terça-feira, 17 de julho de 2012

Contraponto 8742 - A paleodireita da América Latina está em polvorosa


17/07/2012

Dr. Rosinha e Marcelo Zero: A paleodireita da América Latina está em polvorosa

Do Viomundo - publicado em 17 de julho de 2012 às 16:01

por Dr. Rosinha e Marcelo Zero, especial para o Viomundo

A paleodireita da América Latina, saudosa dos regimes autoritários e das “relações carnais” com a superpotência, e ressentida com o êxito de muitos governos progressistas do subcontinente, está em polvorosa.

Não sabe mais o que fazer para voltar ao poder. A pesada artilharia midiática, política e parlamentar usada há anos pelas oligarquias conservadoras contra os governos de esquerda e centro-esquerda não surte efeito.

Só resta, então, o histórico recurso ao golpe, mecanismo político em relação ao qual a paleodireita da América Latina tem extraordinária expertise. Não se trata mais, no entanto, da tradicional e franca quartelada. Essa opção, por contrariar as aparências de compromisso com a democracia que a paleodireita diz ter, não é mais viável.

Agora, os golpes têm de ser cuidadosamente travestidos de roupagem constitucional e jurídica, de modo a tentar justificar o injustificável. Foi assim na Honduras de Zelaya, foi assim no Paraguai de Lugo.

Particularmente neste último caso, não houve, porém, muito cuidado, e os argumentos usados para justificar o golpe e condenar aqueles que o criticaram são risíveis.

Em primeiro lugar, a paleodireita, regional e brasileira, argumenta que a “destituição” do presidente Lugo foi efetuada em estrito respeito à ordem constitucional do Paraguai.

Na realidade, a deposição, em tempo recorde, do presidente Fernando Lugo foi feita ao arrepio da ordem constitucional paraguaia. Com efeito, embora o artigo 225 da Carta Magna do Paraguai preveja a possibilidade do chamado “juízo político” do presidente, a forma como esse juízo foi realizado contraria frontalmente a ordem jurídica interna daquele país e a própria arquitetura internacional dos direitos humanos.

De fato, a Constituição da República do Paraguai de 1992 afirma que o direito de defesa das pessoas é inviolável (artigo 16) e que toda pessoa tem a garantia dos direitos processuais, entre os quais se destacam os meios e prazos indispensáveis à preparação de sua defesa (artigo 17).

Esclarecemos que, no Paraguai, a lei interna garante o amplo direito à defesa, com prazos condizentes, mesmo ante meras infrações. No caso banal de multas de trânsito, por exemplo, os infratores dispõem de até cinco dias úteis para apresentar a sua defesa, cabendo recurso da decisão inicial. O presidente Lugo, em contraste, foi processado, julgado e sentenciado em cerca de 36 horas.

Há também o sério agravante de que o processo contra o presidente Fernando Lugo foi constituído com base em acusações vagas e sem a apresentação de uma única prova consistente. O Senado paraguaio considerou que as acusações eram “autoevidentes”. Ou seja, as acusações prescindiam de provas, tal como era a praxe dos julgamentos políticos de Hitler e Stalin.

Ademais é preciso considerar que o Paraguai é uma república presidencialista. Por conseguinte, o poder do presidente está fundamentado, naquele país, diretamente no voto popular. No entanto, o “juízo político” a que foi submetido o presidente Fernando Lugo assemelhou-se à destituição de gabinetes que só ocorrem em regimes parlamentaristas, nos quais o exercício do poder Executivo está fundamentado no voto dos membros do Legislativo. Não há dúvida, por conseguinte, de que o voto popular, fundamento último do poder numa democracia, foi clara e frontalmente desrespeitado na República do Paraguai.

Outro argumento usado pela paleodireita para defender o golpe e criticar os que o condenam é o de que a ruptura da ordem democrática no Paraguai é um assunto interno daquele país e que o Brasil não deveria interferir. Ora, a ruptura da ordem democrática no Paraguai não é apenas um assunto interno daquele país, estritamente circunscrito à sua soberania, mas sim uma grave anomalia institucional e política que afeta seriamente o processo de integração regional do Mercosul e da Unasul, bem como todas as democracias do subcontinente.

Com efeito, quase todas as nações da região estão empenhadas em processos de integração, particularmente o do Mercosul e o da Unasul, que demandam compromissos democráticos de seus membros. Na realidade, a integração regional nasceu da redemocratização da região, que possibilitou a aliança entre Brasil e Argentina, grandes rivais geopolíticos na época das ditaduras. Assim, a integração e a redemocratização são processos gêmeos, que se complementam e se reforçam mutuamente.

Portanto, o Brasil e os outros países da América do Sul não interferiram especificamente no Paraguai, mas sim no processo de integração do qual participam.

Ao contrário do que diz a paleodireita na mídia e no parlamento, a condenação ao golpe no Paraguai e sua subsequente suspensão do Mercosul e da Unasul, não foi uma ação coordenada de alguns governos de centro-esquerda.

Na realidade, a reação ao golpe foi unânime. Todos os países da Unasul o condenaram e retiraram seus embaixadores do Paraguai. Até países que não fazem parte desse bloco tomaram a mesma atitude, como o México, por exemplo. Por conseguinte, a condenação ao golpe perpassou governos de todos os matizes político-ideológicos. Houve uma reação concatenada e uníssona que se estendeu desde os governos bolivarianos até os mais conservadores, como o da Colômbia e o do Chile. No plano extrarregional, a União Europeia e o Parlamento Europeu afirmaram, desde a primeira hora, que apoiariam as decisões que o Mercosul e a Unasul tomassem em referência ao caso.

Frise-se que Brasil teve uma conduta moderadora e ponderada ao longo de todo o episódio. Graças, em parte, à nossa diplomacia, o Paraguai não foi submetido a nenhuma sanção econômica que pudesse prejudicar a sua sofrida população. Também por iniciativa do Brasil, a Venezuela retirou a sua sanção de não vender mais petróleo ao Paraguai.

Onde, entanto, a paleodireita mais se esmera em seu delírio é na condenação à entrada da Venezuela no Mercosul. Segundo seus ideólogos, a Venezuela, ao ser aceita como membro pleno do Mercosul, com a suspensão do Paraguai, entrou no bloco “pela janela” e de forma intempestiva.

Ora, o Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul, fruto de anos de negociação, foi firmado, por todos os presidentes do bloco, inclusive pelo presidente paraguaio da época, Nicanor Duarte Frutos, em 04 de julho de 2006, há exatos seis anos.

Assim, a Venezuela espera pacientemente há seis anos pela sua incorporação plena ao Mercosul. Nesse interregno, todos os poderes legislativos dos Estados Partes, inclusive o do Brasil, já se posicionaram pela entrada da Venezuela ao Mercosul. Restava apenas a resistência obstinada do Senado paraguaio que, por motivos insondáveis, não votava, favoravelmente ou desfavoravelmente, a incorporação da Venezuela.

Segundo o presidente Chávez essa atitude de não votar se explica, ao menos parcialmente, pela reiterada exigência de uma parte do Senado paraguaio de receber propina para um desfecho favorável aos interesses da Venezuela. É uma denúncia grave, que tem de ser investigada. De qualquer modo, é óbvio que o Senado do Paraguai, ao não tomar uma decisão ao longo de todos esses anos, abusava de seu direito de veto.

Deve-se afirmar, ademais, que a inclusão da Venezuela no Mercosul é, sob a ótica histórica dos interesses brasileiros, apenas a culminação de um longo processo de adensamento das relações bilaterais Brasil/Venezuela iniciado no governo Itamar Franco, consolidado no governo Fernando Henrique Cardoso e concluído na administração de Luiz Inácio Lula da Silva. Portanto, a adesão da Venezuela ao Mercosul não tem nada de intempestiva e tampouco resulta de uma decisão política sem substrato econômico, comercial e histórico.

Em contraste com a visão míope de alguns conservadores, a incorporação da Venezuela ao Mercosul não é um plebiscito sobre o governo Chávez, mas sim um imperativo estratégico para o Brasil e o Mercosul. Especificamente em relação aos interesses do Brasil, acreditamos que a adesão da Venezuela ao Mercosul, além de ampliar o protagonismo internacional desse bloco econômico em foros estratégicos de negociação, aumentará as exportações de nossa indústria, gerando emprego e renda, algo muito importante nesta conjuntura recessiva; criará fontes alternativas de energia, principal obstáculo ao nosso crescimento sustentado; e ensejará ações conjuntas mais significativas que visem ao desenvolvimento da região amazônica.

No que tange à questão democrática, é preciso que fique claro que a última vez que ocorreu uma ruptura da ordem democrática na Venezuela foi quando houve um golpe de Estado contra Chávez, em 2002. De lá para cá, a Venezuela, conforme observadores internacionais isentos, como o ex-presidente Jimmy Carter, por exemplo, vem cumprindo com as cláusulas democráticas do Mercosul e da Unasul.

Relativamente aos aspectos jurídicos da decisão tomada na recente reunião do Mercosul em Mendoza, é preciso constatar que, de fato, o artigo 20 do Tratado de Assunção demanda que “a aprovação das solicitações [de adesão ao bloco] será objeto de decisão unânime dos Estados Partes”. No entanto, é necessário levar em consideração também que a República do Paraguai, por estar suspensa do Mercosul, não é, no momento, um Estado Parte do bloco. Poderá voltar a sê-lo, caso realize novas eleições limpas. Poderá, inclusive, jamais voltar a sê-lo, caso cumpra as ameaças de firmar acordos bilaterais de integração extrabloco. Seus direitos, inclusive seu direito de veto, estão suspensos. Isso possibilita, de forma legítima, a definitiva incorporação da Venezuela. Incorporação que é demandada, diga-se de passagem, pelos setores mais lúcidos da própria oposição à Chávez.

A paleodireita não tem argumentos sólidos. Também não tem propostas políticas viáveis. Mas continua perigosa para a democracia, especialmente nessa nova conjuntura econômica. A sua adesão ao fracassado neoliberalismo não a modernizou. Continua com seus velhos hábitos, com nova roupagem constitucionalista e jurídica. Dela, temos certeza, não surgirá nada de bom para o Brasil e a região. Poderão surgir, entretanto, retrocessos que nos levem de novo à condição de países mais desiguais e dependentes. Poderão surgir, inclusive, o que alguns chamam candidamente de “ditabrandas”. Golpes brancos e “ditabrandas”, eis aí as grandes novidades políticas que a paleodireita tem a nos apresentar.

Dr. Rosinha, médico com especialização em Pediatria, Saúde Pública e Medicina do Trabalho, é deputado federal (PT-PR). No Twitter: @DrRosinha

Marcelo Zero é assessor técnico da Liderança do PT
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