29/05/2010
Que tal uma Caravana JN neste ano?Neste ano não vamos ter a Caravana do Jornal Nacional? Alguém ainda se lembra da tal Caravana que rodou o Brasil antes das eleições de 2006? Foi um dos momentos altos do jornalismo-espetáculo comprometido com uma candidatura presidencial. Não por acaso, aquela que procurava evitar a reeleição de Lula.
Laurindo Lalo Leal Filho*
O governo superava a tentativa de golpe orquestrada em meio ao primeiro mandato mas sofria ainda algumas seqüelas. Todas muito bem aproveitadas pelo jornalismo global. E ai inventou-se a Caravana pilotada por um publicitário e por um animador de programas de auditório para mostrar o Brasil no Jornal Nacional. O curioso é que essas imagens poderiam ser muito mais facilmente captadas pelas afiliadas da emissora espalhadas por todo o pais. Mas ai haveria a possibilidade da informação sobreviver jogando o espetáculo por água abaixo.
E nem original ela era. Tratava-se da adaptação brasileira de uma cobertura eleitoral realizada nos Estados Unidos, nos anos 1950, pelo jornalista Peter Jennings, para a rede de televisão ABC. Aqui exagerou-se no show, com um conteúdo marcado pelo partidarismo. Exemplo disso foi dado no dia 7 de setembro de 2006, quando a Caravana passou pela “pior estrada do Brasil’: a BR-116, entre o Maranhão e o Pará. A reportagem, com 1 minuto e 16 segundos, exibiu crateras e sugeriu que os candidatos passassem por lá”. No dia seguinte, o JN repetiu parte da matéria com frases do tipo “mostra a vergonha do Brasil, mostra onde foram parar nossos impostos, olhas as placas de sinalização, as faixas no asfalto. Olha o asfalto...”
No dia 9, o JN repercutia a reportagem com os candidatos. Geraldo Alckimin, como que obedecendo às chamadas do repórter, dizia ter estado lá e ter visto “o estado de abandono da estrada (com) graves riscos para os caminhoneiros (e) aumento do custo do frete”. Tabelinha perfeita, do tipo Pelé-Coutinho ou, para atualizar, Ganso-Neymar.
As informações são da pesquisadora Flora Neves e estão num livro publicado por ela, em 2008, chamado "Telejornalismo e Poder nas Eleições Presidenciais" (Summus Editorial). A cobertura dos pleitos de 2006 e 2008 realizada pelo JN é minuciosamente analisada e destrói, com provas, o discurso de equilíbrio tão propagandeado pela emissora. Vale a pena ser lido às vésperas de uma nova eleição.
Agora, em 2010, um novo livro aprofunda a análise sobre a Caravana do JN. Trata-se da publicação da tese de doutorado, defendida na PUC de São Paulo, por Carla Montuori Fagundes sob o titulo “Os contrapontos eleitorais e os cinco ‘brasis’ em campanha pela Caravana JN” (Porto de Ideias Editora).
São analisados 52 programas cujo conteúdo é minuciosamente confrontado com os dados apresentados no “Atlas da exclusão social no Brasil: classes sociais” organizado por Ricardo Amorim e Márcio Pochmann. Aí o espetáculo pseudo jornalístico vira espuma. Revela-se a nítida intenção de jogar nas costas do candidato da situação todas os problemas sociais das regiões mais pobres, sem dar a ele o crédito do sucesso onde as condições de vida melhoraram.
A região sul-sudeste seguia maravilhosa para a Caravana em contraste com a beira do inferno encarnada no norte-nordeste. Nada como o reforço de bons estereótipos para garantir a audiência. E mais, segundo a pesquisa, para não mostrar os avanços sociais que já eram visíveis em regiões menos favorecidas.
E agora? Por que não há uma nova Caravana? Simplesmente porque será difícil esconder esses avanços, fortalecidos a partir do segundo mandato do presidente Lula. Vamos ficar apenas no Nordeste, onde a Caravana destacava, em 2006, a miséria por todo o lado. É para lá que estão voltando centenas de brasileiros expulsos do país durante o auge da vigência do regime neoliberal. Eis um exemplo isolado, mas emblemático: as dezenas de dekasseguis brasileiros que migraram do sul maravilha para o Japão e agora voltam contratados pelo Estaleiro Atlântico Sul, instalado no distrito portuário industrial do Suape, em Pernambuco.
Seria difícil realizar uma nova Caravana JN sem mostrar fatos como esse. Então, em nome do partido do qual ela fazia parte, é melhor deixar para lá.
*Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).
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