29/05/2010
No Fórum Mundial, Lula defende acordo contra 'intolerância'
Portal Vermelho - 28 de Maio de 2010 - 15h39
Em vez de fazer um discurso protocolar como anfitrião do 3º Fórum Mundial de Aliança de Civilizações, aberto nesta sexta-feira (28) no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva preferiu entrar nas "raízes profundas dos conflitos". Seu libelo contra a fome, a " intolerância étnica, religiosa, cultural e ideológica", os arsenais atômicos e os governantes que "buscam transferir o ônus da crise para os mais fracos", incluiu a defesa do acordo com o Irã.
Lula refuta 'teses absurdas' no 3º Fórum
Lula desta vez preferiu ler sua fala em vez de falar de improviso. Seu curto discurso foi uma síntese dos princípios da política externa brasileira, que entrou em evidência neste mês com o acordo de Teerã.
"Posições inflexíveis só ajudam a confrontação e afastam a possibilidade de soluções de paz que a maioria aspira. Com esses princípios, viajei a Tel Aviv e a Ramalá, tentando buscar a paz. Com esse propósito, o primeiro-ministro Erdogan e eu fomos a Teerã buscar, com o presidente Ahmadinejad, uma solução negociada para um conflito que ameaça muito mais do que a estabilidade de uma região importante do Planeta. O mundo precisa do Oriente Médio em paz e o Brasil não está alheio a essa necessidade", defendeu Lula.
Polêmica com o 'choque de civilizações'
A fala do presidente foi aplaudida e apoiada pelo próprio Erdogan e numnerosos chefes de governo e de Estado, pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e pelas delegações de cem países presentes no Rio.
As características de país mestiço e aberto ajudaram na escolha da Cidade Maravilhosa, como citou Lula, para sediar o 3º Fórum. Com a participação de governantes, parlamentares, empresários, prefeitos, ativistas da sociedade civil, jovens, jornalistas, representantes de fundações, organizações internacionais e líderes religiosos, o encontro é uma resposta da ONU à tese do "choque de civilizações", lançada em 1993 pelo cientista político Samuel P. Huntington, porta-voz da ultradireita norte-americana.
"São absurdas as teses sobre uma suposta fratura de civilizações no mundo que conduziria, inexoravelmente, a conflitos. Essas teorias são criminosas quando utilizadas como pretexto para ações bélicas, ditas preventivas", disse Lula no discurso, polemizando ao mesmo tempo com Huntington e com a política belicista que levou os Estados Unidos à invasão do Afeganistão e do Iraque.
O discurso do presidente foi além e denunciou todos os arsenais nucleares como "peças ultrapassadas e obsoletas". Lula fez a apologia da posição do Brasil, que renunciou constitucionalmente às bombas atômicas, e da América Latina, por ser a primeira zona desnuclearizada do planeta.
Veja a íntegra do discurso:
"Primeiro, o governo brasileiro e o povo brasileiro, especialmente esta cidade maravilhosa, como é conhecido o Rio de Janeiro, dão as boas-vindas a todos os que nos honram com sua presença neste Fórum.
Esta Aliança foi a resposta de um expressivo grupo de nações à ofensiva obscurantista daqueles que pretenderam dividir a Humanidade a partir de um suposto choque de civilizações.
Nossa adesão a esse projeto está em sintonia com os princípios universalistas que regem o Estado brasileiro e sua política externa, mas também reflete o que foi a construção de nossa identidade nacional. Somos multiétnicos, acolhemos distintas religiões e culturas. A nação brasileira é formada por nossos povos originários, pelos milhões de africanos que para aqui vieram, forçados, para o trabalho escravo. Abriga sucessivas levas de imigrantes europeus e asiáticos. Aqui convivem pacificamente milhões de descendentes de árabes com centenas de milhares de judeus e descendentes de judeus.
O Brasil tem uma enorme dívida para com os povos de quase todo o mundo, que ajudaram a construir nossa riqueza material, mas, sobretudo, são responsáveis pela construção de nosso patrimônio cultural. Todos eles, sem exceção, fazem parte do que chamamos de civilização brasileira.
Aprendemos com nossa própria história que a tolerância e a igualdade de oportunidades são fundamentais para um ambiente de concórdia e de paz. Ela nos ensinou que a exclusão, o preconceito e a pobreza alimentam cenários de tensão e de conflito, fomentam situações de dominação e de injustiça, que impedem povos e nações de construírem um futuro digno e pacífico.
Não haverá encontro fraternal de civilizações enquanto não forem enfrentadas as raízes profundas dos conflitos, enquanto houver fome e desemprego, mas também enquanto persistir a intolerância étnica, religiosa, cultural e ideológica.
A promoção de uma cultura de paz deve ser um dos pilares centrais deste Fórum. Para tanto, precisamos renovar mentalidades. Para renová-las é necessário oferecer oportunidade de crescimento econômico com justiça social aos milhões de homens e mulheres que vivem nas margens da Humanidade, humilhados e ofendidos, sem esperança.
São absurdas as teses sobre uma suposta fratura de civilizações no mundo que conduziria, inexoravelmente, a conflitos. Essas teorias são criminosas quando utilizadas como pretexto para ações bélicas, ditas preventivas.
O Brasil aposta no entendimento que faz calar as armas, investe na esperança que supera o medo, faz da democracia política, econômica e social sua única e melhor arma. Minha experiência como líder sindical ensinou-me que posições inflexíveis só ajudam a confrontação e afastam a possibilidade de soluções de paz que a maioria aspira.
Com esses princípios, viajei a Tel Aviv e a Ramalá, tentando buscar a paz. Com esse propósito, o primeiro-ministro Erdogan e eu fomos a Teerã buscar, com o presidente Ahmadinejad, uma solução negociada para um conflito que ameaça muito mais do que a estabilidade de uma região importante do Planeta. O mundo precisa do Oriente Médio em paz e o Brasil não está alheio a essa necessidade.
Defendemos um planeta livre de armas nucleares e o pleno cumprimento, por todos os países, das determinações do Tratado de Não Proliferação. Acreditamos que a energia nuclear deve ser um instrumento para a promoção do desenvolvimento, não uma ameaça. Temos sólidas credenciais para exigir o desarmamento. O Brasil é um dos poucos países a consagrar, em sua Constituição, a proibição de produzir e de usar armas nucleares. A América Latina e o Caribe formam a primeira zona desnuclearizada do planeta. A existência de armas de destruição em massa tornam o mundo mais inseguro. Os arsenais nucleares são peças ultrapassadas e obsoletas de um tempo, já superado, de equilíbrio do terror.
Caros amigos,
A promoção da Aliança de Civilizações requer criatividade para forjar novos laços entre regiões e continentes. Reduzimos distâncias físicas, aproximando visões de mundo, integrando povos e culturas. Na América Latina e Caribe, estamos consolidando um projeto de integração regional que vai além da criação de um espaço econômico continental. Queremos que nossas diversidades sejam um fator de multiplicação de nossa força, não um pretexto para dissolver nossos objetivos comuns.
Foi a perspectiva de ampliação de um diálogo de civilizações que nos levou a realizar duas reuniões de Cúpula entre países da América do Sul com os países árabes, e outras duas com os países africanos. Estamos aprofundando nosso conhecimento mútuo, na certeza de que valores e heranças compartilhados nos farão mais fortes para enfrentar desafios como o aquecimento global, a insegurança energética e o terrorismo transnacional, mas, sobretudo, a fome e a miséria no mundo.
Amigas e amigos,
A crise financeira que se abateu sobre todos mostrou o quão necessário será contar com organizações multilaterais vigorosas, à altura de um mundo cada vez mais diverso e multipolar. Mas constatamos grande resistência à mudança. Incapazes de assumir os seus próprios erros, alguns governantes buscam transferir o ônus da crise para os mais fracos. Adotam medidas protecionistas que oneram bens e serviços exportados por países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que se mostram lenientes com os paraísos fiscais, responsabilizam imigrantes pela crise social.
A comunidade internacional precisa reagir. Combater as manifestações de xenofobia e de racismo é tarefa inadiável. O Brasil continua um país aberto e solidário para aqueles que vêm buscar aqui trabalho digno e vida melhor. No momento em que a recessão ceifava milhares de empregos em nossa economia, não hesitamos em regularizar a situação de dezenas de milhares de migrantes.
Senhoras e senhores,
Os jovens constituem um dos grupos mais vulneráveis às influências do fanatismo e da intolerância, além de serem as principais vítimas da violência. Mas são também a melhor promessa para o futuro, sempre que orientados para o conhecimento do outro e para o respeito às diferenças. A participação jovem em programa de promoção do diálogo e da cooperação intercultural tem que ser o objetivo central de nossa Aliança.
É imprescindível um forte investimento na educação. O conhecimento e a informação histórica e cultural sobre diferentes civilizações são essenciais para a promoção de um ambiente naturalmente tolerante. Por isso, estamos implementando o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas brasileiras. Povos sem conhecimento de sua história e de sua cultura não têm como avaliar o presente e serão incapazes de fazer as melhores opções para a construção do seu próprio futuro.
Os meios de comunicação também têm papel decisivo na formação de valores em qualquer sociedade. Sua atuação construtiva é indispensável para a promoção dos princípios de nossa Aliança.
Meus caros amigos,
Este 3º Fórum confirma que não nos deixamos vencer nem pela distância, nem pelo ceticismo dos que duvidavam de nossa capacidade de trabalhar juntos. Aqui prevalece a determinação de romper paradigmas para aperfeiçoar um diálogo pioneiro entre Estados e sociedades que desejam construir um mundo à imagem de suas melhores tradições de entendimento e de solidariedade. É essa a mensagem que nossa Cúpula lança.
O Brasil ajudará a solidificar cada vez mais essa ponte de amizade e cooperação
que estamos construindo entre nossos povos."
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