08/08/2010
É o petróleo, estúpido!
Carta Maior - 07/08/2010
Um dos principais motivos pelos quais o Iraque ainda continua a ser visto como Zona de Guerra pode ser encontrados nas dezenas de contratos de longo prazo para exploração dos campos de petróleo por empresas estrangeiras (cerca de 60% das reservas). Tudo isso reforça a necessidade de maior segurança em um país que ainda está lutando para formar um governo após as disputadas eleições de março. Incapaz de impor uma solução militar e, muito menos, transformar o país em um modelo dos valores ocidentais a ser difundido para região, como se previa no início da guerra, os EUA tentam evitar uma retirada humilhante ao estilo Vietnã. O artigo é de Reginaldo Nasser.
Reginaldo Nasser *
No dia 02/08/2010, exatamente 20 anos após a invasão iraquiana do Kuwait, que motivou a 1ª guerra no Golfo em 1991 e o início do envolvimento direto dos EUA no Oriente Médio, o presidente Barack Obama anunciou que, tal como já estava planejado desde sua campanha eleitoral, os EUA deverão decretar o final das operações de combate no Iraque até 31 de agosto de 2010. Mas é difícil acreditar que o envolvimento militar dos EUA no Iraque vai acabar. A previsão é que haverá uma redução do número de soldados americanos de 90 para 50 mil "não-combatentes" até 2011. Mas o que significa exatamente não-combatentes?
Trata-se muito mais de uma distinção política do que militar. Essas tropas deverão orientar operações de luta contra o terrorismo, proteger os civis, treinar, assessorar e supervisionar Forças de Segurança iraquianas ainda extremamente dependentes dos EUA. É também um exercício de semântica, pois o que atualmente é denominado operações de combate será chamado de "operações de estabilidade." Aliás, não se pode perder de vista o fato de que o número de empresas de segurança tem aumento nos últimos anos (ver A privatização da segurança e a democracia nos EUA Data:25/07/2010).
Aliás, alguns trechos do discurso de Obama deixam clara essa posição alertando para o fato de que redução de tropas “não significa uma redução do compromisso dos EUA com o Iraque”, mas sim uma mudança na natureza do compromisso.
O ex-oficial do Exército EUA e agora professor de relações internacionais da Boston University, Bacevich, observa que Obama esta sendo dominado por aquilo que denominou "consenso de Washington", uma associação entre a segurança nacional e ação internacional por meio de uma política de guerra permanente ao redor do mundo. Uma característica-chave dessa guerra travada em todos os domínios (militar, intelectual, política e cultural) é que fiascos da política externa não podem ser permitidos pois provocam questionamentos sobre o sentido da política EUA. os líderes do establishment de segurança nacional trabalham com afinco, fazendo-nos acreditar que quaisquer eventuais erros nas guerras devem ser reconhecidos como erros de execução, e nada mais. Não se pode permitir que ocorram outras “síndromes do Vietnã” que inibiriam o apoio da opinião pública norte-americana para novas eventuais guerras. (Irã, por exemplo).
Provavelmente, um dos principais motivos pelos quais o Iraque ainda continua a ser visto como Zona de Guerra pode ser encontrados nas dezenas de contratos de longo prazo para exploração dos campos de petróleo por empresas estrangeiras (cerca de 60% das reservas). Tudo isso reforça a necessidade de maior segurança em um país que ainda está lutando para formar um governo após as disputadas eleições de março.
Incapaz de impor uma solução militar, e muito menos transformar o país em um modelo dos valores ocidentais a ser difundido para região, como se previa no início da guerra, os EUA tentam evitar uma retirada humilhante ao estilo Vietnã. Para isso nada mais conveniente do que criar uma nova forma de regime de protetorado para manter seu domínio sobre o país e a região.
Ensaia-se um novo tipo de ocupação econômica após essa “retirada”. No início deste ano, o FMI aprovou um empréstimo de US$ 3,6 bilhões para o Iraque, vinculado a um conjunto rigoroso de condições, incluindo uma ampla campanha de privatização e uma redução significativa nos gastos públicos.(Grifo do Contraponto PIG)
Walter Mead, um intelectual conservador, fez uma observação extremamente pertinente sobre o poder econômico qualificando-o como um sticky power (poder pegajoso), que não se baseia nem na coação militar (hard power), nem na identificação de valores (soft power); mas num conjunto de instituições e práticas econômicas que têm a capacidade de atrair outros Estados para a órbita de influência norte-americana. Esse poder está fundamentado sobre dois pilares, sistema monetário internacional e livre comércio, que propicia aos países construir instituições que dão confiança aos investidores estrangeiros, em concorrência com as propostas de investimentos estatal para o desenvolvimento de suas economias.
Um outro intelectual conservador norte-americano, Niall Ferguson, escreveu um artigo em 2008, respaldando uma análise de John McCain: se os EUA se retirarem do Iraque, o Oriente Médio vai explodir após algum tempo e o barril de petróleo poderá atingir cifras astronômicas. E aí o que fazemos?
Após a invasão em 2003 esperava-se uma rápida recuperação da produção de petróleo no Iraque, mas levou seis anos para voltar aos níveis de 2001 (2,5 milhões de barris por dia). Os contratos de perfuração revelam o começo de um longo esforço por parte das maiores empresas de petróleo do mundo para transformar o Iraque no maior rival da Arábia Saudita. Há estimativas de que mais de US$ 50 bilhões serão necessários para reparar e ampliar a infra-estrutura do petróleo.
Uma recente análise realizada por consultorias na área de energia diz que o plano para aumentar a produção é "extremamente ambicioso" e previu um aumento de pouco menos de 2 milhões de barris de petróleo por dia até 2015, o suficiente para produzir um impacto enorme no mercado mundial de petróleo. O Iraque tem estado ausente da OPEP durante 30 anos devido às guerras e sanções e não se sabe qual será a definição do novo governo que vai se formar. Ao mesmo tempo, os novos “nacionalistas” iraquianos, em ascensão, embora entendam que é necessário nesse momento um forte investimento estrangeiro, estão cada vez mais receosos de que essa forte presença estrangeira impeça o desenvolvimento dos programas sociais e outros setores cruciais da economia. Novas lutas estão por vir.
Reginaldo Nasser *. Professor de Relações Internacionais da PUC-SP
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