segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Contraponto 1454 - A "penetração" militar global dos Estados Unidos

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22/02/2010

A "penetração" militar global dos Estados Unidos

Do Viomundo Atualizado em 21 de fevereiro de 2010 às 21:18 |
Publicado em 21 de fevereiro de 2010 às 21:01

Fazendo uma sombra global

Bases do império

por JOAN ROELOFS, no Counterpunch

Apesar das fraquezas econômicas dos Estados Unidos, embora não desligados delas, nossos militares projetam uma sombra pesada sobre todo o planeta, muito além das pequenas e grandes guerras que estão agora conduzindo. O caráter funcional e geográfico dos militares dos Estados Unidos é cósmico. As alianças formais são um elemento importante, mas mesmo instituições inchadas e crescentemente não-atlânticas e não-pacíficas como a OTAN são apenas a ponta do iceberg.

Países geralmente considerados "neutros" são parceiros da OTAN: Irlanda, Áustria, Suiça, Finlândia, Malta e Suécia. "Em junho de 2009, os jogos de guerra Loyal Arrow foram conduzidos por dez países no norte da Suécia, como exercício preliminar para a presença militar da OTAN nas regiões árticas -- e para confrontar a Rússia naquela área", como relatou Rick Rozoff.

Outros filiados da OTAN são os países do diálogo Mediterrâneo: Argélia, Egito, Jordânia, Mauritânia, Marrocos e Tunísia e países convidados pela OTAN para seus eventos, como Austrália, Nova Zelândia, Japão e Coréia do Sul. Assumindo compromisso ou simplesmente passando para um café, as nações da OTAN devem seguir padrões rígidos. Na maior parte dos casos, isso resulta não apenas em maior poder para suas instituições militares, mas também acordos secretos que negam a democracia. Se os governos eleitos de nossos aliados forem céticos quanto ao poder militar, os primeiros-ministros e parlamentares podem ficar no escuro sobre os arranjos da OTAN, como no caso das armas nucleares estacionadas na Groenlândia em violação da Constituição da Dinamarca. A "normalização" da OTAN, sua penetração na União Europeia e seus efeitos na vida civil (Europa Ocidental e Oriental e Ásia central) são raramente examinados.

Outra tarefa dos militares dos Estados Unidos é o treinamento, oferecido aos parceiros da OTAN e a pessoal civil e militar de mais de 150 nações. A Escola das Américas (agora Instituto de Cooperação de Segurança do Hemisfério Ocidental) em Fort Benning, Geórgia, é notória. Porém, há mais de 200 instituições dos Estados Unidos treinando militares estrangeiros, muitas delas fora dos Estados Unidos. Qualquer nação que comprar equipamento militar dos Estados Unidos -- há cerca de 150 países que o fazem -- recebe treinamento junto com o negócio.

Os exercícios conjuntos de nossas Forças de Operações Especiais são também "treinamentos" que oferecem mentores para as tropas estrangeiras, para nos garantir "interoperacionalidade".

O âmbito dessas operações ilude a distinção entre funções civis e militares. Dentre os problemas que podem pedir uma resposta militar, de acordo com o Relatório Quadrienal de Defesa de 2010, estão:

"Crescente demanda por recursos, urbanizaçãop rápida de regiões litorâneas, os efeitos da mudança climática, a emergência de novos tipos de doenças e tensões profundas, demográficas e culturais, em várias regiões -- são algumas das tendências cuja complexa interrelação pode causar ou exacerbar futuros conflitos".

Os militares americanos servem em missões humanitárias em todos os lugares, em desastres bem como em serviços sociais de rotina. Uma das funções, de acordo com o Relatório, é "prevenir o sofrimento humano devido a atrocidades em massa ou desastres naturais em grande escala no estrangeiro". Os militares também tentam ganhar corações e mentes das pessoas operando clínicas dentárias e veterinárias. Os missionários modernos descobrem a terra, fazem amizades com gente local ambiciosa e inteligente e raramente vão embora. Todas essas interações -- alianças, parcerias, treinamento e serviços humanitários -- criam "redes", relações com atuais e futuras elites, tanto civis quanto militares. E ainda existem as bases.

The Bases of Empire: The Global Struggle Against U.S. Military Posts, editado por Catherine Lutz (N.Y.: NYU Press, 2009) é uma sequência boa para outro excelente livro, The Sun Never Sets: Confronting the Network of Foreign U.S. Military Bases, editado por Joseph Gerson e Bruce Birchard (Boston: AFSC/South End Press, 1991). Gerson e Cynthia Enloe estão presentes nos dois livros.

Lutz é um antropólogo; muitos ativistas e antropólogos contribuem com esse volume, o que dá credibilidade à informação sobre o que realmente está acontecendo, ao contrário do que aconteceria se fossem especialistas em política externa, que frequentemente nos dizem mais sobre a opinião da elite e sobre seus próprios preconceitos ideológicos.

Para informação sobre o tamanho, localização e valor imobiliário das bases militares dos Estados Unidos (domésticas e estrangeiras), pode se consultar o DOD Base Structure Report. Ele subestima o número de bases, omitindo as que existem no Iraque e Afeganistão e a que será erguida no Iêmen. Também não estão listadas as bases estrangeiras que deram acesso aos militares dos Estados Unidos. O Report de 2009 informou sobre 4.742 bases nos Estados Unidos, 121 em nossos territórios e 716 estrangeiras. Algumas estimativas dizem que este último número está próximo de mil e o custo anual é de cerca de 250 bilhões de dólares.

O livro de Lutz descreve o efeito das bases nos países hospedeiros e em seus povos e também fala no extenso ativismo de protesto contra as bases, parte do qual deu resultados. Para apoio e inspiração, há a Rede Internacional para a Abolição de Bases Militares Estrangeiras. O status atual dos protestos contra as bases pode ser seguido pelo site do grupo. O movimento contra as bases tem uma liderança considerável e participação de mulheres, indígenas e minorias raciais. Ironicamente, os militares americanos promovem a democracia multicultural em terras estrangeiras.

Lutz nos fala sobre o que as pessoas não gostam nas bases. Em primeiro lugar, é uma questão de soberania. Os Acordos Status of Force em geral dizem que as leis criminais e ambientais dos países hospedeiros não se aplicam ao pessoal dos Estados Unidos ou às bases. Acordos secretos, como aqueles que permitem a presença de armas nucleares, são fechados sem passar por instituições parlamentares, burlando leis e constiuições.

Além das formalidades, a presença militar estrangeira dá poder sobre a política e a sociedade locais. Assim as atuais 235 bases na Alemanha não estão sem função. Elas ajudam a manter a população "na linha" com a "American way". Além disso, como em todo lugar, há um estímulo econômico para restaurantes, entretenimento e mercado imobiliário, preenchendo o rombo deixado aberto nas economias locais pela globalização das manufaturas e da agricultura.

Apesar disso, outra razão para os protestos é o desgosto com os objetivos das instalações. Elas são usadas para fazer guerra, espionar em outros países, tortura e outras atividades que violam as leis dos países-sede e a vontade de seus povos. Além das preocupações morais e legais há o potencial para "vingança", já que as bases podem ser alvo de nações ressentidas com o patrulhamento.

Os nativos tem raiva pelo uso de sua terra, que pode ser ocupada para sempre em vez de usada em agricultura ou turismo. Vicenza, na Itália, é cidade tombada pelo patrimônio da UNESCO; uma segunda base, maciça, está sendo construída lá apesar de um antigo movimento de protesto. Em todos os casos as consequências para o meio ambiente são graves para a terra, o mar e o ar. O barulho constante dos vôos militares, dos disparos da artilharia e da prática de bombardeios é também uma causa de reclamações.

A indústria da prostituição e o crime violento em geral seguem a instalação de bases.

Um dos casos mais conhecidos e vigorosos, o de Okinawa, foi catalizado em 1995 pelo protesto contra o estupro de uma menina de 12 anos de idade e a negativa dos Estados Unidos de submeter os suspeitos às autoridades locais. No entanto, todos os tópicos mencionados acima motivaram os protestos. Além disso, muitos moradores de Okinawa já se consideram parte de uma população colonizada pelo Japão e se ressentem da colocação de 75% das bases americanas no Japão em seu território.

O livro Bases of Empire contém estudos detalhados sobre América Latina, Caribe, Iraque e Diego Garcia; sobre as bases de armas nucleares americanas na Europa; e sobre movimentos de protesto nas Filipinas, em Okinawa e na Turquia. Além disso, inclui o ativismo anti-bases nos territórios americanos do Havaí e de Vieques, em Porto Rico, que serviram de inspiração mundial.

O postfácio, de Julian Aguon, um chamoru (pessoa nativa de Guam), protesta alegando que seu povo está se tornando extinto. Trabalhadores filipinos e coreanos foram trazidos para construir as bases em Guam, que passarão por extensa ampliação. Além disso, os chamorus servem e morrem em taxas desproporcionais nas Forças Armadas dos Estados Unidos.

O cenário geral é sombrio, mas há sinais de esperança. Os movimentos anti-bases tiveram alguns sucessos. Os Estados Unidos estão criando um novo sistema de bases por razões estratégicas; mas a impopularidade das instalações militares também é um motivador.

Como Rumsfeld anunciou em 2004:

"Nossa primeira noção é de que nossas tropas devem ficar localizadas em lugares onde sejam queridas, benvindas e necessárias. Em alguns casos, a presença e as atividades de nossas forças prejudicam as populações locais e se tornam um irritador para os governos. O melhor exemplo é nosso quartel-general maciço em áreas de alto valor imobiliário na capital da Coréia do Sul, Seul -- um ponto de irritação para os sul-coreanos. Sob nossas propostas de mudança, aquele quartel-general será reduzido dramaticamente em tamanho e transferido para um lugar bem ao sul da capital".

Agora algumas das "principais bases de operação" com estruturas permanentes, casas para militares, etc., serão fechadas em troca de "bases de operação avançada" e "pontos de segurança cooperativa", muitas vezes mantidas por empreiteiros para esconder os verdadeiros donos do escrutínio local.

Depois de muitos anos de protesto, causados por prostituição e as doenças que a acompanham, além do banimento constitucional da presença de armas nucleares, as bases das Filipinas foram fechadas. Esse sucesso é de certa forma compensado por exercícios militares conjuntos, visitas de navios e operações de Forças Especiais, mas o ativismo não cessou.

O presidente do Equador, Rafael Correa, se negou a estender o contrato para a base de Manta e vai fechá-la. Um grande movimento pede o fim de todas as bases militares dos Estados Unidos na América Latina e no Caribe e protesta contra a tentativa americana de obter bases na Colômbia. Embora o pedido de Honduras para fechar a base de Palmerola não tenha sido um sucesso, foi suficientemente ameaçador para disparar o gatilho do golpe. Em Vieques, Porto Rico, que teve exercícios de "bombardeio" por 180 dias em um ano, o movimento de protesto começou com as preocupações de saúde e meio ambiente e foi reforçado em 1999 quando um segurança foi morto por uma bomba que caiu longe do alvo. Ativistas mundiais ajudaram no fechamento temporário da base e o movimento internacional continua.

As consequências políticas e ambientais das bases dentro dos Estados Unidos também merecem investigação, ainda assim raramente se vê estudos amplos por parte de jornalistas, cientistas sociais ou ativistas. Livros de ciência política e de estudos do meio ambiente em geral ignoram as bases. No mínimo, elas representam outro sistema de governo local. O Projeto Tóxico Militar, que expressava a séria preocupação de família de militares e trabalhadores civis nas bases com o assunto, deixou de funcionar por falta de fundos. Temos uma dívida com Catherine Lutz pelo seu livro sobre as bases domésticas, Homefront: A Military City and the American 20th Century (Boston: Beacon Press, 2002), um estudo de Fayetteville, Carolina do Norte, sede do Forte Bragg. A introdução que ela escreveu diz: "Em um sentido importante, no entanto, todos nós vivemos de certa forma em um acampamento militar, mobilizados pelo estado de prontidão para a guerra permanente que tem estado conosco desde a Segunda Guerra Mundial".

Joan Roelofs é Professora de Ciência Política do Keene State College, New Hampshire. Tem um blog aqui.
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