06/01/2015
“Não mais deveres sem direitos. Não mais direitos sem deveres”. Simples assim
Tijolaço - 6 de janeiro de 2015 | 06:20 Autor: Fernando Brito
Fernando Brito
Há muita gente na esquerda confusa e, até, irritada com as mudanças na concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários anunciadas semana passada.
Posso falar sobre o assunto com certo conhecimento, em razão da minha passagem pelo Ministério do Trabalho, porque a maioria destas medidas vem sendo discutida dentro do governo há, pelo menos, três anos.
Vou, então, tratar um por um dos temas, para dizer o que, infelizmente, não foi dito.
Primeiro: as pensões que deixam de ser vitalícias para cônjuges com menos de 44 anos. Abaixo desta idade, entre três anos (para quem ficar viúvo ou viúva com menos de 21 anos) até 15 anos (para quem tiver de 40 a 43 anos).
Importante: ninguém que receba hoje pensão perde nada. Ou seja, não se fere direito algum. E a regra não vale para quem morre por acidente de trabalho, doença ou ocupacional.
O que quer dizer que atingiria, pelo perfil do pensionista atual, algo como 10% dos novos (toc,toc, toc), pensionistas por morte do cônjuge.
Em que mundo está o pessoal que acha que uma viúva ou viúvo de 25 anos veste-se de preto e guarda luto eterno, secando em vida?
Claro que, nos primeiros tempos, é um baque. Mas deixa de ser e deve mesmo deixar de ser, progressivamente.
Vida que segue, como dizia o João Saldanha.
Então a moça ou o rapaz enviúva aos 21 e, quando tiver 70 anos, depois de mais dois casamentos e toda uma vida, continua ganhando a pensão do falecido ou da falecida, de quem nem se lembra mais?
Tenham santa paciência, isso não é justo nem aqui, nem na China.
E claro para qualquer pessoa de bom-senso que esta regra tinha de ser corrigida, porque se trata de preservar o direito do próprio trabalhador contribuinte.
Mas falta dizer mais, e faz muito tempo que falta dizer, como retiro de uma matéria publicada em junho de 2012, no Valor:
“Nos 12 meses terminados em abril, a União emitiu quase 400 mil pensões por morte, ante pouco menos de 300 mil aposentadorias por tempo de contribuição. Do estoque total de benefícios, em abril de 2012, existiam 2,1 milhões de pensões por morte a mais do que aposentadorias por tempo de contribuição. As pensões por morte representam 23,4% do total dos benefícios emitido pelo INSS, ante 16,1% da aposentadoria por tempo de contribuição.”
Em janeiro deste ano, esta parcela havia subido para 27%.
O que queremos, quebrar a previdência pública para que todos tenham de investir na previdência privada?
Ah, um detalhe – insignificante no total de gastos, mas imoral e abjeto – até o cônjuge ou o filho ou filha – que assassinava o contribuinte da Previdência tem (ou tinha, até essas novas regras) o direito a pensão. A famosa Suzane Richtofen recebeu, até completar 21 anos, a pensão previdenciária dos pais que ela própria matou.
Quanto ao abono salarial e o seguro desemprego, que não são da Previdência, mas pagos com recursos do PIS/`Pasep, que integram o Fundo de Ampara ao trabalhador.
Infelizmente não tenho mais aqui comigo um estudo que pedi para ser realizado, em 2012. Mas vou recuperar os dados e divulga-los aqui.
Mesmo sem poder dar números exatos, recordo-me que quase 40% dos dispêndios com o abono salarial eram pagos a quem tinha trabalhado menos de três meses no ano, e no mesmo valor recebido por quem tinha ralado o ano inteiro.
A mutreta campeia nisso aí, porque basta trabalhar um mês na carteira por, digamos, um salário mínimo (muitas vezes sem nem isso receber, só “de carteira”) para ter direito a outro, pago pelo Governo.
Mutreta, também, todo mundo sabe que há no seguro-desemprego. Eu mesmo vi, pessoalmente, o caso de um rapaz que, todo ano, era “demitido” de um emprego, devolvia as indenizações, recebia o seguro-desemprego, continuava a trabalhar recebendo o salário “seco” e “por fora”. Quando terminava o prazo do seguro, era recontratado e, daí a alguns meses, repetia o processo.
Fraudes como esta, infelizmente, são comuns. Milhares, centenas de milhares.
Claro que nem todo o crescimento de gastos é fraude: há o crescimento da formalização da mão de obra, da massa de trabalhadores e o valor mais elevado do salário-mínimo.
Mas não é nisso que tocam as modificações anunciadas.
Se erro há nas medidas – e há alguns, que serão corrigidos na negociação para que sejam aprovados, como é o caso das mortes acidentais, por doenças degenerativas e assemelhados – não são de essência, mas de adequação a casos específicos onde as restrições sejam injustas.
E um outro, que é facilmente explicável: é bom e barato para, com o seguro desemprego, as empresas praticarem uma criminosa rotatividade de mão de obra.
Quase a metade dos trabalhadores é mandada embora com menos de seis meses de serviço, uma monstruosidade.
Os empresários, que tanto reclamam da qualidade de mão de obra, não educam, não treinam e, sobretudo, não permitem que o trabalhador se fixe no emprego.
E governo nenhum teve coragem de regulamentar o que está na Constituição, que é a punição, com alíquotas mais pesadas de PIS, às empresas que praticarem taxas de rotatividade de mão de obra superiores ao razoável.
Isso, sim, falta nestas mudanças.
Mas isso não invalida o fato de que as outras injustiças devam ser corrigidas e mostradas à sociedade.
Defender os direitos do trabalhador é fazer com que aqueles que lucram com o trabalho restituam ao trabalhador parte do que ganham com o seu suor.
Suor, não “espertezas”.
Sempre digo que a Previdência deveria fazer uma estátua para aquela Jorgina da Conceição, a mais conhecida (embora certamente não a maior) fraudadora previdenciária.
Ela ajudou a tornar socialmente condenável o que até então era “aceito” socialmente: conseguir uma vantagem indevida no INSS.
E essa é uma questão que, para os socialistas, está resolvida desde que Pierre Degeyter, um operário anarquista belga, compôs a letra da Internacional Socialista com os versos: “Não mais deveres sem direitos/Não mais direitos sem deveres”.
Nada mais que isso é necessário para explicar.
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