06/01/2010
"A guerra e a paz na Colômbia"
Carta Maior - 06/01/2010
Emir Sader*
Em um pequeno espaço de tempo – desde o Natal – a Colômbia presenciou cenas como o seqüestro e morte do governador de Caquetá e uma ofensiva militar contra a organização guerrilheira que - segundo o governo, com dados sempre inflacionados, que costuma esconder a morte de população civil -, teria provocado cerca de 45 mortes de guerrilheiros, entre eles três dirigentes. A primeira ação foi muito audaz, dado que o governador já tinha sido seqüestrado algumas vezes e era um alvo óbvio da guerrilha. A segunda demonstra a disposição do governo de atuar de forma rápida e fulminante para demonstrar capacidade de ação.
Ambos os fatos confirmam a caracterização de que a Colômbia é cenário de uma guerra interna, que se prolonga por décadas, com o maior número de vítimas e de população deslocada – esta, já de mais de 4 milhões – que o continente já conheceu. Essa situação de guerra foi reconhecida pelo próprio governo Bush, que incluiu a Colômbia na sua lista de focos da “guerra infinita” em que os EUA estão envolvidos, fazendo da Colômbia o terceiro país em ajuda militar norteamericana, apenas atrás de Israel e do Egito. E do orçamento militar colombiano o maior da América Latina, equivalente ao do Brasil, que tem 4 vezes mais população.
No entanto, Uribe insiste em dizer que se trata apenas de uma “luta contra o terrorismo”, para a qual utiliza todos os meios para militarizar os conflitos – das 8 bases militares norteamericanas à eventual declaração de uma “situação de emergência”, que possibilitaria adiar a data das eleições deste primeiro semestre do ano, passando por assustar com a possibilidade de uma invasão venezuelana.
Seu objetivo maior, agora, é conseguir mudar novamente a Constituição colombiana – como já havia feito há quatro anos, com o mesmo objetivo -, para conseguir um terceiro mandato presidencial, em um país que se orgulhava de nem ter reeleição. A decisão está em mãos da Justiça. Caso seja positiva para Uribe, será convocado um referendo para consulta à população sobre a possibilidade do terceiro mandato, para a qual a decisão favorável teria que ter pelo menos 7 milhões de votos. Seria um terço dos votantes, em um país acostumado a altas abstenções, a ponto que Uribe, tendo sido reeleito nas eleições anteriores no primeiro turno, obteve apenas 28% dos votos do total do eleitorado.
Se conseguir a decisão da Justiça, a oposição pretende fazer boicote sobre a consulta eleitoral, tentando impedir que o Uribe consiga os votos necessários. Caso este logre, vai enfrentar um arco variado de muitos candidatos, nenhum com possibilidade de derrotá-lo, provavelmente nem de levá-lo a um segundo turno, de tal forma sua política de “segurança democrática”, em nome da qual militariza o país, tem apoio da população. Há candidatos do uribismo, que discordam de um terceiro mandato – como a candidata do Partido Conservador -, há candidatos de centro, que tentam fugir à polarização uribismo/anti-uribismo - como o candidato do Partido Liberal - e há candidatos de esquerda, entre eles o do Polo Democrático, que chegou em segundo lugar há quatro anos, mas que está dividido e com possibilidade de eleger apenas dois senadores, dos 18 que tinha anteriormente.
A única liderança que pode se enfrentar a Uribe é a da senadora Piedad Cordoba, da esquerda do Partido Liberal. Piedad se notabilizou por personificar a saída política, negociada e pacífica à crise colombiana, sendo a peça essencial nas libertações de presos das Farc, demonstrando que as negociações podem frutificar. Diabolizada pelo governo, que tenta desqualificá-la como representante de Hugo Chavez e das Farc, sua popularidade resiste e é impressionante, como se constata caminhando por ela pelas ruas das cidades colombianas.
Sua figura de filha de negro com branca, vinculada aos movimentos negros e outros movimentos populares, se projetou como a maior liderança popular do país. Depois de rejeitar intermediações, de fora ou de dentro do país, confiando que possa repetir a operação militar de libertação de Ingrid Bettancourt e dos três militares norteamericanos presos pelas Farc – possível pela infiltração e recrutamento de um dirigente da organização guerrilheira -, Uribe foi obrigado a aceitar novamente que Piedad fizesse a intermediação numa nova libertação de presos das Farc, com apoio do Brasil e agora em novo processo de libertação de dois novos presos.
Ao mesmo tempo, Piedad propõe uma troca humanitária de todos os detidos das Farc e do governo, para superar definitivamente o problema. Enquanto isso, como membro da Comissão de Direitos Humanos do Senado, tem viajado regularmente aos EUA, para entrevistar-se com paramilitares e narcotraficantes extraditados por Uribe, que queria vê-los fora de qualquer possibilidade de fazer declarações que comprometam ao governo – evidentemente vinculado a uns e a outros. Esses materiais comprometem ainda mais Uribe com esses vínculos. Piedad propõe o retorno deles – que se sentem traídos por Uribe – à Colômbia, para esclarecer à Justiça os incontáveis casos de violência e corrupção em que estão envolvidos, junto com o governo.
Um eventual terceiro mandato de Uribe será muito mais problemático que os anteriores. Não terminará o clima bélico, as contradições dentro do uribismo aumentam, pelas resistências a esse terceiro mandato, além de que a situação econômica – para um país que não diversificou seu comércio internacional, não desenvolveu o mercado interno de consumo e sofre as duras conseqüências da ruptura de relações com a Venezuela, com a diminuição substancial das importações desse país. Tempos conturbados para o país, com um provável enfraquecimento do uribismo, com ele ou com candidato alternativo.
Piedad Cordoba aparece como a única liderança que pode, no futuro próximo, com o apoio popular com que conta – que deve levá-la à reeleição como senadora com votação recorde, muito superior a muitos candidatos à presidência – e com a proposta de solução política, negociada e pacífica para a crise, questionar Uribe e propor uma superação positiva da crise em que a Colômbia continua imersa.
*Emir Sader, sociólogo e cientista político.
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