quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Contraponto 18.550 - "Médicos precisam repensar seus valores, antes que seja tarde



 

Médicos precisam repensar seus valores, antes que seja tarde

 







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 Renato Rovai


Renato RovaiDe tempos em tempos surgem denúncias envolvendo esquemas de corrupção ou denúncias de cobranças indevidas envolvendo médicos em diversos cantos do Brasil. A última operação neste sentido foi realizada há poucos dias, no dia 2 de janeiro. A operação de nome Desiderato, teve o objetivo de desarticular uma organização criminosa que desviava verbas do Sistema Único de Saúde (SUS).

A ação aconteceu em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina e foram cumpridos sete mandados de condução coercitiva, oito de prisão temporária, além de 21 mandados de busca e apreensão e 36 de sequestro de bens e valores.

De acordo com a Polícia Federal, produtos pagos pelo SUS eram desviados por cardiologistas para fins privados. Esses médicos ainda se beneficiavam de acordos com as empresas fornecedoras de materiais hospitalares e recebiam propina.


A investigação apontou que eram simuladas cirurgias e que as próteses não utilizadas eram desviadas e utilizadas em procedimentos nas clínicas de propriedade dos membros do grupo.

O problema simbólico dessa investigação é que ela não é um caso isolado. Ao contrário, se o leitor fizer uma busca no Google com palavras de denúncias de corrupção e de cobranças indevidas envolvendo profissionais de medicina, ficará chocado.

Todos os médicos são corruptos? Evidente que não. A maior parte deles trabalha duro e em condições precárias. Mas espalha-se a sensação de que essa categoria, que tem entre as suas atribuições a de zelar pela vida do paciente com a maior ética possível, tem se tornado cada dia mais mercantilista. E de menor espírito público.

Os esquemas de corrupção em procedimentos, compras de medicamentos e em bular horários de trabalho, incluindo casos de manufaturas de dedos de silicone para bater o ponto são recorrentes.

Mas há outro tipo de corrupção, em geral praticada de forma individual pelo profissional, e cujas denúncias abundam. Relatos de médicos que solicitam pagamentos extras pra realizar procedimentos pelo SUS são abundantes. Algo como se um professor dissesse que só ensinaria até a tabuada do quatro com o salário que recebe. E que o resto só se o pai lhe pagasse um valor à parte.

O paciente e seus familiares, em geral fragilizados, quando podem aceitam a chantagem e tocam a vida para a frente sem denunciar o crime.

As entidades médicas sabem que isso é comum. Mas não tratam do tema, porque na categoria se construiu o entendimento de que como o governo paga pouco para os procedimentos, essa solução se torna natural.

Ou seja, naturalizou-se a corrupção.

Ao mesmo tempo os médicos se organizaram como nunca para enfrentar o programa Mais Médicos, do governo federal. Que pode ter seus defeitos, mas que ampliou o atendimento em áreas onde não se conseguia resolver problemas básicos de saúde por ausência de profissionais da área.

Não se trata de jogar nas costas do médico o problema da saúde no Brasil. Que, aliás, também não é algo vinculado à corrupção, como alguns insistem em dizer. No Brasil, gasta-se muito pouco per capita com a saúde. Nosso principal problema é de orçamento e fontes de financiamento. E a despeito disso, o país ainda tem um atendimento universal de nível médio.

Na lógica da Belindia, não somos uma Bélgica, mas estamos muito mais longe de ser uma Índia.

Esses casos coletivos e individuais de corrução envolvendo médicos deveriam ser o centro das atenções de suas entidades organizativas, mas não são. A opção tem sido o silêncio. Se o leitor for aos sites dessas entidades, não vai encontrar nada sobre o tema. Nada sobre, por exemplo, a Operação Desiderato.

Ao fazer isso, o recado que se dá é que não se trata de algo importante. E que não há nada o que explicar. Num primeiro momento pode funcionar. E ajudar o assunto a sair de pauta. Mas se o olhar buscar um ponto mais ao longe, ficará claro que esse tipo de postura contribuirá para desgastar cada vez a imagem do profissional da medicina. Que já foi muito mais respeitado no Brasil.


Renato Rovai é editor da Revista Fórum
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