01/02/2011
por Luiz Carlos Azenha
Vendo as imagens das manifestações que estão acontecendo agora no Egito, a conclusão é óbvia. O regime de Hosni Mubarak já era. É uma questão de tempo até que ele deixe o poder. Com a queda de Mubarak, cairá o pilar central da política externa dos Estados Unidos: a manutenção de uma clientela de autocracias árabes que garantem a Washington acesso ao petróleo e a segurança de Israel, não necessariamente nesta ordem.
É uma mudança extraordinária, historicamente tão importante quanto a queda do muro de Berlim.
Difícil imaginar como será o futuro governo do Egito. Com certeza não será um governo da Fraternidade Islâmica, que foi usada como espantalho por Mubarak para justificar sua ditadura. Aliás, quando a ideia vendida no Ocidente de que as massas árabes eram ignorantes e, portanto, não mereciam liberdade, se desfez, o Ocidente já tinha pronto o espantalho do “islamofascismo” para justificar regimes autoritários na região.
Quanto mais os Estados Unidos utilizarem a lógica da guerra para enfrentar o terrorismo mais ficarão parecidos com a Al Qaeda. Talvez agora, com a “queda” do Egito, descubram a política… Seria interessante que antes de atirar Washington se dispusesse a aprender.
Como disse o professor Nathan Brown à revista eletrônica Salon, a Irmandade Islâmica é um movimento conservador.
Não esperem, portanto, que ela pregue a expropriação dos ricaços egípcios. Nem que o futuro governo do Egito renuncie ao acordo de paz que fez com Israel.
O que causa desespero no Ocidente, nos Estados Unidos e em Israel é que, qualquer que seja o futuro governo egípcio, jamais será tão subserviente aos interesses estrangeiros quando se trata de:
1. apoiar ações militares ocidentais contra países árabes (Mubarak apoiou a invasão do Iraque pelos Estados Unidos);
2. apoiar ações antiterroristas que envolvam tortura (Omar Suleiman, indicado vice-presidente por Mubarak, foi no Egito o homem das “extraordinary renditions”, sequestros praticados pelos Estados Unidos de suspeitos, entregues em seguida a autoridades locais para sessões de tortura);
3. apoiar a repressão e o cerco de Israel aos palestinos dos territórios ocupados (Mubarak se converteu em algoz dos palestinos de Gaza).
Como Helena Cobban escreveu na Salon, o establishment das relações exteriores dos Estados Unidos foi de tal forma sequestrado pelos interesses pró-Israel que o governo Obama parece titubear diante da crise.
O primeiro impulso é de tentar preservar no Egito o regime de Mubarak sem Mubarak (daí a escolha de Suleiman como vice).
Eu iria muito além da Helena sobre o governo Obama: independentemente de quem assessore o presidente americano, a influência dos Estados Unidos na escolha do sucessor de Mubarak será limitada, já que os Washington passou os últimos trinta anos na cama com o ditador.
Mas, como a ficha da decadência relativa de Washington no cenário internacional ainda não caiu por lá, assistimos a uma cobertura da mídia americana — e, na rebarba, da brasileira — que em alguns momentos leva em conta muito mais a opinião do governo Obama do que a dos próprios egípcios.
Em compensação, nós brasileiros temos motivos para comemorar: Celso Amorim e o Itamaraty se anteciparam de forma extraordinária a Washington, quando perceberam o impacto que o afastamento entre Israel e o governo islâmico moderado da Turquia teria naquela região.
A Turquia começou a desenhar um eixo com Síria e Irã, como Pepe Escobar reportou em artigo reproduzido aqui.
E o Brasil, no acordo nuclear com o Irã, além de defender para os iranianos o mesmo que quer para si, acabou fortalecendo suas credenciais de agente de soluções negociadas.
No fim das contas, o Brasil terá aberto — ao lado da Turquia — as portas para uma eventual acomodação entre os Estados Unidos e Irã, que a essa altura parece inevitável.
O certo é que a mudança de regime no Egito terá profundas consequências, especialmente se assumir um governo disposto a fazer valer o peso econômico, cultural e político do país na região de forma independente, nos moldes do que a Turquia vem fazendo.
Uma das consequências, além de evidenciar a dissensão entre Estados Unidos e Israel na questão palestina, será acelerar o projeto de Washington de reduzir sua dependência do petróleo do Oriente Médio, o que vem acontecendo gradativamente nos últimos anos.
Até por causa da relação custo/benefício, os Estados Unidos se voltarão crescentemente para o petróleo produzido na costa ocidental da África, na Venezuela e no pré-sal brasileiro.
Nem a criação do comando militar da África (Africom), nem a reativação da Quarta Frota aconteceram por mero acaso.
Faz todo o sentido, portanto, que a presidenta Dilma Rousseff tenha escolhido a Argentina para fazer sua primeira viagem internacional. A parceria com a Argentina é essencial para o controle do Atlântico Sul, da chamada Amazônia Azul e para as futuras trocas comerciais com a África.
Fica faltando definir quais serão exatamente os termos da futura cooperação entre Brasil e Estados Unidos e a gradação da liberdade que exerceremos.
O PIG, logicamente, quer que a gente seja subalterno, que só dê palpite sobre a falta de democracia em Cuba e que não se meta nos negócios do Oriente Médio. É “muito longe”, dizem..
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