 2010

Contraponto 3288 - "A América Latina não é mais um quintal dos Estados Unidos"

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14/09/2010

A América Latina não é mais um quintal dos Estados Unidos

Vermelho - 13/09/2010

Talvez a mudança mais efetiva e significativa do governo Lula em relação à orientação neoliberal anterior esteja se verificando no campo da política externa, cujas repercussões para a economia nacional são amplas e, infelizmente, escassamente compreendidas e valorizadas.

Por Umberto Martins

A nova orientação teve início no primeiro governo Lula (2003-2006), com a indicação de Celso Amorim para ministro do Exterior e a rejeição da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) que os Estados Unidos queriam impor a toque de caixa, mas que acabou derrotada e foi solenemente sepultada em dezembro de 2005 durante a cúpula do Mercosul em Mar Del Plata, na Argentina.

Servilismo

"O projeto da Alca que os americanos promoviam teria consolidado a região como quintal americano", alertou o chanceler em discurso proferido sábado (11) num seminário em Genebra. A direita brasileira, adepta do Consenso de Washington e da submissão ao imperialismo, nunca se conformou com a mudança e até hoje critica a diplomacia brasileira, que agora pratica e enfatiza a independência e a soberania.

Pelo desejo dos neoliberais, o Itamaraty deveria prosseguir na rota trilhada pelo tucano FHC, cujo ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, chegou a tirar os sapatos para revista em aeroportos norte-americanos. Através dos seus gestos, transpareceu a tibieza e subserviência da política externa brasileira à época.

A direita insiste na tese de que o Brasil deve privilegiar entendimentos e acordos comerciais com as grandes potências capitalistas (Estados Unidos, União Europeia e o Japão), já que eles reuniriam os maiores mercados do mundo. A opção do Itamaraty tem sido outra: priorizar as relações Sul-Sul, com destaque para o Mercosul, a América Latina e uma parceria estratégica com a China.

Deslocamento do poder industrial

A vida mostra que Amorim tem razão ao enaltecer a rejeição da Alca e o novo arranjo regional que vem sendo desenhado com a nova política externa adotada pelo Brasil e outros países latino-americanos. Não é apenas uma questão de orgulho nacional. Os ganhos em termos econômicos e políticos são grandes e incontestáveis.

Aparentemente, a política externa pouco ou nada tem a ver com o bom desempenho da economia. Mas as aparências enganam. A essência dos fatos, conforme ensina a filosofia, costuma divergir, às vezes radicalmente, da aparência. É o que sucede neste caso. A política externa tem uma importância estratégica para a economia.

A atual diplomacia brasileira tem o mérito de estar em linha com as grandes tendências em desenvolvimento na economia mundial, traduzidas no rápido e progressivo deslocamento da dinâmica industrial e do poder econômico mundial do Ocidente para o Oriente e, em especial, dos EUA para a China.

Crise de hegemonia

O que se nota é o relativo declínio das potências capitalistas tradicionais (EUA, UE e Japão) contrastando com a vertiginosa ascensão da China e, em menor escala, de países considerados nem sempre com propriedade como “emergentes” (Índia, Brasil, Coréia do Sul, Rússia e África do Sul, entre outros). Disto resulta uma crise de hegemonia dentro da atual ordem imperialista e de suas instituições (FMI, Banco Mundial, Conselho de Segurança da ONU, padrão dólar).

A crise capitalista iniciada no final de 2007 nos EUA, e ainda não contornada nas maiores economias do chamado Ocidente, aprofunda a tendência do deslocamento do poder econômico mundial em direção ao Oriente. No Brasil e na América Latina os reflexos e indicadores deste movimento são evidentes e foram citados pelo chanceler.

Oito anos atrás, quando Lula tomou posse pela primeira vez, os Estados Unidos absorviam 26% das exportações brasileiras. Hoje, compram apenas 10% do que o país vende. Em 2009, foram ultrapassados pela China (nossa maior parceira comercial) e neste ano devem perder o segundo lugar para a Argentina.

Vejam o México!

A progressiva queda do peso relativo do mercado estadunidense no comércio exterior brasileiro não se deve apenas nem principalmente às mudanças operadas na política externa. Reflete o processo histórico de declínio da liderança econômica dos Estados Unidos no mundo, determinado pelas baixas taxas de crescimento e o crescente parasitismo.

A virtude da política externa brasileira consiste em respaldar este movimento. O contrário poderia ocorrer se a Alca tivesse vingado, em franca contradição com as tendências objetivas em curso na economia mundial.

Miremos o exemplo do México, adepto da Alca do Norte (Nafta, sigla em inglês do Tratado Norte-americano de Livre Comércio) e altamente dependente do mercado estadunidense, destino de 80% de suas exportações. O PIB mexicano desabou 6,5% em 2009 após o colapso da maior economia (e do maior mercado) do mundo. Com a Alca nosso destino provavelmente não seria muito diferente.

O Brasil sofreu bem menos com a crise, não demorou a se recuperar e, apesar do ligeiro recuo do PIB (-0,2%) conseguiu fechar o ano passado com um saldo positivo em contratações, renda do trabalho e consumo.

Um dos fatores que explicam o desempenho relativamente positivo da economia nacional, em associação com o fortalecimento do mercado doméstico, foi (sem sombra de dúvidas) a diversificação do destino das nossas exportações, que nos tornou bem menos dependentes dos Estados Unidos e Europa.

A recuperação e o crescimento da China, puxando a demanda e os preços das commodities, contribuíram de modo invulgar para a recuperação do nosso comércio exterior, assim como o avanço da Argentina.

Futuro

O desenvolvimento desigual com essas características, declínio americano e avanço chinês, deve continuar dando o tom da evolução da economia mundial pelos próximos anos. O peso relativo do mercado consumidor norte-americano, inflado pelo parasitismo e as dívidas, caiu muito com a crise e vai continuar declinando. A sina da União Europeia não parece melhor.

Celso Amorim avalia que as opções comerciais tiveram um papel central na nova realidade que está sendo desenhada no Brasil e na América Latina. Uma das provas da mudança, em sua opinião, é o fato de que a Argentina poderá fechar 2010 superando os Estados Unidos e consolidando a posição de segundo destino das exportações brasileiras. Atrás apenas da China, cuja relevância já não se mede apenas pelo comércio exterior.

A próspera nação asiática também se transformou em centro provedor de capitais para exportação e em 2010 já vai liderar o ranking dos Investimentos Externos Diretos no Brasil (IED), aplicando cerca de 20 bilhões de dólares. Também neste plano a dependência do Brasil em relação aos Estados Unidos e à Europa parece estar ficando para trás. E os tucanos, viciados na subserviência, ainda lamentam e criticam a política externa comandada por Celso Amorim.
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