25/12/2017
Franklin Roosevelt ajudou na criação da Petrobras
Jornal GGN - SEG, 25/12/2017 - 16:00 ATUALIZADO EM 25/12/2017 - 16:01
Lilian Milena
A revelação é do jornalista e escritor José Augusto Ribeiro que também aponta a morte de Vargas como última tentativa do estadista de manter a petroleira viva
Jorna GGN – Era 15 de agosto de 1954, quando o Brasil vivia uma crise civil e militar que estava levando o país à beira de uma guerra civil. Getúlio Vargas vinha sofrendo uma oposição sistemática do Parlamento, dos militares e da imprensa, esta última, através do seu maior porta-voz, Carlos Lacerda, jornalista e político ligado a União Democrática Nacional (UDN) que tinha total liberdade para falar nos canais de televisão da época, todos controlados por Assis Chateaubriand. O general Mozart Dornelles, subchefe do gabinete militar de Vargas e amigo de Chateaubriand decide perguntar para o rei da mídia por que permitia que seus canais fossem usados para transmitir ódio contra o presidente, num momento tão delicado para o país. A resposta foi surpreendente:
“Olha Mozart, eu adoro o presidente Getúlio Vargas. Eu cobri como jornalista todos os acontecimentos da Revolução de 30, então tenho a maior admiração por ele. Tem um jeito de a gente resolver essa coisa toda: é só ele desistir da Petrobras que eu tiro as televisões do Carlos Lacerda e dos outros inimigos dele e entrego as televisões para quem ele quiser, para fazer a defesa do governo dele e atacar os adversários”. Antes de falar com Vargas, Mozart confidenciou o pedido de barganha ao então Ministro da Justiça Tancredo Neves, de quem escutou: “o presidente morre, mas não desiste da Petrobras”. E foi exatamente o que aconteceu, cerca de uma semana depois, em 24 de agosto, Getúlio Vargas estava morto, e a Petrobras continuou.
A história foi relembrada pelo jornalista e escritor José Augusto Ribeiro, em entrevista ao programa Na sala de visitas com Luis Nassif, onde ele falou um pouco sobre suas mais recentes obras: “Getúlio Vargas - A saga da Petrobrás” e “Getúlio Vargas - A morte com um sorriso”, disponíveis como eBook na Amazon. Os livros são desdobramentos de outra série, publicada em 2001, em três volumes chamada “A Era Vargas”.
"Em 2014, quando estava começando a Lava Jato, fui reler esse material todo e me dei conta de como naquele momento, no início da operação, era importante a gente conhecer os antecedentes da Petrobras, que não era uma empresa qualquer. A Petrobras está tão ligada à nossa história que nos impactamos com ela", defende o jornalista.
No novo trabalho, Augusto Ribeiro chama atenção para outro fato interessante na história da criação da Petrobras que, em 2014, era a nona maior petroleira do mundo: ele acredita que uma das forças que determinaram a criação da estatal brasileira foi o próprio governo dos Estados Unidos, para fazer frente ao poder das chamadas Sete Irmãs, cartel formado pelas transnacionais, na maioria Anglo-Americanas, dentre elas a Standard Oil of New Jersey (Esso e hoje ExxonMobil), Shell e Texaco.
"A inspiração inicial da Petrobras veio de um presidente dos Estados Unidos, o Franklin Roosevelt, porque na época da Primeira Guerra Mundial as empresas americanas, a futura Esso, a Texaco etc, estavam direta e indiretamente ajudando muito ao Hitler. Houve um inquérito parlamentar no Senado, uma CPI, presidida por um futuro presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, e um jornalista foi perguntar a ele como ele avaliava o comportamento das empresas americanas de petróleo, ele disse: ‘ah, não tem problema nenhum, é traição, é traição’", conta.
José Augusto Ribeiro também destaca que, ao contrário do que ficou para a história, de que apesar de ser nacionalista Getúlio Vargas defendeu um sistema misto que permitisse contar com o capital de investidores privados na Petrobras, o ex-presidente já previa a execução do monopólio estatal, desde o início.
"O Getúlio estava muito preocupado porque o governo brasileiro já tinha encomendado equipamentos americanos para futuras refinarias de petróleo, e ele achava que se mandasse o projeto com a cláusula do monopólio os americanos deixariam de entregar o tal equipamento para as refinarias que era essencial para o projeto da Petrobras", explica.
A manobra para conseguir criar a Petrobras em um modelo de monopólio foi feita no Congresso com a ajuda de Tancredo Neves e outros deputados, como Eusébio Rocha, do partido de Vargas, PTB, que apresentou uma emenda estabelecendo o monopólio. "Aí, alguns deputados nacionalistas, da UDN, se entusiasmaram e quiseram botar banca patriótica. Então o Bilac Pinto, que era um dos principais deputados da UDN, apresentou a emenda do monopólio. E, sendo um deputado importante da UDN isolava, silenciava, a metralhadora giratória do Carlos Lacerda que era um tremendo entreguista, da escola do Roberto Campos, assim entrou a emenda do Bilac Pinto, entrou a emenda do Eusébio Rocha", conta Ribeiro. Por fim, as emendas acabaram resultando em um único documento substitutivo estabelecendo a cláusula de monopólio na criação da Petrobras.
Acompanhe a seguir, a entrevista na íntegra:
Luis Nassif - Entrando no Getúlio, a sua pesquisa pega desde daqueles estudos iniciais do Rômulo de Almeida? Como você levantou o roteiro do livro sobre a Petrobras?
José Augusto Ribeiro - Em 2001 eu publiquei um livro, em três volumes, chamado A era Vargas e tratava de tudo o que aconteceu, desde a revolução de 1930 até 1954, a crise em que Getúlio Vargas se suicidou. Os assuntos estavam interligados, uma hora falava em siderurgia, hora de petróleo, hora falava de leis trabalhistas. Mas em 2014, quando estava começando a Lava Jata eu fui reler esse material todo e achei que a história da Petrobras deveria ser isolada em um trabalho separado porque era preciso se conhecer os antecedentes da Petrobras, a história da Petrobras, já naquele momento. Juntando, então, essas histórias, eu fiz esse livro "Getúlio Vargas e a saga da Petrobras", quer dizer, na releitura do meu livro original é que eu me dei conta de como naquele momento, no início da Lava Jato, era importante a gente conhecer os antecedentes da Petrobras, para verificar que a Petrobras não era uma empresa qualquer. A Petrobras está tão ligada à nossa história, que nos impactamos com ela.
Em 1954, a 15 de agosto, numa crise civil e militar que levou o Brasil à beira de uma guerra civil, um subchefe do gabinete militar do presidente Getúlio, o general Mozart Dornelles era amigo pessoal de muitos anos do Assis Chateaubriand, que era o rei da mídia no Brasil. Ele [Chateaubriand] foi o maior rei da mídia que o Brasil já teve, era dono das duas únicas televisões que existiam no Brasil. Ele tinha rádios e jornais em todos os estados, e tinha a grande revista fotográfica, ilustrada da época, semanal, chamada O Cruzeiro, que fazia o papel que hoje faz a televisão. E a campanha contra Getúlio Vargas estava sendo desenvolvida pelas duas televisões que monopolizavam os meios de comunicação no Brasil. Daí o general Mozart procurou o Chateaubriand e perguntou o porquê do ódio na televisão, por que todas as noites o Carlos Lacerda falava o tempo que ele quisesse, uma hora, duas horas, pedindo a renúncia ou a deposição de Getúlio por um golpe militar.
Aí o Chateaubriand deu a seguinte resposta: 'Olha Mozart, eu adoro o presidente Getúlio Vargas. Eu cobri como jornalista todos os acontecimentos da Revolução de 30, então tenho a maior admiração por ele. Tem um jeito de a gente resolver essa coisa toda, é só ele desistir da Petrobras que eu tiro as televisões do Carlos Lacerda e dos outros inimigos dele e entrego as televisões para quem ele quiser, para fazer a defesa do governo dele e atacar os adversários dele'.
Luis Nassif - A Esso já era uma grande patrocinadora na época, né?
José Augusto Ribeiro - Já era, tinha um domínio na mídia fantástico. O general Mozart voltou para o Palácio do Catete e lá encontrou o Ministro Tancredo Neves, ministro da Justiça, que aconselhou que o Mozart deveria levar o pedido de barganha ao presidente Getúlio completando: 'Agora, você sabe de uma coisa, o presidente morre, mas não desiste da Petrobras'. Uma semana depois o presidente estava morto, e a Petrobras está aí até hoje, apesar de tudo.
Luis Nassif - Você chegou a conviver com os personagens históricos? Marcos Pimenta, o pessoal que ajudou a montar a campanha do petróleo?
José Augusto Ribeiro – Eu convivi com o Rômulo de Almeida, o economista que era chefe da Assessoria Econômica do presidente Getúlio, onde foram feitos todos os projetos do segundo governo Varga: o plano da Petrobras, o projete da Eletrobrás, o BNDES, o plano do carvão nacional. Convivi muito com o futuro presidente Tancredo Neves, até trabalhei com ele, na campanha presidencial dele, que era ministro da Justiça [de Vargas] e teve participação decisiva na negociação dentro do Congresso da aprovação do projeto da Petrobras, do encaminhamento do projeto da Eletrobrás e do BNDES.
Luis Nassif - A proposta inicial do Rômulo de Almeida não era do monopólio, foi o Bilac Pinto que apresentou a emenda do monopólio, né?
José Augusto Ribeiro - É uma história que não é complicada, mas tem muitos afluentes neste rio do monopólio estatal. Quando a Assessoria fez o projeto eles não pensavam, inicialmente, que fosse necessário o monopólio. O Getúlio estava muito preocupado porque o governo brasileiro já tinha encomendado equipamentos americanos para futuras refinarias de petróleo, e ele achava que se mandasse o projeto com a clausula do monopólio os americanos deixariam de entregar o tal equipamento para as refinarias que era essencial para o projeto da Petrobras.
Então ele fez uma coisa, mandou o projeto sem a clausula do monopólio, mas já combinando com o Tancredo e com vários deputados ligados a ele, inclusive Eusébio Rocha, que era do PTB de São Paulo, que apresentaria uma emenda no Congresso estabelecendo o monopólio. E até ficou claro que era melhor essa emenda não ser de ninguém entre os partidos ligados ao Getúlio, ao não ser, por exemplo, o Eusébio Rocha. Aí, alguns deputados nacionalistas, da UDN, se entusiasmaram e quiseram botar banca patriótica. Então o Bilac Pinto, que era um dos principais deputados da UDN, apresentou a emenda do monopólio.
E, sendo um deputado importante da UDN isolava, silenciava, a metralhadora giratória do Carlos Lacerda que era um tremendo entreguista, da escola do Roberto Campos, assim entrou a emenda do Bilac Pinto, entrou a emenda do Eusébio Rocha. E, naquela tramitação parlamentar, acabou juntando tudo num substitutivo e assim a Petrobras saiu do Congresso com a clausula do monopólio.
Nassif - Quando teve os 25 anos da Petrobras eu estive no Rio de Janeiro, no final dos anos 1970, para entrevistar os históricos e eu peguei um depoimento de um engenheiro que era presidente do clube de engenharia lá, que era um guru dessa área da UDN e conversei também com o Mário Bittencourt Sampaio, que foi do DAS, que estava vivo ainda e ele me disse que levou o Fernando Lobo Carneiro, que era do COPPE-UFRJ, pra conversar com esse engenheiro e na conversa o Lobo Carneiro mostrou que se não tivesse a integração entre a distribuição e a refinaria, a Petrobras seria rapidamente esmagada pelas Sete irmãs*. Ele disse que foi a partir dessa conversa que surgiu desse deputado - esqueci o nome - a argumentação de que tinha que ter um monopólio para salvar a Petrobras. Foi interessante como a UDN, de Bilac Pinto, acabou...
José Augusto Ribeiro - A UND tinha um grupo nacionalista que depois até evoluiu e veio a ser a bossa nova, já no governo Juscelino, que deu uma contribuição muito importante. Nós não podemos ter esses maniqueísmos e dizer que tal partido é bom, e tal partido é ruim. Agora, a ideia da Petrobras talvez tenha tido, Nassif, uma origem até estranha. Eu acho, opinião pessoal, que a inspiração inicial da Petrobras veio de um presidente dos Estados Unidos, o Franklin Roosevelt, porque na época da primeira guerra mundial as empresas americanas, a futura ESSO, a Texaco etc, estavam direta e indiretamente ajudando muito o Hitler. No ensaio geral da Segunda Guerra Mundial, que foi a Guerra Civil espanhola, os Estados Unidos eram neutros, então as empresas americanas não poderiam vender para a turma do Franco [ditador espanhol, apoiado por Hitler], como não poderiam vender para o governo republicano [governo de tendência socialista que derrubou o regime monárquico na Espanha], que era um governo inconstitucional. Então essas empresas vendiam petróleo para outros países com a combinação de que aquilo iria para as tropas de Franco na Espanha. Houve um inquérito parlamentar no Senado, uma CPI, presidida por um futuro presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, e um jornalista foi perguntar a ele como ele avaliava o comportamento das empresas americanas de petróleo, ele disse: ‘ah, não tem problema nenhum, é traição, é traição’.
Luis Nassif - Zé Augusto, você mata uma charada aí que eu estava procurando faz tempo. Estou soltando um livro agora que é uma biografia do Walter Moreira Salles, e um dos pontos interessantes, eu conversei lá no início da refinaria do governo Dutra com João Pedro Goleia Vieira e outros, é o papel excepcional desempenhado por um embaixador americano, que acabou criando fama de golpista, que foi o Adolf Berle Junior, que combateu as empresas americanas lá para defender a criação das refinarias brasileiras. Então você, com esse negócio do Roosevelt, fecha o raciocínio.
José Augusto Ribeiro - O Roosevelt chegou à conclusão de que não podia contar com as empresas americanas porque ele ainda não tinha entrado na guerra, os americanos eram neutros, mas eles eram contra o Hitler, e as empresas americanas, as petrolíferas, fazendo o jogo do Hitler. Então ele pensou em criar uma estatal, e esse projeto só não foi avante porque quando os Estados Unidos entraram na guerra, ele passou a ter poderes de vida e morte sobre as empresas, sobre os acionistas das empresas, sobre os diretores das empresas, de mandar prender se o sujeito fizesse alguma besteira, pondo sob julgamento militar.
Os dois livros de José Augusto Ribeiro estão disponíveis na loja da Amazon e podem ser comprados pelos links:
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