segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Contraponto 15.167 - "A lição de Dilma em vitória histórica"





Para se tentar  fazer uma ideia do futuro político do Brasil até 2018, é preciso, num exercício de humildade, tentar compreender o que ocorreu em 26 de outubro de 2014.
Num esforço para enfraquecer o segundo mandato de Dilma Rousseff antes mesmo do início do segundo mandato,  procura-se usar os números da apuração do segundo turno para escrever a profecia de um governo frágil, pré-condenado ao fracasso e à desorientação. A vantagem de 3,2% sobre Aécio Neves — ou 3,4 milhões de votos — é uma das menores da história da república mas ninguém tem o direito de fingir que não sabe o que aconteceu em  26 de outubro de 2014, marco de um evento histórico.

Ao lado de Lula, com direito a voz própria, Dilma dará continuidade a um projeto político de pelo menos  16 anos. É um período mais longo do que o primeiro governo de Getúlio Vargas, iniciado com a revolução de 1930 e, após períodos democráticos e autoritários, encerrado em 1945. A ditadura militar de 1964 durou 21 anos. Foi iniciada por tanques e baionetas, encerrando-se com vaias e gritos de revolta. Seu último general-presidente deixou o Palácio pela porta dos fundos. Terceiro mais longo período político desde o Segundo Reinado de Pedro II, o governo Lula-Dilma é o único que sempre se apoiou  na soberania popular e no voto do povo.

 Dilma foi vitoriosa ontem depois de enfrentar o mais selvagem   massacre político de nossa história republicana. Como o Manchetômetro não deixa mentir, a campanha foi uma avalanche de notícias tendenciosas sobre economia, sobre as alianças políticas do governo, sobre a fidelidade de Luiz Inácio Lula da Silva. Tivemos uma guerra suja que pregava o boicote à Copa do Mundo para desmoralizar a presidente e impedir a reeleição. Tivemos cenas explícita de arrogância internacional contra ao governo, liderada pela Economist e pelo Financial Times, que definiu a sucessão presidencial como uma “guerra, a batalha final pelo controle da sétima economia do mundo.” (Os grifos em verde negritado são do ContrapontoPIG)


Ao longo da campanha eleitoral, manobras especulativas da Bolsa de Valores se sucederam num espantoso grau de cálculo eleitoral e perversidade. Dilma encarou uma delação premiada cronometrada para jogar o esquema da Petrobrás no colo do governo assim que o eleitorado estivesse a caminho das urnas, e os depoimentos mais graves pudessem ser divulgados em ambiente de escândalo e desgaste. Há poucos antecedentes, na história das democracia civilizadas, de uma operação destinada a interferir de forma tão descarada na vontade do eleitor como a reportagem de capa da revista VEJA (“Eles sabiam de tudo”) publicada num ambiente de provocação, ódio e mentira, quando vigorava a Lei do Silêncio que antecede uma votação.

 Campanha incomum, a vitória de Dilma permite poucas comparações úteis.  A mais apropriada possivelmente tenha ocorrido há 59 anos. Em 1955, quando as eleições se resolviam num único turno, Juscelino Kubitscheck foi vitorioso com 35,6% dos votos. O udenista Juarez Távora ficou com 30,2%. Em 5 de outubro de 2014, Dilma passou pelo primeiro turno por uma diferença de 9 pontos: 41,5% dos votos contra 33,5% para Aécio Neves. A ausência absoluta de compromissos democráticos dos adversários de JK permitiram que o novo presidente tivesse um início de governo traumatizante e acidentado, inclusive por duas tentativas fracassadas de golpe militar. Enfrentando todas essas dificuldades, Juscelino entrou para a história como um dos grandes presidentes brasileiros.

Num país onde o exercício político é criminalizado cotidianamente, alimentando narrativas de corrupção, intrigas e trapaças que ajudam a esconder os verdadeiros interesses de política econômica e partilha da renda disponível em disputa, Dilma deixou claro aonde se encontrava. Não fez isso em exercícios de grande oratória — que nunca possuiu nem possuirá — nem em lances espetaculares de marketing, que só funcionam quando conseguem dialogar com a realidade. Foi vitoriosa porque podia falar em nome de um governo que, com altos e baixos, chuvas e trovoadas,  não se afastou dos interesses das grandes maiorias do mundo do trabalho, do salário e do emprego, da periferia. Foi a realidade dessas pessoas, que derrotou os profetas do apocalipse. Essa é a mensagem da vitória de ontem. Tão antiga e tão atual como o primeiro governo Lula.

A presidente liderou a campanha do princípio ao final. Sua vantagem só foi questionada em  períodos de curta duração, que refletem episódios específicos da campanha — a súbita chegada de Marina Silva, a arrancada de Aécio no final do primeiro turno — que jamais colocaram em questão a superioridade política do governo perante os adversários. Doze anos após a chegada de Lula-Dilma ao Planalto, está claro, muito claro, que nem o pais nem o PT chegaram perto de ter descoberto a formula do governo perfeito. Mas comprovou-se que seus adversários pouco têm a dizer à maioria dos brasileiros, num silêncio que aumenta na mesma proporção que se desce na pirâmide social. Num desses momentos de humor que permitem o relaxamento após uma vitória dramática, os petistas se divertiam, na noite de ontem, com a notícia de que o eleitorado que deu a Aécio Neves  sua maior vantagem reside em Miami.

Se pudesse contar com adversários leais, capazes de respeitar as regras do jogo democrático e travar o combate político em termos duros e mesmo radicalizados, mas dentro de limites aceitáveis, Dilma teria obtido uma vantagem numérica maior. Perdeu entre dois ou quatro pontos — você escolhe o instituto de sua preferência — no mínimo, no jogo sujo que teve início na sexta-feira. Isso é o que mais irrita, hoje, e preocupa, quando se olha o futuro. Tentar enxergar a vantagem de 3,4 milhões de votos de ontem como uma demonstração da falta de apoio à presidente é uma forma de encobrir as responsabilidades por um golpe midiático iniciado 48 horas antes da votação e que produziu efeitos, no número de abstenções, de indecisos, até o fechamento das urnas. Sem exagerar no mau humor num momento de celebração, não custa lembrar que o esforço para apagar seus próprios erros e desvios é um traço marcante dos adversários do governo, não é mesmo?

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