domingo, 27 de setembro de 2009

Contraponto 354 - JN: 40 anos de hegemonia e poder


27/09/2009

Hegemonia e poder

Flora Neves* especial para O POVO - 26 Set 2009 - 16h06min

O Jornal Nacional comemorou 40 anos no início do mês com direito a festa, lançamento de livro, reestruturação estética no estúdio, roupa nova e um maior afinamento dos apresentadores com a família brasileira. Os apresentadores Willian Bonner e Fátima Bernardes tentaram fazer do estúdio do programa a sala de estar do casal e do telejornal um ``momento de encontro`` da família brasileira, aliás estratégia vitoriosa de aproximar e legitimar a audiência e a credibilidade do programa. No entanto, quem estuda e analisa a trajetória do telejornal mais antigo do Brasil sabe que nem o formato, linguagem e muito menos a concepção de detentor do poder mudaram desde a estreia em 1969.


O debate entre Lula (foto) e Collor, em 1989,
teve sua matéria manipulada


O telejornal continua sendo o único meio de informação para milhões de brasileiros e um dos mais influentes veículos de massa, pelo menos politicamente. Para medir a penetração e importância política do noticiário não só para o telespectador comum, basta repetir a frase do então presidente do PFL, Jorge Bournhause, durante uma conversa por ocasião da inauguração do comitê central da campanha de Alckmin à presidência em julho de 2006. ``É preciso mobilizar para entrar no Jornal Nacional. O Álvaro (Dias, senador do PSDB-PR) tem razão: nosso objetivo se chama Jornal Nacional. Quem ganhar no Jornal Nacional ganha a eleição``.

Controle
A hegemonia do Jornal Nacional foi conquistada graças as decisões políticas da época que garantiram financiamento ao grupo Marinho e a implantação do sistema de microondas para a transmissão em rede nacional. A vocação política governamental do noticiário, pelo menos nas primeiras décadas, era clara tanto que a primeira notícia dada pelo telejornal foi o anúncio dos nomes que compunham a junta militar que comandava o país em consequência da doença de Costa e Silva e o primeiro VT foi uma entrevista do então ministro da Fazenda, Delfim Neto.

No período ditatorial, o telejornal representava a voz oficial do Governo em todo o território nacional e, além de ignorar acontecimentos importantes, nunca dava notícia sobre tortura, prisão de estudantes, operários ou de jornalistas. Pelo contrário, divulgava fotos e nomes de pessoas procuradas para que se facilitasse a prisão. O telejornal só era pautado com notícias internacionais e do ``milagre econômico``. Quem não se lembra da afirmação do presidente Médici, em 1973: ``Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para assistir ao jornal (JN). Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranquilizante, após um dia de trabalho``.

No período político caracterizado como pós-abertura não foi diferente, e o noticiário figurou com um comportamento unilateral em momentos considerados fortes do período. A cobertura na campanha pelas eleições diretas, em 1984, campanhas eleitorais de 1982 para o governo do estado do Rio de Janeiro e de 1989 para presidente foram alguns dos momentos em que o papel tendencioso do Jornal Nacional foi mais evidente.

Tendencioso
Em 1982, na eleição para governador, a Globo previa uma apuração em ritmo de espetáculo, mas a cobertura do Jornal Nacional se transformou em caso polêmico que quase mudou os rumos da eleição do Rio de Janeiro. O esquema montado em 1982 consistia em iniciar a apuração de votos pelo interior do estado, onde o candidato Leonel Brizola perdia. A Proconsult - empresa responsável pelo sistema de apuração eletrônica para o Tribunal Regional Eleitoral, também contratada da Globo e cujo programador era um ex-oficial do Exército - podia tirar votos de Brizola e dar para Moreira Franco, candidato do PDS. O Jornal Nacional divulgaria só números oficiais e daria falsos resultados. Como era uma empresa de credibilidade, dava a sustentar que era a verdade. Mas um serviço de apuração próprio do Jornal do Brasil e do PDT, liderado por César Maia, mostravam números contrários e o diretor de pesquisa da Rede Globo denunciou a fraude.

Na cobertura do movimento pelas eleições diretas no país, entre 1983 e 1984, o telejornal foi totalmente omisso e só divulgou a campanha depois que o próprio Roberto Marinho participou da decisão pelo nome de Tancredo Neves como candidato em uma eventual eleição direta. Muita gente se recorda do comício de São Paulo que reuniu entre 250 a 300 mil pessoas na Praça da Sé no dia 25 de janeiro de 1984. Todos os órgãos da grande imprensa cobriram o ato público e foi a grande notícia do dia e da semana, porém, o Jornal Nacional fez diferente, noticiou como se fosse uma festa comemorativa dando ênfase a presença de artistas reduzindo a relevância da informação. O texto lido, na ocasião, pelo apresentador Marcos Hummel dizia: ``festa em São Paulo, a cidade comemora seus 430 anos em mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na praça da Sé``.

Em 1989, a campanha do futuro presidente Fernando Collor foi favorecida pela construção de um cenário dia a dia pelo Jornal Nacional: era o ``caçador de marajás``, mas o que pode ter decidido mesmo a eleição de 1989 foi a edição enviesada do dia 16 de dezembro, véspera do segundo turno da eleição. A manipulação ocorreu no tempo e na escolha das falas de cada candidato. A reportagem sobre o debate, segundo o editor de política da época, Vianey Pinheiro, deveria ser a mesma do Jornal Hoje, onde a matéria mostrava Collor com 22 segundos a mais que Lula. A decisão de aumentar a vantagem de Collor foi do próprio Roberto Marinho que ordenou nova edição. Naquela noite o telejornal exibiu Collor com mais falas e com um minuto e 12 segundos a mais que Lula. A edição mostrava ainda os piores momentos de Lula e os melhores do candidato do PRN, inclusive gaguejando e trocando palavras.

Um estudo sobre a tendência do Jornal Nacional das eleições presidenciais (Telejornalismo e Poder Nas Eleições Presidenciais, Summus, 2008) demonstra que, na história política recente, o telejornal tenta se distanciar da imagem de detentor do poder, porém dados coletados na pesquisa das eleições de 2002 e 2006 indicam que a Rede Globo, por meio do Jornal Nacional, ainda mantém a mesma tendência unilateral em suas coberturas, sobretudo eleitorais, como fez em outros momentos políticos, desde o início de sua trajetória. Tal comportamento ainda privilegia e prejudica pessoas e candidatos.

*Flávia Neves é jornalista, doutora em Comunicação pela USP, docente adjunta da Universidade Estadual de Londrina e autora do livro Telejornalismo e poder na Eleições Presidenciais.

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PITACO DO ContrapontoPIG

Nos 40 anos de existência o JN:

- foi a voz oficial dos governos da ditadura;
- fez parte da tentativa de fraude contra Brizola no escândalo da "Proconsult" ;
- falseou a cobertura do movimento das "Diretas Já!";
- manipulou vergonhosamente a edição de debate entre Lula e Collor em 1989 e
- tem ao longo destes 40 anos - através da manipulação de notícias - fomentado e
alimentado um "rebanho globovino" de milhões de telespectadores.

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