domingo, 4 de janeiro de 2015

Contraponto 15.761 - "O baião humbertiano"


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04/01/2015

 

O baião humbertiano

 

Em seu centenário, compositores defendem a originalidade do criador do baião e a relevância de sua obra

 

Diário do Nordeste   (CE)-  04.01.2015

 Se vivo fosse, o compositor cearense Humberto Teixeira (1915-1979), completaria 100 anos amanhã


O ano de 2015 começa com uma lembrança singular para a cultura cearense: esta segunda, 5 de janeiro, é marcada pela recordação dos 100 anos de nascimento do poeta e compositor Humberto Teixeira. Nascido em Iguatu (Centro-Sul do estado do Ceará), em 1915, o parceiro mais célebre de Luiz Gonzaga viveu 64 anos, falecendo na cidade do Rio de Janeiro no dia 3 de outubro de 1979. Seu corpo está sepultado no cemitério São João Batista, em Botafogo (zona sul carioca).

No passo da trajetória de vida do cearense que também fora advogado e deputado federal, o Diário do Nordeste apurou um olhar local sobre a memória de Humberto. Compositores e pesquisadores abordam a sagacidade intelectual daquele que ficara reconhecido internacionalmente como o "Doutor do Baião". E segundo a cinebiografia "O Homem que engarrafava nuvens" (2009), daquele que em vida fora um "estranho" para a própria filha, Denise Dummont - algo que revela as multifacetas de seu centenário.

Humberto Cavalcanti de Albuquerque Teixeira foi filho de João Euclides Teixeira e Lucíola Cavalcanti de Albuquerque Teixeira. Começou, cedo, a se interessar por música. "Eu toco um pianozinho pra mim, mas num me aventuro a mostrar nem nada, mas minha vontade de início em música era ter estudado piano. Depois da flauta eu estudei também bandolim. É um instrumento que cheguei a tocar lá em Iguatu", disse o próprio, em depoimento ao memorialista Nirez, quase dois anos antes de falecer.

Na década de 30, migrou para o Rio de Janeiro a fim de estudar Medicina e se profissionalizar na composição, mas acabou formando-se como advogado. Sua atuação jurídica estendeu-se à política, tornando-se deputado federal e defendendo a causa dos direitos autorais. Além de deputado, Humberto foi diretor da União Brasileira de Compositores (UBC).

Em 1945, conheceu Luiz Gonzaga, procurado pelo sanfoneiro - que andava atrás de um parceiro hábil na composição das letras. A parceria despontou: a partir daí, o baião fez sucesso sintetizando vários ritmos regionais, através de canções como "Baião", "Asa Branca", "Juazeiro", "Assum Preto", "Que Nem Jiló" e "No meu pé-de-serra". Com Lauro Maia, de quem também foi cunhado, compôs "Deus me perdoe".

E ainda fez, sozinho, músicas como "Kalu" e a "Sinfonia do Café". "Pra mim, ele tornou natural se falar do universo nordestino com uma poesia tão elevada. Falava de objetos simples, mas de uma maneira muito sofisticada", resume o poeta e arquiteto Fausto Nilo que, a exemplo de Humberto, fez carreira musical tomando a responsabilidade de compor para parceiros instrumentistas. Para Fausto, a história do Doutor do Baião precisa ser explorada para além "do viés de Luiz Gonzaga". "Ele não era como eu, só letrista. Ele era letrista e músico, tocava piano. Aqui em Fortaleza ele tocou em banda de cinema. No Rio, ele já tinha várias músicas gravadas antes de conhecer Gonzaga", pontua.

Também adepto do viés "humbertiano", o produtor Calé Alencar conta mais da faceta musical do iguatuense. Em 2004, Calé fez um samba-enredo para o bloco Fuxico do Mexe-mexe, do Carnaval de Fortaleza, com o nome "Humberto Teixeira: o Doutor do Baião".

"Ele tocou como músico, de forma muito íntima. Não se projetou profissionalmente, mas usava todo esse cabedal pra compor. Pra você ter ideia, ele teve um desafio sobre o tema do café, e fez uma música super elaborada (Sinfonia do Café), impressionando Eleazar de Carvalho (também iguatuense), que foi um dos maestros mais brilhantes do mundo", conta.

Calé opina que Humberto Teixeira teria um patamar de relevância para a música mundial. "A visibilidade para Gonzaga foi realmente muito maior. Mas Humberto, como inventor do baião, é um dos maiores compositores do mundo", destaca. A envergadura posiciona Humberto Teixeira em uma situação que vai bem além da fama (atrelada, quase sempre, à figura de Gonzaga).

Parceiro de Cícero Nunes, Lauro Maia, entre outros, o iguatuense também influenciou a "poética" de figurões da MPB. "O Caetano Veloso gravou 'Kalu' no 'Totalmente Demais' (1986), disco que vendeu muito. Vejo muitas coisas na obra do Caetano que são humbertianas. Uma das estrofes de 'Terra' (de Caetano) foi inspirada em 'Paraíba' (de Humberto)", assegura Calé Alencar. Na memória do compositor Fausto Nilo, a atuação de Humberto Teixeira toma uma proporção de modo que o iguatuense chega às lembranças não só pela música.

"Pela década de 50, lá em Quixeramobim, o Humberto apareceu fazendo um pequeno discurso pela campanha dele (a deputado federal). Eles distribuíram um livreto, com as letras de grande parte dos sucessos da parceria com Luiz Gonzaga. Tinha foto dele em Iguatu. E eu nunca o tinha visto pessoalmente. Antes, tinha informação de autores porque na casa de meu avô tinha discos. Só conhecia Humberto Teixeira nesse sentido", revela.


Felipe Gurgel
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