sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Contraponto 1218 - "Integração Regional, o Governo Lula e a criação da Unila"

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22/01/2010
"Integração Regional, o Governo Lula e a criação da Unila"

Portal Vermelho - 21 de Janeiro de 2010 - 17h58

Por Clarisse Goulart*
Arquivo UNE

Nos últimos anos, a América Latina sofreu várias transformações que possibilitaram redefini-la como uma área marcada por um novo regionalismo e por disputas sobre um novo modelo de integração regional. A partir de mudanças na conjuntura internacional e local, como relativo declínio hegemônico dos Estados Unidos e a eleição de vários presidentes progressistas no nosso continente, a integração regional passa a ser central na agenda política dos países latino americanos.


A diretora da UEE-MG, Clarisse Goulart

A análise do contexto dessas mudanças relaciona-se com o período de neoliberalismo na região. Implementado a partir da crise do Estado de Bem-Estar Social e dominado pela hegemonia norte-americana, o modelo neoliberal não conseguiu criar bases sociais que possibilitassem estabilidade econômica e desenvolvimento social na América Latina. Pelo contrário, acentuou o forte processo de concentração de renda, disseminou valores individualistas e consumistas, precarizou os postos de trabalho, marginalizou grande parte da população e mercantilizou os direitos dos e das trabalhadoras.

A Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), arquitetada como principal projeto estratégico dos Estados Unidos para a região e baseada no incentivo ao livre comércio não se concretizou – a estratégia americana no pós Guerra Fria e mais intensamente depois dos ataques terroristas de 11 de Setembro se concentrou na atuação em outras regiões do mundo. O processo de redemocratização da região depois de períodos de ditadura militar e a ascensão, pela via eleitoral, de governos progressistas na região dificultaram o êxito desse projeto. Além disso, a sociedade civil e, principalmente, os movimentos sociais, organizados em torno da crítica à globalização e ao neoliberalismo, tiveram papel de protagonista na construção de uma oposição organizada à ALCA e na inserção do tema da integração regional na agenda dos governos locais.

As tendências integracionistas da região passaram a não incluir a participação dos Estados Unidos e a buscar alternativas ao modelo neoliberal que já se mostrava incapaz de lidar com as contradições da região. Novos modelos de integração e inserção na economia global são, portanto, elaborados. Alguns países como Peru, Chile e Colômbia continuam priorizando as relações econômicas com os Estados Unidos e a União Européia, principalmente através dos Tratados de Livre Comércio (TLC’s), enquanto Venezuela, Bolívia, Equador e os países do Mercosul buscam retomar a integração regional com novos projetos como a UNASUL (União Sul-americana) e a ALBA (Alternativa Bolivariana para os Povos da América). Esses projetos surgem com perspectivas e objetivos diversos, mas num contexto comum – a busca por formas alternativas de conduzir as relações entre os países da região.

Para grande parte da esquerda brasileira, a integração regional deve ser coerente com as demandas históricas dos movimentos sociais, deve incentivar laços identitários mais profundos e deve servir como marco para um novo modelo econômico para a região. Deve, portanto, incluir não só políticas econômicas e comerciais, mas também representar avanços políticos, sociais, culturais e identitários.

Governo Lula e a integração regional

O Partido dos Trabalhadores, perto de encerrar seu segundo mandato consecutivo no governo federal, conseguiu criar novas bases para a política externa brasileira, com iniciativas que alcançam ganhos concretos para o Brasil. Busca aumentar sua influência no âmbito externo, relativizando as desigualdades do sistema internacional, além de estabelecer a arena internacional como espaço contributivo para o alcance do desenvolvimento e justiça social.

A priorização do eixo sul-sul na política externa do governo, acusada de ideológica – e, portanto, não pragmática – pela oposição, por diplomatas e intelectuais conservadores, se mostra estratégica e acertada, no momento em que a região latino-americana passa por transformações sociais, econômicas e políticas. Se no governo FHC a política externa tinha um caráter bastante “comercialista”, num momento de consolidação da abertura comercial do país, no governo Lula a política externa garante um regionalismo não só baseado no viés comercial e produtivo como também inclui iniciativas de cunho social e identitário. Isso significa, no que concerne as relações na região latino americana, que o Brasil não só alcança metas econômicas favoráveis com esse padrão de política externa (basta ver os números positivos das exportações na região), como também contribui para o reforço de laços identitários, legitimando discurso e prática com base na valorização da região e na necessidade de aproximação não só comercial como política, cultural e social, entre seus vizinhos.

É com essa tônica que o Brasil desenvolve novas perspectivas de integração regional, contribuindo para alcance de mais autonomia dos países da periferia do sistema e construindo alternativas econômicas para a crise do capitalismo central. O Brasil precisa desenvolver alternativas que reforcem a solidariedade entre os países, em detrimento das iniciativas de militarização na América Latina, que, de fato, crie espaço para que os movimentos sociais também incidam nesse processo político e que respeite a liberdade, soberania, cultura e diversidade dos povos da região.

Unila e a integração regional

A Unila (Universidade Federal de Integração Latino Americana), sancionada pelo Presidente Lula, em 12 de janeiro de 2010, apresenta-se como mais uma iniciativa de integração da América Latina. Além do seu projeto avançado, propondo cursos voltados para a realidade local, fugindo da lógica de mercado, com projeto-pedagógico rico, bilíngüe e com perspectiva de receber alunos brasileiros e estrangeiros, a UNILA é uma vitória para os que acreditam que a integração regional deva incluir iniciativas sociais, culturais, identitárias e, portanto, que negam a lógica “comercialista”, como muito se viu na América Latina.

Além disso, a Unila contrapõe-se a outras iniciativas de integração no setor da educação. Desde 1996, na Organização Mundial do Comércio (OMC) a educação superior faz parte do setor de serviços no Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (Gats), um de seus tratados de liberalização. Mesmo polêmica e com poucos países favoráveis, a “comercialização” da educação através da OMC representa a perda de soberania dos países sobre a condução das políticas educacionais, a completa submissão das universidades à lógica de mercado e a desvinculação da idéia de educação como um direito de todos e todas, e que deve ser garantida pelo Estado, de modo a ser pública, gratuita e de qualidade.

A Unila representa um novo marco para a educação na América Latina, uma educação que deve ser libertadora, conter os princípios de solidariedade entre os povos, incentivar a identidade regional e que afaste a concepção de educação como mercadoria. É também um marco para a integração latino-americana. Contrapõe-se à lógica neoliberal, possibilita aproximação entre os países vizinhos, contribuindo para soberania e poder de decisão desses no contexto internacional. Essa iniciativa, se por um lado responde a incapacidade do modelo neoliberal na região, por outro só se torna possível por ser pensada a partir de governos progressistas e de esquerda.

Abrigada no Brasil, a Unila é recebida com comemoração pelo movimento estudantil brasileiro. Estamos num novo momento por aqui. Momento de mudança, de inclusão social, de incentivo à educação como direito público, de respeito e solidariedade entre os povos.

*Clarisse Goulart é secretaria geral da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais (UEE-MG) e militante da Marcha Mundial das Mulheres.
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