Ontem eu disse que faria as últimas considerações sobre o caso Erundina, mas foi uma promessa tola, então me dêem licença para voltar ao assunto. De qualquer forma, não abordarei o assunto segundo perspectivas ideológicas ou subjetivas. Já que a decisão do PT foi eminentemente pragmática e mesmo maquiavélica (na acepção mais brutal do termo), então façamos também uma análise friamente objetiva.
Abaixo, vocês vêem a relação dos vereadores da cidade de São Paulo, extraída do site da Câmara. Observe que o PT é o partido mais forte, com 11 vereadores. O PSDB perdeu um bocado para o PSD, que agora tem 10 vereadores. Voltamos após o gráfico.
Esse quadro nos sugere algumas observações:
- A aliança do PSDB com o PSD foi fundamental para a candidatura Serra. Lula tinha razão (do ponto-de-vista do cálculo maquiavélico-eleitoral) para tentar acordo com Kassab e PSD.
- Serra está conseguindo fechar acordo com quase todos os partidos com boa presença na câmara: PSD, PR, PV, PPS, DEM.
- Se os tucanos conseguissem fechar com PP e PTB, formariam um bloco com muita força eleitoral. O PTB ainda está em disputa.
- Deve-se sempre ressaltar a grande vitória de Serra ao fechar acordo com o PR, legenda que tem cinco vereadores em São Paulo e conta com o campeão brasileiro de votos Tiririca.
A tabela acima merece ser examinada com atenção. De fato, não dá para desprezar Maluf. Ele ficou em quarto lugar no ranking dos mais votados. Para o PT, o quadro oferece uma série de problemas:
- Dos seis candidatos mais votados em 2008, cinco eram nomes de oposição ao PT, sendo quatro de direita e um de esquerda (PSOL).
- Trazendo Maluf para junto de Haddad, o PT diminui a pontuação inimiga nas eleições deste ano.
Maluf obteve 275 mil votos válidos para deputado federal na cidade de São Paulo, e 497 mil votos em todo o estado. Erundina teve 178 mil votos na cidade e 214 mil votos no estado.
Os eleitores de Erundina tendem a votar no Haddad, porque o seu partido PSB vai apoiar Haddad. Este vai usar imagens de Erundina em sua campanha, e ela deverá pedir votos para o petista na TV. Então estes são votos já garantidos.
Os eleitores de Maluf devem se dividir. Os mais ideológicos tendem a votar em Serra. O eleitor mais humilde, que vota no Maluf por algum tipo de misteriosa afinidade, tenderá a votar em Haddad, porque o PP apoiará o petista; além disso, temos Lula, uma lenda viva entre os mais pobres.
Analisando friamente as estratégias eleitorais dos dois principais adversários, Serra e Haddad, vemos que ambos não estão medindo esforços para ampliar seus respectivos exércitos. Serra continua favorito, pois é muito conhecido, conseguiu apoio de um bom leque de partidos e tem a grande mídia como sua grande aliada.
Do ponto-de-vista estritamente eleitoral, portanto, Lula e o PT agiram de maneira rigorosamente correta ao se esforçar para obter apoio do PP de Maluf.
O timing da foto foi desastrado, embora se possa alegar que a confusão gerou um factóide político de enorme impacto midiático, ajudando a romper o anonimato de Haddad. Vários colunistas estão começando a engolir essa ficha. Eliane Cantanhede admitiu hoje que este é um argumento a favor de Lula:
A novidade no “affair” Lula-Maluf é a versão de que tudo foi ótimo para a candidatura de Fernando Haddad, que ganha visibilidade inédita e gratuita, aparecendo em todas as TVs, rádios, páginas de jornais e bombando na internet. Mais ou menos na linha do “falem mal, mas falem de mim”.
Trata-se da velha tática de Lula de transformar o negativo em positivo, a desvantagem em vantagem.
A eleição em São Paulo oferece a Serra a oportunidade de disputar um terceiro turno contra o PT. E Lula parece entender o pleito paulistano como uma chance de preparar o terreno para ganhar o governo do estado em 2014.
Uma defesa que se poderia fazer acerca do frio e até meio sujo pragmatismo da campanha petista em São Paulo, é que a realpolitik, a bem da verdade, nunca foi um jogo para inocentes. O idealismo juvenil, que é a maior vítima da foto idílica de Lula, Haddad e Maluf, só costuma fazer diferença em eleições quando tem apoio da mídia, e quando isto acontece temos frequentemente a manipulação da ingenuidade. Ou seja, o idealismo juvenil perde novamente.
Entretanto, uma das características mais marcantes do lulismo foi justamente aniquilar o idealismo onírico juvenil, substituindo-o pelo idealismo de resultados. Os lulistas não fizeram campanha pela reeleição de Lula e depois por Dilma brandindo símbolos de uma revolução socialista. Ao contrário, tiveram que lutar contra acusações pesadíssimas de seus adversários contra as imagens de Lula abraçando Collor e defendendo Sarney e Renan Calheiros. Fizeram a luta política com galhardia, e suas armas mais poderosas foram estatísticas que mostravam o notável desenvolvimento econômico e social do país. Um idealismo de resultados, repito. Esta é explicação para a foto de Lula, Maluf e Haddad. Lula quer ganhar as eleições, quer que o PT faça um bom governo, que agregue mais estatísticas e mais resultados positivos para dar substância às futuras campanhas de seu partido. Os militantes “decepcionados” não deixarão de votar no PT, e os resultados sociais concretos de uma administração popular despertarão as massas adormecidas de São Paulo, que enfim poderão se libertar do jugo conservador-midiático que as fazem votar contra seus próprios interesses.
Além do mais, quem bancou Lula nunca foi a “militância”, que, ao contrário, mostrou-se sempre instável e reticente em seu apoio – tanto ao ex-presidente como à Dilma. Quem jamais traiu Lula, mesmo em seus momentos mais difíceis, e nas circunstâncias mais polêmicas e complexas, foi o povão. O povão não tem frescura ideológica. Ele quer resultados, ponto final. No que tange à ética, o povo quer ver rico indo em cana, e foi Lula, e só ele, quem botou Maluf na cadeia, dentre centenas de ricaços e poderosos que, pela primeira vez na história do Brasil, tiveram a experiência inesquecível de contemplar o nascer quadrado do sol.
Por fim, não podemos esquecer que o principal partido conservador no Brasil é a mídia paulista, que é bancada financeiramente pelo governo de São Paulo. Se Lula conseguir apear o PSDB de São Paulo, com Maluf ou sem Maluf, será um golpe brutal contra o poder da mídia corporativa, que ataca candidatos populares e movimentos sociais em todo país (Grifo do ContrapontoPIG). O julgamento da história, e só ele, sabe exatamente por quem os sinos tocam na política brasileira.
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