10/05/2010
Traição ou disputa?
Blog do Emir - 09/05/2010Emir Sader*
Os termos do debate do começo do governo Lula podem ser revistos agora, sob a ótica do que ocorreu desde então. A conjuntura daquele início levou à discussão sobre a natureza e o destino do governo. A carta aos brasileiros, a nomeação de Meirelles, os orientações predominantes de Palocci no governo, a reforma da previdência, colocaram a questão: o governo Lula tinha mordido a maçã e traído ou era um governo contraditório, em disputa?
Não foram poucos os que aderiram à primeira versão. Lula teria se somado à já longa lista de lideres de origem popular que “traíam” as causas pelas quais tinham lutado – junto com gente como Menem, Carlos Andrés Perez, Mitterrand, Felipe Gonzalez, para não ir muito longe no tempo – e se jogava nos braços das classes dominantes e do imperialismo. Militantes, parlamentares, intelectuais, romperam com o PT e com o governo, considerando-o “perdido” e lançando-se à formação de um outro partido.
Chegaram, nessa linha de raciocínio, depois da candidatura de Heloísa Helena à presidência - que tratava o governo Lula como “uma gangue”, nos generosos espaços abertos a ela na imprensa de direita -, a considerar que o Brasil dirigido por Lula ou por Alckmin seria o mesmo, decidindo pelo voto nulo ou pela abstenção no segundo turno de 2006. (Basta imaginar o Brasil, na crise recente, dirigido por Alckmin ou como foi dirigido por Lula, para nos darmos conta do erro cometido por quem se manteve equidistante dos dois.)
Erraram de forma brutal. O governo Lula melhorou, inquestionavelmente, revelando que tinham razão os que ficaram no PT, lutando pela mudança de linha, que finalmente ocorreu, de forma significativa a partir de 2005, com a substituição de Palocci por Guido Mantega e a passagem da coordenação do governo para Dilma. A política externa se consolidou com as alianças com os países latinoamericanos e os do Sul do mundo. As políticas sociais se estenderam, mudando o perfil social do Brasil. O Estado passou a assumir seu papel de indutor do crescimento econômico e de garantia dos direitos sociais. O desenvolvimento – abolido pelos governos neoliberais – foi recolocado como objetivo central do país, um desenvolvimento intrinsecamente articulado com distribuição de renda e de fortalecimento do mercado interno de consumo popular.
O governo Lula melhorou significativamente e uma das conseqüências disso foi o desaparecimento político dos setores que tentaram construir alternativas mais à esquerda do PT e dos partidos do bloco de sustentação do governo. Há duas fases claras no governo Lula (veja-se a excelente análise de Nelson Barbosa no livro “O Brasil, entre o passado e o futuro”, orgs. Emir Sader e Marco Aurélio Garcia, Editoras Boitempo e Perseu Abramo), a segunda foi nitidamente melhor, consolidou o apoio popular ao governo e projeta a candidatura de Dilma como uma candidatura forte, que conta, entre outros, com o apoio de todos os lideres progressistas da América Latina, de Evo Morales a Hugo Chavez, de Pepe Mujica a Fernando Lugo, de Rafael Correa a Cristina Kirchner, de Raul a Fidel Castro, entre muitos outros.
Os setores que se alinharam na ultra esquerda deveriam fazer um balanço autocrítico, que permitisse corrigir rumos no futuro e evitar a repetição, em um eventual segundo turno, do mesmo erro cometido em 2006. O governo estava em disputa. A visão moralista de que o Lula havia “traído” e não teria volta no caminho da “capitulação”, foi um grande equívoco, pelo qual pagaram um preço caro, que os fez fracassar como projeto de construção de uma alternativa política e pode levar a que não consigam sequer reeleger os poucos parlamentares que possuem.
Há, no campo político, uma direita e uma esquerda, objetivamente, mais além do desejo de cada um. Situar-se nesse campo, mais à esquerda do PT é uma posição que tem sua coerência, mas ela depende de uma definição pela candidatura da esquerda no segundo turno, evitando a visão fácil e equivocada, de que o PT e o PSDB, Dilma e Serra, são iguais. Quando um setor da esquerda erra na localização de onde está a direita, corre todos os riscos de fazer o jogo dela.
*Emir Sader. Sociólogo e cientista político
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